Tecnologia

Inclusão digital é chave para prevenir golpes virtuais contra idosos, apontam especialistas

Cursos voltados para a população idosa ajudam a evitar golpes na internet

Sesc Santa Rita promoveu aulas voltadas para inclusão digital - Ricardo Fernandes/Folha de Pernambuco

O Brasil está se tornando um país longevo, com uma população idosa cada vez mais presente e ativa. Segundo os dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados em outubro a partir do Censo 2022, para cada 100 jovens até 14 anos de idade, o país conta com 55 idosos de 65 anos ou mais.

No Censo anterior, realizado em 2010, havia 30,7 idosos para cada 100 jovens, o que representa um crescimento de 57,4% em 12 anos. Esse, aliás, foi o maior salto de envelhecimento entre dois censos desde 1940 e as projeções indicam que em 2060 o número de pessoas acima dos 60 anos ultrapassará a quantidade de jovens.

De acordo com o IBGE, a população idosa soma mais de 32 milhões de pessoas no país. População essa que vem se tornando cada vez mais inserida no universo digital, com o celular sendo um dos principais meios de acesso ao mundo online.

E junto com a importância de uma inclusão que permita interação e independência, há também a necessidade de prevenção diante dos golpes virtuais que têm na população mais velhas suas principais vítimas. Segundo dados do IBGE, nos últimos seis anos houve um aumento de mais de 300% no percentual de pessoas acima dos 60 anos que utilizam a internet em Pernambuco.

Giovani Santoro, especialista em cibersegurança - Foto: Divulgação

Para o especialista em cibersegurança Giovani Santoro, é importante que filhos e familiares de idosos os orientem diariamente acerca dos perigos que circulam no mundo virtual.

“Infelizmente, existe muita gente que vive da prática de crime virtuais onde os idosos são suas vítimas preferidas em virtude do grande número, variedades e modalidades de golpes que são aplicados diariamente e, por essa razão, nem sempre os idosos possuem disponibilidade para obter o conhecimento e atualização necessária dos métodos que são utilizados para dar prejuízo financeiros e roubos de dados, tornando-os vulneráveis às artimanhas e engano dos bandidos”, disse.

Titular da Delegacia de Repressão aos Crimes Cibernéticos, o delegado Eronides Menezes afirma que grande parte das vítimas dos casos atendidos na unidade são de pessoas idosas, consideradas alvos mais fáceis pelos criminosos.

Por dia, conta, ao menos cinco idosos procuram a delegacia relatando golpe. “Os criminosos se aproveitam muito dessa vulnerabilidade e da confiança que as pessoas têm. Porque, poxa, os idosos pensam ‘quem está do outro lado?’ Não só apareceu o nome, mas apareceu a foto do filho. Ele está falando como se fosse meu amigo, o meu filho, meu parente. Então, os mais velhos tendem a acreditar sem questionar”, pontua. Delegado Eronides Menezes - Foto: Junior Soares/Folha de Pernambuco

 

Para evitar que os golpes aconteçam, é importante que os usuários desta faixa etária obtenham conhecimento quanto ao funcionamento de aplicativos e compreendam sinais que indiquem um possível alerta. Iniciativas que buscam educar e promover a inclusão digital de pessoas acima dos 60 anos são extremamente importantes nesse processo.

“Acho que é fundamental ter essa inclusão digital, uma capacitação, o ensino mesmo. A melhor ferramenta que você pode ter é o conhecimento, não tem nada melhor, não existe. É isso que vai garantir que você não seja vítima, que você seja proativo na hora de agir numa situação como essa e não simplesmente ficar ali, sendo vulnerável, para acabar caindo no golpe e ser a próxima vítima”, reforçou.

 

Diferentes instituições oferecem projetos voltados para o letramento digital de pessoas mais velhas. Uma delas é o Serviço Social do Comércio (SESC). Na última quinta, a unidade localizada no Cais de Santa Rita, no centro do Recife, formou 30 alunos no programa Faculdade Aberta 50+, cujo um dos módulos foi voltado para a Inclusão Digital. Como explica a assistente social do Sesc Santa Rita, Eduarda Araújo, todos os alunos que participaram desta turma têm mais de 60 anos de idade.

“A pandemia trouxe exatamente essa pegada do digital. E quando eles chegam aqui para a gente, trazem essa necessidade, de querer aprender mais, de querer entender mais sobre os aplicativos, até porque a gente sabe que eles são um dos maiores focos para sofrer golpes”, comentou, ressaltando que o módulo de Inclusão Digital foi aplicado em parceria com a Universidade de Pernambuco a (UPE).

Augusta Lima, aposentada - Foto: Ricardo Fernandes/Folha de Pernambuco

Professora aposentada, Augusta Lima, de 76 anos, conta que se sente mais segura para utilizar a internet e inclusive fazer transações pelo celular após as aulas do programa. Ela lembra que os alunos aprenderam a identificar possíveis tentativas de golpe e estão atentos, por exemplo, às mensagens que chegam por aplicativos de mensagem, e-mail ou redes sociais.

“Para nós que temos dificuldade no dia a dia da conexão, com todo o movimento da internet, facilitou bastante, desbloqueou, porque quando a gente pensa que estar conectado é uma coisa boa, vinha aquela dificuldade e a gente não sabia sair. Esse curso fez com que a gente tirasse todo aquele medo e com certeza vai ajudar a evitar fraude, saber como prevenir. Tudo isso nós aprendemos”, frisou.

A sensação de confiança também é compartilhada pelo aposentado Antônio Monteiro, 66, que também participou das aulas. “Para mim, o curso foi muito bom porque eu tive a oportunidade de aprender muitas coisas que eu não sabia. Na minha idade é difícil essa tecnologia, não é fácil, então eu tive a oportunidade de aprender a lidar com a internet. E o curso também ajudou a usar aplicativo de banco, ter esse cuidado”, disse. Duas novas turmas devem ser abertas no início do próximo ano, com as inscrições sendo realizadas na Central de Relacionamento do Sesc Santa Rita.

Antônio Monteiro, aposentado - Foto: Ricardo Fernandes/Folha de Pernambuco

A Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e a Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) também possuem programas de extensão voltados para a população idosa. Em 2023, a UFPE ofereceu o curso de Inclusão Digital, por meio do programa Proidoso, que desenvolve uma série de ações voltadas para a terceira idade.

“É um curso de curta duração, em que nós tivemos três oficinas voltadas para o ensino no manuseio das tecnologias. O mote desse curso de Inclusão Digital é o uso do celular. Então, a gente formou uma média de 12 turmas, e ao final nós capacitamos cerca de 100 idosos. É um curso que está vinculado ao Programa de Alfabetização e Letramento Digital”, comentou a  professora Anna Karla Tito, coordenadora do Proidoso.

A previsão é de que novas turmas sejam iniciadas em 2024, com informações e matrículas por meio do site do programa (www.ufpe.br/proexc/unati).   

A UFRPE, por sua vez, ofereceu este ano três turmas do curso Conecta Idoso, que aborda o uso das principais tecnologias e plataformas digitais acessadas atualmente. Segundo a coordenadora do Núcleo de Envelhecimento da universidade, professora Nayana Pinheiro, as aulas eram voltadas prioritariamente para a população em vulnerabilidade socioeconômica.

“O Conecta Idoso é um curso mais prático, de inclusão digital, no sentido de como as pessoas vão trabalhar com os aplicativos mais necessários no dia a dia. Trabalhamos a questão de aplicativos de banco, como usar pix. E aí a gente teve várias aulas de como identificar fake news, como evitar golpes. Então, tudo isso vai dando à pessoa idosa a possibilidade de reconexão e de ampliação dessa conexão que ela já tem com a sociedade”, destacou. Segundo a coordenadora, caso a instituição receba recursos e verbas, a expectativa é que novas turmas sejam oferecidas em 2024.