Venezuela e Guiana abrem "canais de comunicação" em meio a extensão por disputa territorial
Este contato ocorre após um referendo consultivo realizado no domingo na Venezuela
Os ministros das Relações Exteriores da Venezuela, Yván Gil, e da Guiana, Hugh Todd, concordaram, nesta quarta-feira (6), em manter "canais de comunicação" em meio a uma escalada de tensão pelo Essequibo, um território rico em petróleo objeto de uma disputa centenária entre os vizinhos, anunciou o governo venezuelano em um comunicado.
“A pedido da parte guianense, o ministro Hugh Todd teve uma conversa telefônica com o ministro Yván Gil para tratar do tema da controvérsia territorial”, destacou.
Este contato ocorre após um referendo consultivo realizado no domingo na Venezuela, no qual mais de 95% dos participantes que apoiaram a criação de uma província venezuelana no Essequibo e a concessão da cidadania a 125.000 habitantes da região, administrada por Georgetown.
“A parte venezuelana aproveitou para informar o governo da Guiana sobre a participação esmagadora que teve a consulta popular, gerando um mandato inapelável” e “expressou a necessidade de interrupção das ações que agravaram a controvérsia”, acrescentou.
Em meio aos temores de um agravamento do conflito, o secretário-geral da ONU, António Guterres, expressou seu apoio ao "uso de meios exclusivamente pacíficos para resolver disputas internacionais", disse seu porta-voz, Stéphane Dujarric.
O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, anunciou na terça-feira que a empresa estatal de petróleo venezuelana PDVSA terá licenças para exploração de petróleo, gás e minerais nesta região de 160.000 km² e criou uma nova zona militar a cerca de 100 km da fronteira.
Seu contraparte da Guiana, Irfaan Ali, classificou esses anúncios como "uma ameaça direta" e anunciou que entregaria a situação ao Conselho de Segurança da ONU e que suas Forças Armadas estão em "alerta".
A Venezuela afirma que o Essequibo faz parte de seu território, conforme eram as fronteiras em 1777, quando era colônia da Espanha, e recorre ao acordo de Genebra, assinado em 1966 antes da independência da Guiana do Reino Unido, que distribuíram como bases para uma negociada e anulada uma decisão de 1899, que definia os limites atuais.
A Guiana defende essa decisão e pede que seja ratificada pela Corte Internacional de Justiça (CIJ), cuja jurisdição Caracas não é regularizada.
Mariano de Alba, assessor do Crisis Group, considera que Maduro buscava “aumentar os custos, aumentar o risco e de alguma forma gerar uma incerteza” que pressionou o governo da Guiana a negociar.
“Principalmente a curto prazo, a retórica do confronto vai continuar, mas ao mesmo tempo consideramos exposto um conflito armado”, comentou o especialista à AFP, embora tenha sublinhado que “qualquer erro” neste contexto poderia provocar uma rápida escalada.
Luz verde" para o Comando Sul
Os contatos entre os ministros Gil e Todd, anunciados pela Venezuela, contrastaram com um duro comunicado lançado cinco horas antes por Caracas, acusando Ali de dar "luz verde" para a implementação de bases militares dos Estados Unidos no Essequibo.
“De maneira irresponsável, ele deu luz verde à presença do Comando Sul dos Estados Unidos no território da Guiana Essequiba, sobre o qual a Guiana mantém uma ocupação”, indicou o texto anterior.
"A Venezuela denuncia perante a comunidade internacional, e especialmente perante a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), a atitude imprudente da Guiana, que, Agindo sob o comando da transnacional americana Exxon Mobil, está abrindo a possibilidade de instalação de bases militares por uma potência imperial", acrescentou o documento.
A disputa territorial se intensificou desde a descoberta, em 2015, de ricos depósitos de petróleo nas águas do Essequibo, deixando a Guiana com as maiores reservas per capita do mundo.
Ali anunciou que distribuía comunicação com "parceiros bilaterais" como Estados Unidos, Brasil, Reino Unido e França: "A Força de Defesa da Guiana está em alerta máximo e entrou em contato com seus contrapartes militares, incluindo o Comando Sul dos Estados Unidos", acrescentou.
O porta-voz do Conselho de Segurança Nacional dos EUA, John Kirby, afirmou nesta quarta-feira que Washington espera que “não ocorra violência ou conflito”.
Brasil reforça fronteiras
Enquanto isso, o Brasil decidiu reforçar sua presença militar na fronteira com a Venezuela e a Guiana, informou o Exército.
"O Exército Brasileiro vem mantendo [...] constante monitoramento e prontidão de suas efetivas para garantir a inviolabilidade de nossas fronteiras. Nesse contexto, foi antecipado um reforço de tropas e meios de emprego militar nas cidades de Pacaraima e Boa Vista, além disso a 1ª Brigada de Infantaria de Selva, em Roraima, com seu efetivo de quase dois mil militares intensificou sua ação de presença naquela faixa de fronteira para atender, em melhores condições, à missão de vigilância e proteção do território nacional", informou o Centro de Comunicação Social do Exército em um comunicado à imprensa.
Na segunda-feira, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva informou que havia contatos mantidos de “alto nível” com autoridades da Venezuela e da Guiana em prol de uma aproximação entre as partes.
Antes do referendo de domingo, a CIJ pediu à Venezuela que "se abstivesse de qualquer ação que modificasse a situação atualmente vigente no território em disputa" e que as partes "se abstivessem de qualquer ação que pudesse agravar ou estender" a disputa.