Mercado vegano tem 300 empresas no país e maior desafio é o NE
Consumidor reclama de falta de opções no mercado vegano da região
O mercado vegano avança no Brasil, onde existem, atualmente, 300 empresas ativas do segmento, o que inclui desde fabricantes de alimentos a redes de gastronomia com cardápio opcional sem carne, restaurantes 100% plant-based food e canais no varejo. Mas, uma das regiões onde o crescimento do segmento enfrenta maiores desafios é o Nordeste, apesar de toda uma tradição cultural e culinária de consumo de produtos de origem vegetal, incluindo raízes como macaxeira, inhame e batata-doce.
Essa é uma das principais conclusões do estudo “O Consumidor Brasileiro e o Mercado Plant Based”, realizado pelo The Good Food Institute Brasil em 2022 e concluído recentemente. A pesquisa aponta que os nordestinos têm mais dificuldades para encontrar opções de alimentos à base de vegetais que os moradores de outras regiões.
Esse cenário regional vai na contramão de uma tendência constatada no levantamento: a de redução do consumo de carnes no período em análise, por uma questão de escolha. Impactados pelos diversos tipos de movimentos globais contra o consumo de proteína animal e de promoção da alimentação saudável, os brasileiros (no extrato analisado) compraram menos esse tipo de produto.
No Nordeste, 71% dos entrevistados afirmaram ter diminuído a ingestão de carnes ano passado, o que, de acordo com a pesquisa, teve a ver com questões comportamentais do segmento pesquisado e não com variáveis econômicas, como a inflação.
Esses consumidores, no entanto, reclamaram da dificuldade para achar alternativas vegetais na região, especialmente quando se trata de produtos de grande demanda, como hambúrguer, empanados e leite.
Os relatos demonstram que a busca por alternativas veganas desses itens é uma tarefa árdua: 66% dos entrevistados nordestinos disseram que em alguns casos o produto à base de proteína animal simplesmente não tem substituto plant-based food – alimentos ou pratos cujos ingredientes são de origem 100% vegetal – disponível no mercado.
Mercado vegano muito além da militância
No Brasil, os dados mais recentes da gigante de pesquisa de mercado Euromonitor International (Reino Unido) estimam que o faturamento do mercado plant-based food foi de US$ 82,8 milhões (R$ 457,52 milhões) em 2020, alta de 70% em relação a 2015. A projeção é de que o segmento, numa análise bastante conservadora, atinja US$ 131,8 milhões (R$ 728,27 milhões) até 2025.
Outra evidências de que o mercado vegano cresce no país é o surgimento de programas como o EscolhaVeg, operado pela ONG Mercy For Animals no Brasil (MFA) e que tem como propósito desmistificar o plant-based food no Brasil.
A iniciativa vai muito além da militância e visa promover um sistema alimentar mais inclusivo, saudável e sustentável. Oferece auxílio na elaboração de alternativas à base de plantas, capacitação teórica e prática, criação de materiais educativos e informativos, bem como suporte na divulgação.
O trabalho inclui consultoria estratégica gratuita a empresas – da indústria ao food service – que desejam entrar no setor ou ampliar a atuação no nicho vegano.
Entre os clientes, estão redes de gastronomia como a pernambucana Camarão & Companhia, do Grupo Drumattos. A marca, com 40 restaurantes distribuídos em 12 estados, vem investindo em cardápios alternativos para atender aos novos padrões alimentares dos consumidores.
O mesmo caminho vem sendo trilhado por redes globais presentes no Brasil – como Outback e Subway – ou nacionais, a exemplo de Pasta Way e 10 Pastéis, que também são parceiras do EscolhaVeg.
Iguarias do mercado vegano nordestino incluem delícias como o casquinho de carne de caju/Foto: EscolhaVeg (Divulgação)
Nordeste tem potencial gigantesco no mercado vegano
A gerente de Parcerias Corporativas do EscolhaVeg, Julia Seibel, vê o panorama do Nordeste como uma grande oportunidade para a indústria de alimentos, varejo e serviços de gastronomia. “Há um imenso potencial de mercado na região. A demanda já existe e não está sendo atendida“, ressalta.
A executiva ressalta que a pesquisa do The Good Food Institute Brasil precisa ser vista não apenas como um alerta, mas como um convite para negócios. “Os resultados do recorte regional evidenciam muito mais que um aviso para as marcas vegetais e outras empresas da cadeia sobre a disponibilidade de produtos no Nordeste”, avalia.
Na verdade, os números da pesquisa demonstram claramente uma grande chance, por exemplo, para os fabricantes, que pode ser aproveitada por meio de investimentos em ampliação de produção, diversificação de portfólio, logística e marketing, incluindo relacionamento com canais de venda.
Para os varejistas, os dados do levantamento representam praticamente um sinal para que disponibilizem mais produtos veganos em suas gondolas e ofereçam mais opções de marcas e itens, pois tem cliente esperando por isso e bastante insatisfeito com a frustração de suas expectativas.
Já o setor de alimentação fora de casa pode incrementar o faturamento disponibilizando ou ampliando releituras de pratos com produtos vegetais, como feijoada vegana, lasanhas sem proteína animal, moquecas sem peixe e outras criações.
É o que tem feito o restaurante Mandir, um dos mais conhecidos no mercado vegano de Fortaleza (CE). Localizado no Benfica, o estabelecimento oferece um cardápio constantemente renovado e ampliado e que inclui de feijoadas, vatapás, strogonoffs, lasanhas, pizzas, tempurás, quibes, casquinhas crocantes e sopas a bolos, tortas e pudins. No Recife (PE), o Tulasi Mercado Orgânico, localizado no Pina (Zona Sul), foi além do conceito tradicional e investiu num mix de bistrô e empório.
Releitura vegana do tradicional arrumadinho nordestino é outro prato em alta no setor plant-based food regional/Foto: EscolhaVeg (Divulgação)
Riqueza culinária da região é ativo para o mercado vegano
Julia Seibel chama a atenção para o quanto estabelecimentos como o Mandir e o Tulasi e a rede Camarão & Cia estão aproveitando um ativo que o Nordeste já tem. “A região é rica em tradições gastronômicas. A culinária desempenha um papel de grande significado na vida das pessoas e os alimentos vegetais fazem parte da cultura”, frisa.
“Pratos veganos regionais como a moqueca de banana da terra, feijoada de legumes e casquinha de carne de caju evidenciam o quanto o mercado plant-based food dialoga com o Nordeste e esse movimento precisa ser ampliado”, afirma.
A gerente acrescenta que “o primeiro passo para a superação dos desafios atuais é fazer as empresas entenderem o potencial desse mercado e desmistificar algumas questões com relação ao segmento”.
“Não estamos mais nos anos 1970 e 1980, falando de tribos ou de grupos muito restritos, e sim de mudança de padrões de comportamento e hábitos alimentares que vieram para ficar e numa outra escala“, argumenta.
“Por isso, trabalhamos com análises e estudos de mercado, deixando claro para os empreendedores que estamos tratando de uma visão de negócio conectada com propósito e focada na sociedade e na sustentabilidade”, defende.
Outras questões a serem enfrentada na região, de acordo com Julia Seibel, incluem a inovação, desenvolvimento de produtos e marketing.
“O empresário que quiser aproveitar as oportunidades ou expandir as possibilidades no setor precisa estar atento a alguns aspectos importantes. Recriar alimentos ou pratos com ingredientes à base de plantas exige valorização da memória afetiva, da cultura, boas estratégias de lançamento e divulgação e, claro, um cuidado com a experiência como um todo, principalmente o sabor final do produto”, conclui.
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