Menina de 2 anos morre após contrair doença rara de pombos; entenda
Óbito é o quinto identificado no mundo desde que o vírus foi descoberto, em 1942
Uma menina de 2 anos morreu na Austrália após contrair um vírus raro que circula em aves, o Paramixovírus aviário sorotipo 1 (APMV-1) – mais especificamente a variante do patógeno que tem pombos como hospedeiro, a Pigeon Paramixovírus - sorotipo 1 (PPMV -1). Os cientistas acreditam que ela foi contaminada “inadvertidamente através do contato direto com fezes de pombos ou fluidos infectados”.
A paciente passava pelo tratamento de uma leucemia quando foi infectada. O caso fosi relatado por médicos do hospital Prince of Wales, onde a menina foi atendida, na revista científica Emerging Infectious Diseases.
O vírus causa a chamada doença de Newcastle, um diagnóstico altamente contagioso, de distribuição mundial, mas que acomete aves silvestres e comerciais. Ela provoca sintomas respiratórios, frequentemente seguidos por manifestações no sistema nervoso. A manifestação clínica, e a letalidade do patógeno nos animais, variam de acordo com a variante.
Entre humanos, segundo os especialistas relatam, o primeiro caso foi registrado em 1942, na Austrália. Desde então, mais 485 diagnósticos foram feitos ao redor do mundo, sendo mais da metade (288) no Reino Unido. Na maioria das vezes, a doença se manifesta de forma moderada e limitada, causando quadros de conjuntivite que se resolvem sozinhos.
Ainda assim, há quatro óbitos que já foram identificados pela doença de Newcastle, todos associados à cepa que circula entre pombos, a PPMV-1, na Holanda, nos Estados Unidos, na China e na França. Um deles teve uma clara exposição a pombos. Três deles estavam imunossuprimidos devido a outros problemas de saúde, como câncer e transplante de células-tronco.
Na quinta morte, relatada recentemente neste mês na Austrália, a menina sofria com uma leucemia linfoblástica aguda infantil pré-células B (LLA), um tipo de câncer hematológico. Ela foi admitida no hospital com náuseas e vômitos depois de três semanas de sintomas respiratórios.
O último tratamento para a leucemia foi seis semanas antes da admissão no hospital pelos sintomas da doença de Newcastle. Ela, que não teve o nome divulgado, não tinha histórico de viagens, animais de estimação ou de contato com pessoas doentes.
O quadro piorou nos primeiros quatro dias, com a manifestação de febre que desencadeou epilepsias graves: síndrome da epilepsia relacionada à infecção febril (FIRES). Exames de ressonância magnética cerebral, porém, inicialmente não mostraram nada atípico.
Todas as investigações para causas autoimunes de encefalite tiveram resultados negativos. Os cientistas realizaram ainda um sequenciamento ultrarrápido do exoma, uma ferramenta que permite o diagnóstico de doenças genéticas em 5 dias, mas que não indicou nada de anormal.
“Os resultados de extensas investigações baseadas em cultura e PCR para causas infecciosas, incluindo patógenos bacterianos, virais, fúngicos e micobacterianos, foram todos negativos”, complementam os médicos no relato.
20 dias após a admissão, uma biópsia cerebral indicou um quadro de necrose quase completa, embora nenhum vírus tenha sido identificado naquele momento na região. “Apesar da terapia com antimicrobianos de amplo espectro, anticonvulsivantes, imunomoduladores e dieta cetogênica, o quadro do paciente não melhorou”, escrevem.
Ao longo de 2 semanas, a ressonância magnética cerebral passou a mostrar alterações inflamatórias progressivas e generalizadas. O tratamento foi suspenso, e a criança faleceu 27 dias após a internação.
Os cientistas conduziram, então, testes mais amplos no tecido cerebral biopsiado em busca da explicação para o quadro tão grave desenvolvido pela menina. Eles enfim descobriram a presença do PPMV-1.
“Na ausência de outros patógenos coinfectantes virais, bacterianos ou fúngicos, ou de outras patologias importantes de órgãos, como pneumonia, a morte da criança foi provavelmente causada por encefalite causada por infecção esmagadora por PPMV-1”, escrevem.
Em relação à forma como a menina foi contaminada, eles afirmam que a infecção provavelmente começou pelo trato respiratório superior por meio do contato com o vírus. “Embora nenhuma exposição tenha sido identificada, é provável que o vírus tenha sido transmitido inadvertidamente através do contato direto com fezes de pombos ou fluidos infectados. Sabe-se que o vírus permanece estável nas fezes dos pombos e pode ser transmitido pela poeira transportada pelo vento, estendendo o risco para além de ambientes apenas localizados”, dizem.
Os médicos escrevem ainda que “era improvável que o diagnóstico precoce de PPMV-1 neste caso tivesse mudado a trajetória clínica”, mas destacam a importância da metagenômica para conseguir identificar doenças do tipo.