Guerra

Corrida contra o tempo: Brasil ainda tenta resgatar de Gaza quem foi barrado da lista de repatriação

Itamaraty queria resgatar 102 pessoas, mas apenas 78 foram autorizadas a cruzar a fronteira com o Egito

Passagem de Rafah, na fronteira com o Egito - Said Khatib/AFP

Quase quatro horas depois de ter chegado à fronteira do Egito com o sul da Faixa de Gaza, em Rafah, a equipe da embaixada do Brasil no Cairo ainda não tinha conseguido resgatar as pessoas que foi buscar. Tenta, a todo custo, aprovar mais nomes que não foram autorizados a entrar no Egito, mas tinham sido inseridos pelo Brasil.

O carro da embaixada chegou às 11h da manhã (horário local), depois de 8 horas na estrada, tendo passado por 15 bloqueios das forças de segurança egípcias ao longo do caminho. Barulhos de metralhadoras e foguetes podiam ser ouvidos do lado de fora. Dentro do departamento de imigração, palestinos e estrangeiros tentavam sair logo da região em conflito há mais de dois meses. Ainda não é possível dizer que eles saíram, mesmo, de Gaza, porque não cruzaram a fronteira para entrar no Egito. Ocupam, junto com pessoas que vão para outros países e as bagagens que conseguiram trazer, quase todos os bancos do grande salão por onde circulam também trabalhadores humanitários.

O Brasil queria resgatar desta vez 102 pessoas de Gaza, mas apenas 78 delas foram autorizadas a cruzar a fronteira com o Egito. Ao serem avisadas, ontem, 42 delas confirmaram que deixariam o território sitiado na manhã deste sábado. São 24 crianças/adolescentes, 13 mulheres (4 delas idosas) e 5 homens.

Um deles é Mohammed Adwan, empresário que não vê a hora de voltar a Florianópolis com a esposa, Iraa, e as filhas, Tamara e Ella. A família viveu na capital catarinense por pouco mais de dois anos. Em fevereiro eles viajaram para Gaza. A mãe do Mohammed estava com câncer. Ela faleceu semanas depois da chegada do filho. Ele contou que em seguida também perdeu o irmão mais velho, antes de começar o conflito que dilacerou ainda o patrimônio dele. — Eu tinha 12 lojas de perfumes em Gaza. Nem sei como estão — lamentou o palestino, em português, ao mesmo tempo em que se mostrava esperançoso com o retorno ao Brasil, onde quer voltar a viver.

Mas por volta das 14h30 (horário local) a última contagem dos diplomatas brasileiros mostrava que 50 pessoas estavam na lista para serem resgatadas. Há um clima de grande preocupação por conta das famílias prestes a serem separadas.

A angústia era visível nos olhares de Wafaa e Samy Abusada. Os cinco filhos do casal foram autorizados a cruzar a fronteira, mas ela e o marido nāo. — Queremos viver todos no Brasil, estar seguros, mas juntos — disse.

A palestina tentava a qualquer custo ter seu nome e o do marido incluídos na lista de autorizados a sair. — Se não conseguirmos, os mais velhos (Lara, 18, e Saud, 17) viajarão, mas os mais novos (Rama, 13, Layel, 12 e Ghazal, ghazal) ficam com a gente — afirmou. Samy, o pai, já tem residência brasileira. Ele é comerciante. Vendia computadores e celulares em Gaza. Também não sabe dizer que fim levou o próprio negócio. A prioridade agora é a segurança da família.

A maior parte do grupo é formada por palestinos que são parentes de brasileiros. Outros têm dupla nacionalidade.

No mês passado, o Brasil resgatou 32 pessoas que estavam em Gaza, já que duas delas tinham recebido permissão para sair e desistiram na última hora. Eram uma brasileira de 50 anos e a filha adolescente (12). Agora, elas tentaram entrar nesta segunda lista junto com o pai da menina, de 69 anos. Mas desta vez apenas a jovem foi autorizada a cruzar a fronteira.

Yasmeen Said Rabee conseguiu permissão para sair com a mãe, Hayan Hussein Rabee. Mas a irmã foi barrada da lista. — Não tenho planos ainda. Só pensava em escapar de Gaza, mas estou preocupada agora com a minha irmã que ficou lá — disse a universitária. Ela estava no segundo ano de Medicina na Al-Azher University, que foi destruída como muitos prédios bombardeados por tropas israelenses. O que parece ser inabalável é a esperança de dias melhores dos que nem sabem onde passarão a noite de hoje — Talvez eu consiga terminar meus estudos no Brasil e, quem sabe, um dia voltar a Gaza — concluiu, esperançosa.

Uma outra mãe recebeu a permissão para sair de Gaza com os três filhos, todos com menos de 7 anos, mas o pai das crianças foi proibido de acompanhar a família.

O governo brasileiro também não conseguiu resgatar um senhor de 73 anos que recentemente sofreu um AVC, mas o neto dele teve autorização concedida.

Mais de 10 mil pessoas de cerca de 60 países já foram autorizadas a sair de Gaza pela fronteira com o Egito. Os países que mais resgataram cidadãos nas últimas semanas foram EUA (2020), Turquia (1032), Rússia (941), Jordânia (690), Canadá (686), Alemanha (663). Equipes de outras embaixadas também estão na fronteira para resgatar cidadãos de seus países. Aqueles com os quais O Globo conversou concordam que os critérios para se decidir quem recebe autorização para sair não são claros. Teoricamente, este é um assunto discutido entre os envolvidos neste conflito, mas, na prática, o que se diz por aqui é que Israel é quem vem dando a palavra final sobre o destino de quem quer sair.