Oriente Médio

Brasil consegue resgatar 47 pessoas em Gaza após impasse na fronteira com o Egito

Diplomatas conseguiram incluir de última hora 5 mulheres que não tinham recebido autorização para sair do enclave sitiado

Palestinos deslocados que fugiram de Khan Yunis no sul da Faixa de Gaza montaram acampamento em Rafah, mais ao sul, perto da fronteira com o Egito - MOHAMMED ABED / AFP

O Brasil conseguiu finalmente, neste sábado, após horas de impasse na fronteira com o Egito, retirar 47 brasileiros e parentes palestinos da Faixa de Gaza, o segundo grupo resgatado no enclave desde o início da guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas em 7 de outubro. A equipe do Itamaraty teve êxito em incluir de última hora 5 mulheres que não tinham recebido autorização prévia para entrar no Egito, embora estivessem na lista enviada pelas autoridades brasileiras. Quatro homens continuaram barrados. Dois ônibus levaram o grupo para o Cairo, de onde um avião enviado pela Força Aérea Brasileira e que partiu na manhã deste sábado do Rio os traria na viagem de volta ao Brasil.

O governo brasileiro queria resgatar desta vez 102 pessoas de Gaza, mas apenas 78 delas foram autorizadas a cruzar a fronteira com o Egito. Ao serem avisadas, nesta sexta-feira, 42 delas confirmaram que deixariam o território sitiado na manhã deste sábado. São 24 crianças/adolescentes, 13 mulheres (4 delas idosas) e 5 homens. No entanto, nove pessoas sem autorização apareceram assim mesmo, causando o impasse na fronteira.

O carro da embaixada chegou às 11h (horário local), depois de 8 horas na estrada, tendo passado por 15 bloqueios das forças de segurança egípcias ao longo do caminho. Barulho de metralhadoras e foguetes podia ser ouvido do lado de fora. Dentro do setor de imigração, palestinos e estrangeiros tentavam sair logo da região, há dois meses submetida a fortes bombardeios por Israel desde o ataque ao país pelo grupo terrorista Hamas, que deixou 1.200 mortos em território israelense e cerca de 240 reféns levado para Gaza.

Um dos que vêm para o Brasil é Mohammed Adwan, empresário que não vê a hora de voltar a Florianópolis com a esposa, Iraa, e as filhas, Tamara e Ella. A família viveu na capital catarinense por pouco mais de dois anos. Em fevereiro, eles viajaram para Gaza. A mãe do Mohammed estava com câncer. Ela faleceu semanas depois da chegada do filho. Ele contou que em seguida também perdeu o irmão mais velho, antes de começar o conflito que dilacerou ainda o patrimônio dele.

"Eu tinha 12 lojas de perfumes em Gaza. Nem sei como estão", lamentou o palestino, em português, ao mesmo tempo em que se mostrava esperançoso com o retorno ao Brasil, onde quer voltar a viver.

No meio da tarde, instalou-se um clima de grande preocupação por conta das famílias prestes a serem separadas, em vista de 9 dos 51 presentes não terem autorização, ainda sendo negociada naquele momento. A angústia era visível nos olhares de Wafaa e Samy Abusada. Os 5 filhos do casal, que têm entre 7 e 18 anos, foram autorizados a cruzar a fronteira, mas ela e o marido nāo.

"Queremos viver todos no Brasil, estar seguros, mas juntos", disse Wafaa, que tentava a qualquer custo ter seu nome e o do marido incluídos na lista de autorizados a sair.

No fim das negociações, Wafaa pôde sair com os filhos, mas Samy, que tem visto de residência no Brasil, não. Ele é comerciante e vendia computadores e celulares em Gaza. Também não sabe dizer que fim levou o próprio negócio, mas a prioridade agora é a segurança da família, que partiu de volta ao Brasil.

A maior parte do grupo é formada por palestinos que são parentes de brasileiros. Outros têm dupla nacionalidade. Yasmeen Said Rabee conseguiu permissão para sair com a mãe, Hayan Hussein Rabee. Mas a irmã foi barrada da lista.

"Não tenho planos ainda. Só pensava em escapar de Gaza, mas estou preocupada agora com a minha irmã que ficou lá", disse a universitária.

Ela estava no segundo ano de Medicina na Universidade Al-Azher, que foi destruída como muitos prédios bombardeados pelas Forças Armadas israelenses. O que parece ser inabalável é a esperança de dias melhores.

"Talvez eu consiga terminar meus estudos no Brasil e, quem sabe, um dia voltar a Gaza", concluiu, esperançosa.

Uma outra mãe recebeu a permissão para sair de Gaza com os três filhos, todos com menos de 7 anos, mas o pai das crianças foi proibido de acompanhar a família. O governo brasileiro também não conseguiu resgatar um homem de 73 anos que recentemente sofreu um AVC, mas o neto dele teve autorização concedida.

No mês passado, o Brasil resgatou 32 pessoas que estavam em Gaza. Duas que tinham recebido permissão para sair desistiram na última hora — uma brasileira de 50 anos e a filha de 12. Agora, elas tentaram entrar nesta segunda lista junto com o pai da menina, de 69 anos. Mas desta vez apenas a jovem foi autorizada a cruzar a fronteira.

Mais de 10 mil pessoas de cerca de 60 países já foram autorizadas a sair de Gaza pela fronteira com o Egito. Os países que mais resgataram cidadãos nas últimas semanas foram EUA (2.020), Turquia (1.032), Rússia (941), Jordânia (690), Canadá (686) e Alemanha (663). Equipes de outras embaixadas também estão na fronteira para resgatar cidadãos de seus países.

Aqueles com os quais O GLOBO conversou concordam que os critérios para se decidir quem recebe autorização para sair não são claros. Teoricamente, este é um assunto discutido entre os envolvidos neste conflito, mas, na prática, o que se diz por aqui é que Israel é quem vem dando a palavra final sobre o destino de quem quer sair.