Mundial de Clubes dá adeus a formato controverso sob a promessa de se tornar mais inclusivo
Nova manobra tenta contornar baixo interesse do público, dos investidores e até dos clubes
Aos olhos do mundo, mas nem tanto assim. A partir da próxima semana, Fluminense e Manchester City serão protagonistas da última edição do Mundial de Clubes no atual formato, vigente desde 2005.
Alvo da Fifa para mudanças desde 2016, o torneio enfrentará uma chacoalhada radical em 2025, quando passará a ter 32 participantes e será disputado de forma quadrienal e com uma fase de grupos — os Estados Unidos serão a primeira sede.
A nova manobra tenta contornar o baixo interesse do público, dos investidores e até dos clubes. Pouca atratividade que se explica na prática: amanhã, os anfitriões sauditas do Al-Ittihad enfrentam os neozelandeses do Auckland City na abertura da competição.
“Pai” da Copa do Mundo com 48 seleções e de perfil reformista desde que assumiu a presidência da Fifa, Gianni Infantino defendeu as mudanças de forma pública e enérgica nos últimos anos. Mas enfrentou uma série de obstáculos até conseguir a aprovação da ideia. Entusiasta de competições regionais, o mandatário sofreu — e ainda sofre — pressão da Uefa e de sindicatos de atletas, como a FifPro, que não querem ver o calendário mais cheio. Com o agravante, no caso europeu, do risco de ofuscamento da Liga dos Campeões.
A relação com Aleksander Ceferin, presidente da Uefa, azedou nesse processo. Em 2021, a própria confederação enfrentou dentro de casa uma “ameaça’ parecida: o projeto hoje abandonado da Superliga Europeia. Na Fifa, Ceferin e Infantino só se reaproximaram brevemente quando o italiano abriu mão de vez da ideia de uma Copa do Mundo a cada dois anos, também rejeitada pelos europeus.
Para o novo formato do Mundial, Infantino tenta ganhar a confiança dos players principais: os clubes. E um modelo tampão para 2024 ainda está em análise.
— A Fifa quer resolver vários problemas de uma vez. No âmbito esportivo, quer que esse torneio substitua, ao mesmo tempo, a Copa das Confederações, que acontecia no ano anterior à Copa do Mundo, e o antigo Mundial de Clubes. Esses dois torneios são fracassos de público e de crítica, e a Fifa quer algo novo, mais interessante, maior e mais atrativo para mais gente — resume o colunista do GLOBO Matín Fernandez, que cobre de perto a entidade.
Alternando suas sedes entre a Ásia e o norte da África, pouco acessíveis especialmente para torcidas de massa da América do Sul, o torneio de fato fica aquém em público. Desde a edição de 2013, a presença média flutua nas casas das 20 mil e 30 mil pessoas — com exceção das edições de 2020 e 2021, na pandemia da Covid-19.
Competitivamente, é difícil arrancar dos times europeus a empolgação de disputar o torneio, mesmo começando já nas semifinais. Afinal, eles foram campeões nas últimas dez edições.
Reeleito como candidato único em duas oportunidades, Infantino tem relação muito próxima com confederações menos “pesadas” e dirigentes e investidores da Ásia, em especial do Golfo. Chegou a morar em Doha meses antes da Copa Mundo do Catar. Com o Al-Ittihad de Karim Benzema em campo, o Mundial mudará de formato justamente após a edição que marca o fortalecimento dos times sauditas e da Champions da Ásia.
Peças do tabuleiro
Os investimentos e interesses políticos do mercado asiático, a boa vontade competitiva e financeira da Europa e um maior holofote sobre os demais clubes do globo são três peças que Infantino tenta unir neste novo Mundial, que dará 12 vagas ao Velho Continente, seis à América do Sul, quatro às Américas do Norte e Central, à Ásia e à África, além de uma à Oceania.
— Quando Infantino foi reeleito pela primeira vez, em 2019, seu discurso foi o de atacar a desigualdade no futebol de clubes, em que poucos concentram o talento e o dinheiro. Ele cria esse Mundialzão para distribuir mais dinheiro para o resto do mundo fora da Europa. A promessa é que a premiação vai ser muito boa para todos — adiciona Martín.
Em 2018, antes de a remodelação do torneio sofrer vários adiamentos por conta da pandemia (a China seria a primeira sede), documentos da Fifa apontavam um investimento de até 1 bilhão de dólares (R$ 5 bilhões) para uma edição viável e atraente para os europeus. Estes exigiram bom retorno financeiro e brigaram por mais vagas na competição ao longo dos anos de debate.
Mesmo antes da estreia do novo formato, há quem olhe para ele como uma oportunidade no jogo de influência dos grandes eventos. CEO da federação da Austrália, James Johnson prevê o sucesso do torneio e pensa em levá-lo para o país, sede da última Copa feminina.
— Somos um grande mercado para os europeus. Temos grandes clubes vindo para a Austrália em todos os verões europeus — afirmou Johnson em novembro.