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Essequibo se divide entre fervor patriótico e despreocupação sobre crise com regime de Maduro

Região empobrecida e cercada por selva viu interesse internacional se despertar sobre ela com descoberta de reservas de petróleo offshore

A cidade de Arau, no extremo oeste do Essequibo, perto da fronteira com a Venezuela - Roberto Cisneros/AFP

A pele bronzeada de Alvin Hilliman é dourada pelo sol. Ele tem cabelos com dreadlocks e um grosso relógio de ouro no pulso esquerdo. Hilliman passa horas no sol, na loja de um amigo que vende cerveja e licores. O fervor patriótico que foi gerado em Essequibo com a reivindicação da Venezuela sobre a região fronteiriça com a Guiana, rica em minerais e petróleo, não o tocou nem um pouco.

Ele não se impressiona com as bandeiras nem com as grandes placas no meio da estrada que dizem “Essequibo pertence à Guiana”. Aos 50 anos, diz ele, nenhum governo lhe deu nada, nem mesmo um pacote de arroz. Quando não está na loja do amigo, ele trabalha duro na construção civil, das oito da manhã às oito da noite, por um punhado de dólares que não o livra da miséria.

"Se eles lutarem e a Venezuela vencer, irei com a Venezuela. Se não, com o oposto. Esta terra é de negros e brancos, de todos. Eu não me importo com quem ganha. Não me importo com nenhum presidente, danem-se todos" reclama.

Atrás da esquina onde Hilliman fica sentado vendo a vida passar, fica a antiga delegacia de Charity, cidade com porto fluvial, ao norte do Essequibo, com apenas 1.500 habitantes. Ninguém parece ter pintado o edifício desde os tempos coloniais britânicos. Nas paredes estão pendurados retratos do presidente, do primeiro-ministro e do chefe da polícia do país. O oficial Ramnarine tem o uniforme perfeitamente passado, sapatos engraxados e o barbear com que um barbeiro sonha.

"Defenderei meu país se a Venezuela se atrever a nos invadir" diz Ramnarine com uma chave de fenda na mão, e não há razão para não levá-lo a sério.

O governo de Nicolás Maduro realizou, na semana passada, um referendo em que perguntou aos venezuelanos se queriam a anexação de Essequibo, uma região de 160 mil km² – quase duas vezes maior que Portugal ou cinco vezes a Bélgica. Mais de 95% votaram sim, como esperado. Maduro garante que isso lhe deu um mandato popular para ocupar essas terras. A ameaça venezuelana surge depois de um consórcio liderado pela ExxonMobil ter feito uma série de descobertas de petróleo offshore e o presidente da Guiana, Irfaan Ali, ter pressionado por mais exploração em áreas que a Venezuela reivindica como suas.

A Guiana viu, da noite para o dia, funcionários das grandes empresas petrolíferas chegarem a Georgetown, o que distorceu o mercado. A noite de hotel mais barato da capital custa US$ 200 (R$ 990), os táxis não fazem uma viagem por menos de US$ 30 (R$ 148,50) e o cardápio dos restaurantes não fica atrás em preço aos dos EUA. Caminhões carregados de areia lotam as pequenas estradas do país, porque agora há sempre alguma construção em algum lugar.

Uma tentativa de ocupação, porém, parece remota. Os Estados Unidos, o Brasil e a China concordaram que o status quo naquela fronteira deve continuar, a menos que os tribunais internacionais decidam o contrário. A Venezuela parece não se importar, e promulgou uma lei para converter Essequibo em um de seus estados e dar cidadania aos 125 mil habitantes daquela região, onde proliferam as minas ilegais de ouro e a exploração madeireira indiscriminada.

"Não quero ser venezuelano, nem louco" responde Adrian, um cabeleireiro de 30 anos da cidade de Charity. "Eu sou super guianense. Eu nunca saí daqui. Tenho um tio no bairro de Queens, em Nova York" continua ele.

Sita Singh, a vendedora de roupas a algumas lojas de distância, está com medo.

"Estou com medo. Eles querem vir e prejudicar este país. Quando você pensa sobre isso, é um absurdo. Não, não quero ser venezuelana. Forçosamente?' disse.

A maior parte da região de Essequibo é composta por uma selva impenetrável. Há passeios que oferecem ao turista se soltar no meio do nada com facão, bússola e cantil. Na planície, a vista se perde. Seus habitantes viajam em barcos que atravessam rios caudalosos e em estradas de mão única.

Nas laterais há barracas de conserto de calçados, casas de aspecto colonial, cemitérios abandonados, igrejas metodistas e anúncios da Exxon. As bandeiras da Guiana tremulam por toda parte, um sinal do novo fervor patriótico.

Músicas de Bollywood tocam no rádio do táxi. 44% da população vem da Índia, 30% da África e o restante está dividido entre chineses, indígenas e outras minorias. A língua oficial é o inglês – quase um dialeto, cheio de gírias – embora muitos falem hindi e urdu. Os partidos dos políticos de origem indiana e o dos afro-guianeses revezam-se no poder, um sinal de boa saúde democrática, embora isso não signifique que estejam salvos da corrupção.

Os mais afetados pela tensão entre os dois países são os venezuelanos que vivem na Guiana, uma novidade absoluta para um país cujos habitantes estão habituados a estar espalhados pelo mundo. Estima-se que existam cerca de 25 mil venezuelanos no país. Em setembro, a polícia prendeu 70 pessoas que desembarcaram em Tuschen, na fronteira com Essequibo, em barcos cheios de equipamentos e galos de briga. Os venezuelanos ganharam a reputação de exploradores, de pessoas que sabem fazer de tudo. Isso não tem sido suficiente para evitar o racismo, que é muito forte. Ferney vende frutas em Georgetown há um ano. Ele chegou do estado venezuelano de Carabobo.

"Se você me perguntar agora, eu digo que sou cubano" contou.

A anexação de Essequibo une a oposição e o governo na Venezuela, mas há quem pense que o chavismo recorreu mais uma vez a outro dos seus estratagemas para se manter no poder, onde está há mais de 20 anos. Maduro tem de realizar eleições presidenciais em 2024, tal como acordou com os Estados Unidos em troca da redução das sanções ao petróleo e ao ouro, fundamentais para a sobrevivência econômica de Caracas. No entanto, a oposição tem uma candidatura forte, María Corina Machado, que apresenta pontuação superior a Maduro em sondagens. Se a tensão com a Guiana aumentasse, Maduro poderia declarar agitação interna e adiar as eleições indefinidamente.

Em Charity, a vida acontece em torno do pequeno porto, onde chegam barcos cheios de mercadorias exóticas e passageiros. Michael Persiud, de 53 anos, trabalhou na Holanda há 20 anos. Ele se lembra de ter que explicar a todos onde diabos ficava a Guiana. Um dia ele se cansou e decidiu ir à barraca de seu vendedor de peixes com um mapa no bolso. Quando um cliente o questionava, ele o tirava e apontava o dedo para este país latino-americano banhado pelo Atlântico, que faz fronteira com a Venezuela, o Brasil e o Suriname.

"E agora que descobrimos o petróleo, estamos na moda, todos querem se envolver aqui" reclama Persiud, que de repente compreendeu as vantagens de permanecer anônimo.

Existem enormes campos de arroz nos arredores. Hugo Chávez, mentor de Maduro, deixou de lado a controvérsia territorial e criou um programa de troca de produtos petrolíferos venezuelanos por arroz guianense. Isso causou um boom econômico em Charity, onde os habitantes passaram a poder pagar algum luxo ou outro. No entanto, Chávez faleceu e a aliança evaporou durante o governo Maduro, quando a produção de petróleo da Venezuela entrou em colapso. A cidade voltou à escassez, a bonança tinha sido uma miragem.

"Poderíamos ser irmãos e beneficiar os dois países, mas a disputa está a matar-nos. Ninguém quis investir muito aqui porque sente que a qualquer momento as coisas podem mudar. Deveríamos esquecer isso e buscar o que é melhor para nós dois" reflete Ron, taxista de 51 anos que se esquiva de cabras, tratores e cães de rua que atacam como loucos as rodas de seu carro de fabricação japonesa. Herança dos britânicos, os guianenses, que conquistaram a independência em 1966, dirigem pela direita.