MACEIÓ

Governo de Alagoas prepara ação no STF para retirar da Braskem posse de imóveis em área de risco

Ação consta em carta de compromissos assinada por governador Paulo Dantas e prefeito de Maceió, João Henrique Caldas, em primeira medida conjunta desde colapso de mina

Bairros afetados pelo afundamento do solo em áreas próximas às minas da Braskem, em Maceió, tiveram que ser desocupados desde 2019 - Reprodução

Em carta divulgada nesta segunda-feira (11), dia seguinte ao rompimento da Mina 18 da Braskem, o governo de Alagoas preparou terreno para ingressar com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para desapropriar terrenos da empresa na área afetada pelo afundamento do solo.

O documento, assinado pelo governador Paulo Dantas (MDB) e por um representante do prefeito de Maceió, João Henrique Caldas (PL), estabeleceu, entre outros compromissos, que as autoridades locais vão acionar a Justiça "pleiteando a restituição dos bens", hoje formalmente sob posse da Braskem, em cinco bairros da capital alagoana que tiveram cerca de 57 mil pessoas realocadas desde 2019.

O Globo apurou com representantes da administração estadual que o governo de Alagoas prepara a apresentação de uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) no Supremo. O objetivo é pleitear a inconstitucionalidade de acordos assinados pela Braskem com o poder público, desde 2019, que transferiram à empresa os direitos sobre imóveis e terrenos desocupados, cujos moradores originais receberam indenizações de realocação.

A Braskem afirma já ter desembolsado R$ 3,8 bilhões em indenizações para a desocupação de 14,5 mil imóveis em cinco bairros -- Bebedouro, Bom Parto, Farol, Mutange e Pinheiro -- que estão classificados como áreas de risco, por conta do afundamento do solo detectado em 2018.

Em 2019, o primeiro acordo celebrado entre a Braskem e quatro órgãos de fiscalização -- Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público de Alagoas (MP-AL), Defensoria Pública da União (DPU) e Defensoria Pública de Alagoas (DPE-AL) -- previu que "pagamentos referentes aos terrenos e edificações pressupõem a transferência do direito sobre o bem à Braskem".

Já o acordo firmado entre a Braskem e a prefeitura de Maceió neste ano, prevendo R$ 1,7 bilhão em indenizações, previu o município "nada mais tendo a pleitear" após a reparação financeira, "nem mesmo a título de direito de regresso".

No acordo, a prefeitura também se comprometia a "atualizar o cadastro fiscal dos imóveis" que integram a área de risco "com base no Termo de Desocupação, documento subscrito pelos então possuidores das áreas desocupadas que atesta a transferência à Braskem da posse direta dos imóveis".

A gestão de Paulo Dantas vem usando essa previsão do acordo da prefeitura para fustigar a atuação de Caldas, ou JHC, como é conhecido o prefeito de Maceió. Dantas já acusou a Braskem de usar as indenizações, com transferência de posse à empresa, para fazer "especulação imobiliária".

Apesar das acusações do governo estadual, um outro acordo assinado pela Braskem com o MPF, em 2020, para estabelecer indenizações por danos socioambientais e urbanísticos, também estipulou que a empresa "compromete-se a não edificar, para fins comerciais ou habitacionais, nas áreas originalmente privadas e para ela transferidas em decorrência" do programa de realocação.

O acordo abre uma brecha: a edificação poderia ocorrer se "após a estabilização do fenômeno de subsidência, caso esta venha a ocorrer, isso venha a ser permitido pelo Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano da Cidade de Maceió — AL".

Representantes da prefeitura de Maceió avaliam que a transferência da posse dos imóveis à Braskem ocorreu para que a empresa pudesse empreender ações, inclusive de demolição, que buscam garantir a segurança da área afetada pelo afundamento. A legislação atual do município proíbe novas construções ou exploração comercial desta região. No entanto, para atender a pressões do governo estadual, a proibição foi incluída de forma explícita na carta de compromissos.

A carta assinada nesta segunda-feira estabelece, em outro ponto, que a prefeitura de Maceió se comprometa a "não permitir a comercialização dos imóveis contidos nas áreas afetadas".

A assinatura da carta foi a primeira ação conjunta adotada por Dantas e JHC desde o início do alerta de risco de colapso da Mina 18, no dia 29 de novembro. Desde então, governador e prefeito, que são adversários políticos em Alagoas, sequer haviam se falado diretamente.

No domingo, após a Defesa Civil de Maceió informar que houve um rompimento na parte superior da Mina 18 -- o que não necessariamente significa, por ora, o colapso da cavidade como um todo --, Dantas anunciou que havia marcado uma reunião com o prefeito, para esta segunda-feira.

O prefeito de Maceió acabou não comparecendo à reunião, sob a justificativa de que precisou viajar a Brasília, mas enviou um representante -- o secretário municipal de Assistência Social, Claydson Moura --, que assinou a carta de compromissos. A carta também foi assinada pelo governador e por prefeitos de outros 12 municípios que formam a região metropolitana de Maceió.

O segundo item da carta fala em "iniciar ação na Justiça pleiteando a restituição dos bens aos proprietários". É com base neste item que o governo de Alagoas pretende acionar o STF, alegando que a transferência dos direitos de imóveis e terrenos à Braskem é inconstitucional. O argumento das autoridades estaduais é que a verba paga pela empresa aos moradores tem natureza indenizatória, e não de transferência do direito sobre bens.

Antes da reunião, o governador Paulo Dantas pretendia solicitar a desapropriação da área "para se tornar um grande parque estadual". Não houve consenso, no entanto, em relação à destinação que seria dada aos bairros desocupados. Por isso, a eventual construção de um parque não entrou na carta de compromissos.

Outro item da carta de compromissos estabelece que prefeitura de Maceió e governo estadual se juntarão em uma ação judicial, aberta pela Defensoria Pública do estado, que busca obrigar a Braskem a incluir a totalidade do bairro Bom Parto e a região conhecida como Flexais no mapa de realocação obrigatória. Isto pode aumentar o gasto da empresa com indenizações.