LEVANTAMENTO

Concursos não cumprem cotas de 20% para negros, aponta nova pesquisa do Ministério da Gestão

Estudo mostra que, entre 2014 e 2019, apenas 15,4% dos aprovados em seleções para o serviço público federal eram cotistas

Lei de cotas raciais nas universidades foi implatada em 2012 - Arquivo / Agência Brasil

Pesquisa inédita do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI) divulgada nesta semana mostra que o número de ingressantes por meio do sistema de reserva de vagas nos concursos públicos que tiveram edital publicado entre 2014 e dezembro de 2019 ficou em 15,4%, abaixo dos 20% fixados por lei.

O estudo “Judicializações decorrentes da aplicação da Lei de Cotas nos concursos públicos e processos seletivos” traçou um levantamento com o objetivo de identificar quais são os entendimentos consolidados no Supremo Tribunal Federal (STF) em relação à aplicação da Lei de Cotas, diante de questionamentos à validade da legislação.

A pesquisa foi liderada por Layla Cesar, advogada e pós-doutoranda em sociologia pela Universidade de Brasília (UnB). Ao todo, 129 processos que faziam referência à Lei de Cotas foram analisados.

Dificuldade em cumprir a lei
Os dados indicam uma situação ainda mais grave quando analisado o cargo de professor do magistério superior, já que o percentual reservado para negros foi de 0,53%.

– Luís Mello e Ubiratan Resende são dois estudiosos que se propuseram a entender o tema no âmbito das universidades e levantaram 63 editais, feitos entre 2014 e 2018, e somaram o quantitativo geral de vagas oferecidas. Eles contabilizaram que foram ofertadas 18.132 vagas e só 964 (5,3%) foram ocupados por negros e 2,8% por cotistas PcD (pessoas com deficiência). Os outros 91,9% foram para ampla concorrência – acrescentou Layla.

Segundo os estudiosos, os números são incompatíveis com o que se esperava do desenvolvimento da Lei. As principais variáveis encontradas pelos pesquisadores para o mau desempenho estão relacionadas a inconsistências na interpretação do texto legal. Isso conduz a falhas na elaboração dos editais, provocando o fracionamento de vagas, erros no desenvolvimento dos processos seletivos com múltiplas fases e problemas na ordem de nomeação.

A estabilidade foi decisiva para a psicóloga Luciana Basílio, de 46 anos, trocar a clínica privada pelo atendimento ao público como servidora da Universidade Federal Fluminense (UFF), em Niterói. Mas o contraste entre sua transformação pessoal viabilizada pelo concurso e a presença reduzida de outros concursados negros a deixa desconfortável, sentindo-se muitas vezes invisibilizada:

— Nos atendimentos que presto, as pessoas demonstram surpresa quando me veem. Uso crachá durante toda a minha jornada de trabalho para não ser confundida.

Para que a democratização e o acesso de parcelas mais amplas da população a uma vaga no setor público de fato ocorra, a pesquisa buscou elementos jurídicos sólidos, com o intuito de evitar o excesso de judicialização na disputa por vagas envolvendo a Lei de Cotas.

Veja abaixo as recomendações normativas sugeridas pela pesquisa para sanar o excesso de judicialização:

Reserva de vagas para concursos das Forças Armadas; Reserva de vagas para cargos temporários militares; Serventias extrajudiciais; Efeitos da ordem classificatória sobre a carreira funcional; Vacância após a nomeação; Fracionamento de vagas; Capacitação e treinamento dos magistrados; Ampliação da lei de cotas para o mercado privado; Monitoramento e avaliação da política; Detalhamento de editais; Individualização dos pareceres; Consolidação no formato da lei; Concurso Nacional Unificado.

A pesquisa é uma das ações que constitui a jornada de organização do Concurso Nacional Unificado (CNU) e faz parte de um esforço que a SGP e a Diretoria de Provimento e Movimentação de Pessoal (DEPRO) vêm promovendo para democratizar o acesso aos cargos de servidores públicos.

De acordo com a secretária adjunta de Gestão de Pessoas do MGI, Regina Camargos, há um desafio de segurança jurídica sobre a Lei de Cotas desde a implementação, que suscita debates sobre comportamentos racistas, preconceituosos e discriminadores, em especial durante a realização de concursos públicos.

– Existe a ideia de que o setor público é mais permeável e mais aderente a certos princípios de direitos humanos. No entanto, ao fazer concursos em que a presença de elites e classes dominantes brancas é acentuada, há muito preconceito escondido embaixo de camadas de discursos aparentemente neutros e preocupados com normas – afirmou Regina Camargos.

Metodologia do estudo
A pesquisa nasceu do interesse do MGI em entender como se posiciona o Judiciário no julgamento de ações judiciais envolvendo as cotas para negros em concursos públicos.

O recorte de processos com circulação só no STF ocorreu porque nele estão concentrados o maior número de ações coletivas julgadas a partir de 18 de junho de 2017.

– Não vai existir uma lei perfeita, que não sofra nenhum tipo de contestação. Sempre haverá uma interpretação a ser disputada junto ao judiciário. O que queremos é buscar formas de diminuir a margem para divergência. Isso traz decisões mais uniformes e maior segurança jurídica, sem cada magistrado decidir algo diferente sobre a mesma norma – avaliou Layla Cesa