Negociações climáticas

Falta consenso sobre o que é consenso nas negociações climáticas

A Arábia, maior exportador de petróleo do mundo Saudita, lidera um pequeno grupo de países que se opõe

Negociadores mundiais sobre o clima passaram noites sem dormir reunidos em Dubai - Giuseppe Cacace/AFP

Os negociadores mundiais sobre o clima reunidos em Dubai passaram noites sem dormir tentando chegar a um consenso, mas na verdade ninguém sabe exatamente o que isso significa.

Durante as Conferências de Partes (COP), os acordos não são votados, mas negociados exaustivamente até que todo o mundo esteja de acordo.

Os Emirados Árabes Unidos descartaram a expressão “eliminar os combustíveis fósseis” do projeto de declaração da COP28 invocando essa necessidade.

A Arábia, maior exportador de petróleo do mundo Saudita, lidera um pequeno grupo de países que se opõe a esta fórmula, segundo diversas fontes.

"É uma questão de interpretação", explica Alden Meyer, observador veterano das negociações climáticas e membro do grupo de especialistas climáticos E3G.

Arábia e Kuwait se opuseram a um sistema de votação durante a criação, em 1992, da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas Sauditas (CMNUCC).

A Arábia Saudita bloqueou sistematicamente uma proposta de norma que permitiria decisões por maioria de dois terços se não houvesse consenso.

Na hora de adotar a agenda da COP, no início de cada conferência, é habitual desde 2011 que um grupo de países apresente um movimento para reavaliar o sistema de aprovação por consenso, sem êxito.

Na COP de 2012, o anfitrião, Catar, ignorou um pedido da Rússia de tomar a palavra para expressar certas preocupações relacionadas com o histórico Protocolo de Kioto.

No ano seguinte, em represália, Moscou se dedicou a atrasar os trabalhos da conferência, lembra Meyer.

Um funcionário da CMNUCC disse que qualquer objeção deveria ser “explícita”, levantando a mão e expressando-a para que não houvesse consenso.

Negligenciando a dissidência
A COP mais exitosa foi a de Paris, em 2015, na qual acordou-se que os países tentaram limitar o aquecimento a 1,5 ºC em relação aos níveis pré-industriais.

Mas o delegado da Nicarágua, Paul Oquist, inicialmente se negou a apoiar, o que levou a uma campanha extraordinária de pressão sobre o pequeno e único país que implementou, inclusive, a intervenção do papa Francisco.

Laurent Fabius, então ministro das Relações Exteriores da França e presidente da COP21, explicou posteriormente: "não me lembro mais se fui eu mesmo ou através do Papa, mas perguntamos se (este delegado) era realmente representado" da posição do governo da Nicarágua.

“A resposta foi não e isso nos deu mais liberdade”, disse Fabius.

As objeções dos governos de esquerda latino-americanos tiveram mais sucesso no resultado de uma das COP mais esperadas, na cúpula de 2009 em Copenhague.

Em uma cena que surpreendeu o plenário, já sem dormir, a representante venezuelana, a diplomata Claudia Salerno, extrai a mão e mostrou a palma ensaguentada, enquanto dizia que falava em nome dos países que tinham sido ignorados por um acordo negociado pelo presidente americano, Barack Obama, com outras potências, inclusive a China.

O primeiro-ministro da Dinamarca, Lars Lokke Rasmussen, estava disposto a se dar por vencido e declarar que a cúpula tinha sido um fracasso, até que os Estados Unidos e a Grã-Bretanha rapidamente pediram uma pausa e Rasmussen voltou a declarar que a assembleia " tomava nota" deste acordo entre as partes, ao invés de aprová-lo ou rejeitá-lo.

Em outro âmbito de negociações, como as conversas sobre biodiversidade do ano passado em Montreal, foi possível alcançar um importante acordo sobre a proteção das espécies quando o presidente chinês da reunião ignorou as objeções da República Democrática do Congo, que proporcionaram maior assistência aos países ricos.

Resta ver se o presidente emiradense deixará do lado dos interesses da Arábia Saudita, o maior vizinho do seu país, e também produtor de petróleo, e de outros países como Kuwait, Iraque e Bahrein.

“Tudo se reduz às classificações da presidência”, assegura Meyer. “Em última instância, é mais uma questão política”.