Soldados de Israel usam cenário de guerra em Gaza como memes no TikTok
Vídeos de militares fazendo coreografias, simulando disparo de bombas e debochando da destruição em meios aos escombros viralizaram nas redes sociais; Exército condenou as gravações
Aos risos, soldados israelenses se filmam ateando fogo em um caminhão carregado de água e comida na Faixa de Gaza, onde mais da metade da população passa fome, segundo o Programa Mundial de Alimentos da ONU. Em outro vídeo, mulheres vestindo uniformes das Forças Armadas de Israel fingem soltar bombas com o áudio "2-3 sha-ger" ao fundo, código militar usado por controladores de drones que viralizou no TikTok após um vídeo postado pelo Exército israelense — e ganhou até uma versão em ritmo de música eletrônica. Na rede social, a destruição no território palestino virou cenário de memes e dancinhas, e o celular um tipo diferente de arma.
Apesar da popularidade nas redes, os vídeos podem significar mais uma dor de cabeça ao governo israelense do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, que tenta se defender das acusações de crime de guerra de parte da comunidade internacional. Questionadas sobre os vídeos pela rede CNN, as Forças de Defesa de Israel não negaram sua veracidade e condenaram o comportamento dos soldados, afirmando que serão punidos.
“As forças de Israel tomaram medidas e continuarão a agir para identificar a má conduta e comportamento que não se alinham com a moral e os valores esperados dos soldados”, afirmou em comunicado enviado à rede de TV americana.
Mas os vídeos, aparentemente publicados por soldados de dentro do território palestino, são um sintoma de um apoio nacional cada vez maior à ofensiva militar, que já deixou mais de 18 mil mortos em Gaza, segundo o Ministério da Saúde controlado pelo Hamas. Do lado israelense, cerca de 1.200 pessoas morreram e 240 foram sequestradas no ataque terrorista do dia 7 de outubro.
Muitos deles usam o hit israelense "Harbu Darbu", da dupla Ness e Stilla, que alcançou o topo das paradas do país. A música foi criticada inclusive por veículos israelenses por supostamente incentivar o genocídio ao dizer que as pessoas em Gaza devem esperar por uma chuva de bombas e pedir a morte de celebridades como Bella Hadid, Dua Lipa e Mia Khalifa, que expressaram solidariedade ao povo palestino. Em um dos versos, os músicas perguntam "quem você pensa que é para vir aqui gritar 'Palestina Livre'"? e enfatizam que "todo cachorro recebe o que merece no final". Um mês após seu lançamento, em 14 de novembro, a canção está em segundo lugar no ranking das mais ouvidas do Spotify israelense.
Um pesquisa da Universidade de Tel Aviv no final de outubro, quando teve início a incursão terrestre israelense em Gaza após três semanas de bombardeios, aponta que 57% dos judeus do país, que correspondem a 80% da população, acham que a resposta militar das forças de Israel estava aquém do esperado. Cerca de 36% disseram que era apropriada, enquanto menos de 2% afirmaram considerá-la excessiva.
Em um levantamento deste mês do Israel Democracy Institute, 87% dos entrevistados disseram apoiar o retorno da ofensiva em Gaza após os sete dias de cessar-fogo no fim de novembro, no qual 110 reféns mantidos pelo Hamas foram libertados em troca de 240 prisioneiros palestinos.
Vídeos de mulheres que servem ao Exército de Israel fazendo coreografias no TikTok podem ser encontrados com uma simples busca na rede social. Gravações de dentro de blindados também são populares na rede. Em uma que viralizou recentemente, um soldado, aparentemente em Gaza, comenta: "parei de contar quantos carros já destruí".
A morte de palestinos, sem diferenciar civis de terroristas, e a ocupação do enclave são um dos temas que também aparecem nos conteúdos gravados por soldados de Israel. Em um deles, publicado pelo jornalista israelense Yinon Magal no X, antigo Twitter, e que também viralizou no TikTok, uma tropa aparece comemorando enquanto canta uma música sobre "conquistar Gaza" e "derrotar o Hezbollah". Em um dos trechos, a canção diz: "nós sabemos nosso slogan, não existe civis que não estão envolvidos", em referência ao Hamas. As imagens foram verificadas pela agência Associated Press.
Embora o presidente dos EUA, Joe Biden, tenha afirmado que ocupar Gaza seria um "grande erro", e o próprio Netanyahu tenha descartado a possibilidade em discursos recentes afirmando que ela "não é realista", a ideia vem ganhando popularidade. Mensagens a favor da retomada de Gush Katif, um assentamento israelense que havia em Gaza até 2005, tem sido compartilhadas nas redes sociais, e 22% da população disse apoiar a ideia numa pesquisa recente.
Em um vídeo, um soldado envia uma mensagem a Netanyahu: “Escute, Bibi: encontramos [os moradores de Gaza], os expulsamos e nos instalamos”. Em outro, soldados cantam “voltaremos” ao som de um violão. Em um terceiro, um militar aparece servindo café em vários copos em meio aos escombros, afirmando estar em casa.
Lideranças do Hamas manifestaram repúdio aos vídeos, e Osama Hamdan, um dos seus principais oficiais, chegou a apresentar um deles numa coletiva de imprensa em Beirute, no Líbano. No entanto, durante o ataque terrorista de 7 de outubro, uma das estratégias do grupo foi gravar a operação e divulgar nas redes sociais, incluindo imagens explícitas dos corpos das vítimas. (Com agências internacionais).