MÚSICA

Anitta volta ao Top 50 Global após parceria com Peso Pluma; saiba quem é o fenômeno mexicano

Rapper de 24 anos está entre os artistas mais ouvidos no planeta em 2023, com letras controversas que narram histórias do narcotráfico

Peso Pluma e Anitta, em cena do clipe 'BELLAKEO' - Reprodução / YouTube

A cantora Anitta voltou a ocupar a lista das 50 músicas mais ouvidas no mundo, nesta terça-feira (19), com a recém-lançada "BELLAKEO", em parceria com o mexicano Peso Pluma. Pouco mais de uma semana após ser disponibilizada nos tocadores de áudio, a canção — que consagra a primeira colaboração entre a brasileira e o astro mexicano — atingiu o 46º lugar no ranking Top 50 Global da plataforma Spotify. Mas, afinal, quem é Peso Pluma?

Novo fenômeno mexicano do pop, Peso Pluma apareceu no topo das músicas mais reproduzidas no mundo, por meio de plataforma de áudio, ao longo de todo 2023 A título de exemplo, em maio deste ano, seis das 50 canções mais ouvidas no planeta eram interpretadas pelo jovem rapper de 24 anos.

Nova roupagem à música mexicana tradicional
Um jovem vestido de preto usando balaclava — gorro que deixa só os olhos à mostra — à noite, em um cenário de confrontos entre cartéis de drogas que continuam causando estragos em muitas cidades mexicanas, seria aterrorizante, mas foi assim que, em um sábado recente, Peso Pluma apareceu vestido no palco e foi recebido com gritos — só que de entusiasmo: era a hora do show do chamado corridos tumbados (ou "traps corridos").

A estrela revelação que deu uma nova roupagem à música tradicional mexicana, estava vestindo Fendi, em uma versão glamorosa de um uniforme de sicário (ou matador de aluguel). Diante de um estádio cheio de fãs, ele gritou:

— Estão prontos para testemunhar o show mais bélico da vida de vocês?

 

A multidão respondeu rugindo: estava pronta. Mais tarde, durante "El Gavilán", o público cantou em coro: "Sou do povo do Chapo Guzmán", referência a um dos traficantes de drogas mais conhecidos do México.

Interpretando uma combinação de cantos e raps familiares aos seguidores de hip-hop e reggaeton, com instrumentação e melodias comuns à música tradicional mexicana, e com letras inspiradas nos narcocorridos — canções que narram histórias do narcotráfico —, Peso Pluma e artistas como Natanael Cano, Grupo Firme, Eslabón Armado e Banda MS estão na vanguarda de um movimento musical que este ano encontrou um público cada vez maior nos Estados Unidos e em outros países.

Mas, mesmo enquanto Peso Pluma alcança milhões de reproduções e o Grupo Firme faz turnês em estádios nos Estados Unidos, frequentemente esses artistas são alvo de debate no México, onde a guerra contra o tráfico de drogas não é uma fantasia dramática, mas a realidade sangrenta do dia a dia.

Letras com polêmicas
Camilo Lara, de 48 anos, produtor musical, compositor e ex-produtor discográfico e que tem numerosos créditos em filmes, mencionou como esses artistas abordam “a relação com a violência, com as ruas, com a política, com o que está acontecendo na moda”, e acrescentou:

— Eles estão tocando em aspectos muito sensíveis da nossa cultura. Para mim, é o momento mais emocionante da música mexicana dos últimos 20 ou 30 anos.

O show de Peso Pluma no Foro Sol, espaço com capacidade para mais de 60 mil pessoas, foi o último em seu país natal, depois de vários cancelamentos por questões de segurança. Dias antes, as autoridades de Tijuana tinham proibido os corridos tumbados em todos os espaços públicos, com multas de até US$ 70 mil. Só que, apesar de os sons e os rostos serem novos, esses artistas são herdeiros de uma tradição musical que tem gerado controvérsia há muito tempo.

Em 1987, o governador de Sinaloa solicitou às mídias locais que parassem de reproduzir músicas que se referissem ao narcotráfico. Em 2002, as estações de rádio do estado fronteiriço de Baja California concordaram em não incluir em seu repertório músicas que exaltassem os traficantes, e pediram o mesmo às rádios dos EUA. Em 2010, alguns legisladores conservadores mexicanos apresentaram um projeto de lei para prender os artistas que enaltecessem criminosos.

“A decisão de proibir esses corridos tumbados é para proteger a saúde mental das crianças de Tijuana”, declarou no mês passado a prefeita da cidade, Montserrat Caballero Ramírez, por intermédio de um porta-voz. Em maio, Cancún proibiu shows públicos “que promovam a violência”, argumentando que tais eventos contradizem a busca pela paz e segurança; pouco tempo depois, o Grupo Firme cancelou um show na cidade. Passados dois meses, o município de Chihuahua votou por unanimidade para multar shows públicos que incentivem a violência. As autoridades afirmam que não se trata de censura:

— Podem cantar o que quiserem, mas não vamos ficar calados quando dizem que o ecstasy é bom, que têm uma arma calibre .50 e que seus ídolos são os narcotraficantes mais famosos — afirmou Andrés Manuel López Obrador, presidente do México.

Um mês depois, talvez em um reconhecimento implícito da sua influência, o governo lançou o próprio tipo de corrido tumbado: uma canção que alertava sobre os perigos do fentanil.

Os artistas frisaram que suas letras não são dirigidas às crianças. “Sei que às vezes não é bom que elas vejam ou ouçam isso, mas essa é a realidade”, disse Peso Pluma em uma entrevista. A realidade também é que esse tipo de música, antes muito enraizado localmente e associado a uma geração mais velha, está chamando a atenção global por sua capacidade de obter público e prestígio. As músicas não são só uma constante nas rádios de Los Angeles, mas também atraem espectadores para shows em Lima, no Peru, e em Madri, na Espanha, além de contar com celebridades como fãs, a exemplo de Mike Tyson e a banda Maneskin. (No Brasil, Peso Pluna já fez parceria com Anitta, por exemplo.)

— Já ouvi essas músicas em um casamento e, quando chegam a esse tipo de playlists de DJs, é porque já alcançaram outro patamar — observou Javier Nuño, sócio da Indice, empresa que licenciou músicas de Peso Pluma e Cano para a HBO.

Símbolos do narcotráfico
O entusiasmo e a controvérsia em torno do conteúdo das letras dos corridos tumbados no México refletem, em muitos aspectos, décadas de debate nos Estados Unidos sobre as implicações na vida real das letras de rap. Desde N.W.A. até Jay-Z e Rick Ross, muitos dos artistas de hip-hop mais populares recorreram aos simbolismos dos líderes do narcotráfico para retratar o glamour e a brutalidade. Desde o gangster rap das décadas de 1980 e 1990 até os subgêneros do hip-hop do século XXI, como o trap e o drill, as letras que documentam — e, segundo alguns, glorificam — o tráfico de drogas e a violência e o lucro que o acompanham continuaram sendo um campo de batalha cultural e político. Atualmente, em Atlanta, a música do rapper Young Thug está sendo usada nos tribunais como prova de sua associação com uma gangue criminosa.