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Decretaço de Milei provoca noite de panelaços na Argentina

Medidas adotadas por decreto pelo chefe de Estado deverão ser enviadas ao Congresso para sua aprovação ou rechaço; analistas esperam enxurrada de recursos judiciais que poderiam terminar na Corte

Argentinos realizaram panelaço contra o decreto de Javier Milei - Luis Robayo/AFP

O megadecreto de reformas estruturais aprovado na noite dessa quarta-feira (20) pelo presidente da Argentina, Javier Milei, provocou forte reação social em Buenos Aires e outras cidades do país, onde ocorreram panelaços espontâneos da população em repúdio a várias das medidas incluídas no documento. Num chamado Decreto de Necessidade de Urgência, o chefe de Estado ordenou a revogação de mais de 300 leis e normativas sobre diversos temas, entre eles os que regem o mercado de trabalho, planos de saúde, posse de terras por parte de estrangeiros, aluguéis, direito a fazer greve, privatização de empresas estatais e programas de promoção e proteção da indústria nacional.

O decretaço de Milei foi publicado nesta quinta no Boletim Oficial (o Diário Oficial argentino), e as medidas entrarão em vigência no prazo previsto, de oito dias. Decretos de Necessidade e Urgência são um direito dos presidentes argentinos em determinadas circunstâncias, mas devem ser enviados posteriormente ao Parlamento. O texto será avaliado por uma comissão parlamentar, que deverá divulgar seu posicionamento, a favor ou contra o decreto. Se a posição da comissão for contrária, a decisão final será tomada pela Câmara e o Senado, separadamente. Para que o decreto seja derrubado, ambas as casas devem votar contra, e não existe prazo para que isso aconteça.

Portanto, as medidas anunciadas em cadeia nacional pelo chefe de Estado entrarão em vigor e devem provocar, afirma o analista político Ignácio Labaqui, uma enxurrada de recursos judiciais que buscarão frear o que muitos argentinos consideram um atropelo de Milei ao Parlamento, onde seu partido, A Liberdade Avança, é a terceira minoria.

"Vamos ver uma enorme quantidade de denúncias por suposta inconstitucionalidade do decreto de Milei, e o caso provavelmente terminará na Corte Suprema de Justiça" explica Labaqui, consultor e professor da Universidade Católica Argentina (UCA).

Os recursos judiciais serão contra cada medida em particular, e não contra todo o decreto. No texto publicado nesta quinta no Diário Oficial argentino, o governo afirma que "a República Argentina atravessa uma situação de gravidade sem precedentes, gerando desequilíbrios profundos que impactam negativamente toda a população, especialmente social e economicamente. A gravidade da crise põe em risco a própria sobrevivência da organização social, jurídica e política constituída, afectando o seu normal desenvolvimento na prossecução do bem comum”.

Com este argumento, o decretaço de Milei tenta justificar a necessidade de derrubar dezenas de leis, afetando amplos setores da sociedade e da economia nacional. Alguns sindicatos já reagiram, entre eles a Associação de Trabalhadores do Estado (ATE), que anunciou uma marcha para esta sexta.

A cena de Milei rodeado por seus ministros e anunciado o megadecreto lembrou um anúncio similar, feito pelo ex-presidente peronista de direita Carlos Menem (1989-1999), já falecido, considerado o melhor chefe de Estado da História pelo atual presidente. Os governos de Menem ficaram marcados, entre outras iniciativas, pela privatização de mais de cem empresas estatais e abertura da economia. Com um plano de estabilização que demorou quase dois anos em dar certo, Menem atrelou o valor do peso ao dólar, e conteve a inflação. Mas amplos setores da economia ficaram arruinados.

Ainda não está claro que partidos apoiarão o presidente no Congresso, e que partidos tentarão derrubar o decretaço. A Coalizão Cívica, que até pouco tempo atrás integrava a aliança Juntos pela Mudança, liderada, entre outros, pelo ex-presidente Mauricio Macri e a ministra da Segurança, Patricia Bullrich, já avisou que vai analisar cuidadosamente o decreto e apontar eventuais inconstitucionalidades.

Nas ruas de Buenos Aires, o clima é de tensão e medo. Os panelaços da noite desta quinta podem se repetir, sobretudo em bairros de classe média portenhos, e por parte, inclusive, de eleitores que optaram por Milei na disputa pela Presidência.