ARGENTINA

Milei abre mercado argentino a aéreas estrangeiras: vai ficar mais barato para o brasileiro?

Megadecreto autoriza transferência de ações da empresa a seus funcionários, abrindo caminho para uma futura privatização. Com política de céus abertos, Latam, Gol e Azul poderão operar rotas argentinas

Aeroporto Internacional de Ezeiza, em Buenos Aires - Divulgação

Uma das medidas do “megadecreto”, com medidas para a desregulação de vários setores da economia, do presidente da Argentina, Javier Milei, permite que empregados da Aerolíneas Argentinas, hoje estatal, tornem-se donos da empresa, abrindo caminho para sua venda futura à iniciativa privada.

Em paralelo, o presidente instituiu uma política de céus abertos, que libera empresas estrangeiras para operarem voos domésticos. Na prática, isso significa que se companhias como Gol, Latam e Azul quiserem operar rotas domésticas no país vizinho, como Buenos Aires-Bariloche, poderão fazer.

Hoje, o mercado de aviação argentino é similar ao brasileiro, em que apenas empresas nacionais operam voos dentro do país. As internacionais apenas fazem voos de outros países até a Argentina, mesmo quando há conexão, ela é operada por uma empresa local. A proposta de Milei busca incrementar a competição e baixar preços em um cenário de inflação galopante, que chegou a 160% no acumulado em 12 meses até novembro.

Para especialistas, se a proposta seguir adiante tal como foi apresentada, os preços dos bilhetes devem mesmo cair com o aumento da concorrência e isso pode até beneficiar turistas brasileiros interessados em viajar pela Argentina. Buenos Aires pode se tornar um novo hub (centro de distribuição de voos). Eles ponderam, no entanto, que existe uma série de desafios financeiros, regulatórios e de gestão.

O mercado de aviação da Argentina envolve cerca de 40 destinos domésticos e dezenas de aeroportos.

— Permitir a entrada de empresas estrangeiras favorece a competitividade no setor, aumentando o número de opções disponíveis aos passageiros — avalia Felipe Bonsenso, especialista em Direito Aeronáutico e transportes.

Ele continua:

— Os preços podem cair, considerando as reformas estruturais que Milei pretende implementar e o aumento da competitividade no setor. Não somente na Argentina, mas em toda a região, especialmente se Buenos Aires passar a figurar como um centro de distribuição de voos, assim como ocorre com Santiago (Chile) e Bogotá (Colômbia). Caso isso ocorra, passageiros do Cone Sul terão mais opções de voos em rotas que envolvam a Argentina, por exemplo Porto Alegre – Buenos Aires – Miami.

 

Para Alessandro Oliveira, especialista em aviação, a dúvida é se haverá demanda em mercados menos atraentes que Buenos Aires:

— É um choque de competitividade e pode ser que os preços caiam sim, com uma concorrência bem aguerrida. E claro que a empresa dominante vai fazer de tudo para ocupar os melhores horários nos aeroportos. Mas o governo precisa investir em um marco regulatório firme para permitir concorrência e dar mecanismos para controlar abusos.

Carlos Mourão, sócio fundador da Nascimento e Mourão Advogados e ex-procurador do município de São Paulo, por outro lado, acredita que os preços das passagens só devem cair se houver competitividade e eficiência.

— O monopólio de trechos rentáveis não acarretará queda de preços. A formulação do modelo de privatização deve prever a obrigatoriedade de se manter linhas menos lucrativas. Quem adquirir terá que subsidiar os trechos que dão prejuízo.

A Latam opera atualmente entre Brasil e Argentina as rotas Guarulhos-Ezeiza (um voo diário), Guarulhos-Aeroparque (25 voos semanais), Galeão-Aeroparque (5 voos semanais) e Guarulhos-Mendoza (3 voos semanais). A Azul não opera voos para o país vizinho. A Gol voa para o país, mas não retornou contato.

Os especialistas avaliam ainda como positivo a iniciativa proposta pelo novo governo da Argentina para que os funcionários da Aerolíneas Argentinas se tornem sócios da empresa. Para Danielle Franco, líder da área de Direito Administrativo no GVM Advogados, o modelo pode reduzir eventual resistência de sindicatos à privatização:

— É uma forma de, por um lado, compensar o servidor por se tornar profissional privado e, de outro, aumentar engajamento na busca de resultados lucrativos.

Segundo Felipe Bonsenso, o modelo pode funcionar. Porém, ele lista uma série de desafios:

— Ainda não está definida qual será a estratégia adotada na Argentina, se será a transferência parcial ou total de ações aos funcionários. Para um modelo ser bem-sucedido deve haver engajamento dos funcionários e compromisso com a estabilidade e manutenção da atividade empresarial. Um dos grandes desafios é a mudança de cultura e choque de gestão, considerando que os funcionários passam a ser mais expostos aos resultados da companhia, ao mesmo tempo em que detém parcela maior do controle e das decisões relevantes da empresa.

Fernando Carvalho, sócio da área de privatizações da TozziniFreire Advogados, explica que o modelo, em geral oferece aos funcionários participação no lucro da empresa e possibilidade de ganho em caso de valorização das ações:

— Esses elementos podem contribuir com o aumento da motivação e do engajamento no trabalho, bem como o foco no longo prazo.