Guerra na Faixa de Gaza deixou israelenses "traumatizados" e uniu a população
Após ataque do Hamas em 7 de outubro, pesquisas indicam mudanças das percepções sociais em assuntos considerados importantes
O ataque de 7 de outubro a Israel provocou uma busca interior na esquerda israelense, minando a fé em um futuro compartilhado com os palestinos. Criou uma crise de confiança na direita israelense, minando o apoio ao primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. Atraiu judeus ultraortodoxos, muitas vezes ambivalentes quanto à sua relação com o Estado israelense, para mais perto da corrente dominante.
Atravessando divisões religiosas e políticas, os israelenses estão lidando com o que o ataque liderado pelo Hamas significou para Israel como Estado, para os israelenses como sociedade e para seus cidadãos como indivíduos. Assim como as falhas de Israel na guerra árabe-israelense de 1973 acabaram por remodelar sua vida política e cultural, a invasão de 7 de outubro e suas repercussões devem reformular o país.
O ataque, que matou cerca de 1,2 mil pessoas, abalou a sensação de segurança dos israelenses e a confiança nos líderes de Israel. Esmagou a ideia de que o bloqueio da Faixa de Gaza e a ocupação da Cisjordânia poderiam continuar indefinidamente sem consequências significativas para os israelenses. E para a maioria judaica de Israel, quebrou a promessa central do país.
Quando Israel foi fundado em 1948, o objetivo principal era oferecer um refúgio para os judeus, após 2 mil anos de estado de apatridia e perseguição. Em 7 de outubro, esse mesmo estado se mostrou incapaz de evitar o pior dia de violência contra judeus desde o Holocausto.
"Naquele momento, nossa identidade israelense parecia esmagada. Parecia que 75 anos de soberania tinham, num piscar de olhos, desaparecido" disse Dorit Rabinyan, uma romancista israelense. "Nós costumávamos ser israelenses" acrescentou. "Agora somos judeus".
Sociedade unificada
Por enquanto, o ataque também unificou a sociedade israelense a um nível que parecia inconcebível em 6 de outubro, quando os israelenses estavam profundamente divididos pelos esforços de Netanyahu para reduzir o poder dos tribunais; por uma disputa sobre o papel da religião na vida pública; e pelo futuro político de Netanyahu.
Ao longo deste ano, líderes de Israel haviam alertado sobre uma guerra civil. No entanto, em 7 de outubro, israelenses de todos os espectros encontraram uma causa comum naquilo que viam como uma luta existencial pelo futuro do país. Desde então, foram coletivamente feridos pelas críticas internacionais à retaliação em Gaza.
E em partes da comunidade ultraortodoxa, cuja relutância em servir no Exército havia sido uma fonte de divisão antes da guerra, houve sinais de uma maior apreciação — e, em alguns casos, envolvimento — nas forças armadas. Dados recentes de pesquisa pintam um quadro de uma sociedade em profunda transformação desde o ataque do Hamas.
Cerca de 30% do público ultraortodoxo agora apoia a ideia de serviço militar, vinte pontos percentuais a mais do que antes da guerra, de acordo com uma pesquisa de dezembro pelo Instituto Haredi para Assuntos Públicos, um grupo de pesquisa sediado em Jerusalém. Um terço dos eleitores do partido de direita de Netanyahu, Likud, o abandonaram desde 7 de outubro.
Surpreendentemente, 70% dos árabes israelenses agora dizem que se sentem parte do Estado de Israel, de acordo com uma pesquisa de novembro do Instituto de Democracia de Israel, um grupo de pesquisa de Jerusalém. Isso é 22 pontos percentuais a mais do que em junho, e a maior proporção desde que o grupo começou a pesquisar sobre a questão há duas décadas.
"Algo fundamental mudou aqui, e ainda não sabemos o que é" disse Yossi Klein Halevi, autor e pesquisador do Instituto Shalom Hartman, um grupo de pesquisa em Jerusalém. "O que sabemos é que este é meio que uma última chance para este país".
Mudanças em Israel
Aryeh Tsaiger, um motorista de ônibus de Jerusalém, personifica algumas dessas mudanças. Em 2000, ele tornou-se uma minoria ínfima de israelenses ultraortodoxos a servir como recruta militar. Na época, ele se sentia excluído pela comunidade, que classificava a ação dele como “inaceitável”.
Judeus ultraortodoxos, conhecidos como Haredim, são isentos do serviço para que possam estudar a lei e a escritura judaica em seminários subsidiados pelo governo. Por décadas, lutaram para preservar a isenção, irritando os israelenses seculares, já que permite que se beneficiem do dinheiro público enquanto fazem pouco para proteger a nação.
Após 7 de outubro, quando se apressou para se juntar novamente ao exército, Tsaiger disse que se sentiu bem-vindo pelos Haredim. Amigos o parabenizaram, um rabino Haredi lhe deu uma bênção especial e várias sinagogas Haredi lhe pediram para comparecer às orações de sábado com sua arma. Temendo mais ataques terroristas, as congregações queriam sua proteção.
A experiência dele reflete uma mudança pequena, mas significativa, entre partes da sociedade Haredi. Tsaiger estava entre os mais de 2 mil Haredim que buscaram ingressar no exército nas 10 semanas desde 7 de outubro, de acordo com estatísticas militares. Esse número é inferior a 1% dos 360 mil reservistas convocados desde 7 de outubro, mas é quase duas vezes maior que a média, disse o exército em comunicado.
Neri Horowitz, especialista em Haredim, disse que a mudança era pequena demais para ser significativa, e o aumento na solidariedade social diminuiria rapidamente. Um influente rabino Haredi foi filmado comparando soldados a coletores de lixo, e outro vídeo mostrava estudantes de um seminário Haredi expulsando um soldado de sua instituição, irritados com suas tentativas de recrutamento.
População árabe
Para a minoria árabe de Israel, essas dinâmicas em evolução os deixaram em uma posição desconcertante e contraditória. Cerca de um quinto dos mais de 9 milhões de residentes de Israel são árabes. Muitos deles se identificam como palestinos, apesar de possuírem cidadania israelense, e muitos sentem solidariedade com os mortos de Gaza — sentimento que se fortaleceu à medida que o número de mortos subiu para 20 mil.
Vários líderes árabes israelenses foram detidos em novembro após tentarem organizar um protesto antiguerra não autorizado. Outros foram investigados pela polícia por publicações nas redes sociais consideradas favoráveis ao Hamas. Mas alguns árabes israelenses também sentem uma emoção conflitante: um maior senso de pertencimento em Israel. Dezenas foram mortos ou sequestrados em 7 de outubro, o que deu às suas comunidades maior solidariedade com os judeus.
"Se me fossem dadas duas opções, Casa ou Israel, escolheria Israel sem pensar duas vezes" disse Bashir Ziyadna, estudante de direito árabe-israelense. Vários membros de sua família foram mortos e sequestrados no ataque.
"Discurso tóxico"
Os israelenses se uniram, acreditando na campanha militar liderada por Netanyahu. Mas não se uniram em torno do primeiro-ministro. Parte da frustração da direita com ele está enraizada em como seus governos alimentaram um senso de complacência sobre Gaza. Autoridades frequentemente e erroneamente falavam sobre como o Hamas estava dissuadido, e que as maiores ameaças imediatas de Israel estavam no Irã e no Líbano.
A raiva também vem do fato de que Netanyahu presidiu a ampliação de divisões profundas na sociedade israelense e de um discurso público tóxico. Em um momento de tamanha turbulência, alguns israelenses de direita desejam um discurso público mais ponderado, disse Netanel Elyashiv, um rabino e editor que vive em um assentamento na Cisjordânia.
Independentemente do destino pessoal de Netanyahu, sua abordagem em relação aos palestinos — incluindo a oposição a um estado palestino e o apoio aos assentamentos na Cisjordânia — continua popular. Mais da metade dos israelenses judeus se opõe à retomada das negociações para criar um estado palestino, de acordo com uma pesquisa realizada no final de novembro pelo Instituto de Democracia de Israel.
Os colonos judeus na Cisjordânia também sentem que venceram de forma conclusiva o argumento sobre a manutenção da presença de Israel no território palestino. De acordo com Elyashiv, o ataque de 7 de outubro não teria ocorrido se soldados israelenses e colonos tivessem permanecido em Gaza. Alguns israelenses ainda dizem que o conflito poderia ser resolvido pela criação de um estado palestino funcional em Gaza e na Cisjordânia, embora outros não consigam mais se solidarizar com a população do enclave.