Escarlatina: casos aumentam em 2023; entenda a doença que afeta crianças
Febre alta e bolinhas vermelhas ásperas são os principais sintomas do problema, que precisa ser avaliado por um médico e tratado com antibióticos
A escarlatina vem ganhando a atenção de mães e pais de todo o país. Nas redes sociais é possível encontrar facilmente vídeos em que os responsáveis contam o diagnóstico de seus filhos e médicos dão informações sobre a doença. Algumas publicações já ultrapassaram 2,5 milhões de visualizações.
E a preocupação com o tema tem fundamento. Os casos e surtos de escarlatina aumentaram em pelo menos três capitais e três estados brasileiros em 2023. Por não ser uma doença de notificação compulsória, os municípios não são obrigados a repassar dados de diagnósticos positivos, o que dificulta o levantamento de casos e a comparação de um ano para o outro. Mas pediatras observam um crescimento de casos em seus consultórios.
Belo Horizonte é a capital com mais casos de escarlatina este ano: foram registrados 872 atendimentos na rede do Sistema Único de Saúde do município até dia 16 de novembro, segundo dados da prefeitura. Em todo 2022, foram 325 atendimentos, um aumento de 168% antes mesmo do ano terminar.
No Rio de Janeiro (capital), até o momento, foram notificados nove surtos, envolvendo 39 casos e sem registro de mortes, de acordo com dados da Secretaria municipal de Saúde. No ano de 2022, ao todo, um surto foi notificado, envolvendo dez casos.
Neste ano, até novembro, foram registrados 21 surtos em São Paulo (capital), envolvendo um total de 103 pessoas, segundo a Secretaria municipal de Saúde. Em 2022, de janeiro a novembro, foram registrados cinco surtos, envolvendo 13 pessoas. Em todo o estado de São Paulo, 31 surtos de escarlatina foram notificados este ano, sem nenhum óbito. No ano passado quatro surtos da doença foram registrados, também sem óbitos, informou a Secretaria estadual de Saúde.
No Espírito Santo, três casos de escarlatina foram notificados este ano, entre os meses de outubro e novembro. O estado não contabilizou nenhum caso da doença no ano passado, informou a Vigilância em Saúde do Estado. Já o Maranhão registrou quatro casos, contra três em 2022.
O Ministério da Saúde não tem números da doença. Outros estados e capitais procurados pelo Globo alegaram não ter registrado casos este ano e no ano passado, ou não ter informações.
Bolinhas vermelhas
A escarlatina é uma doença infectocontagiosa causada por cepas de estreptococos do grupo A, como o Streptococcus pyogenes. Ela tem sintomas bem característicos: dor de garganta com pus; febre alta; erupção de pequenas bolinhas vermelhas ásperas pelo corpo (que podem coçar ou arder) no tronco, rosto, pescoço, braços e pernas, normalmente poupando as palmas das mãos e as plantas dos pés; língua com aspecto de framboesa; vermelhidão nas dobras do joelho e cotovelo. Ela pode ser confirmada por meio de um teste rápido para estreptococos, que é feito com o swab na garganta.
A doença é mais comum em crianças em idade escolar, e dificilmente afeta as menores de 2 anos, pois suas amígdalas ainda são pouco desenvolvidas e elas ainda carregam a proteção dada pelos anticorpos maternos passados pela amamentação, explica o pediatra, médico sanitarista, professor aposentado do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e colunista do GLOBO, Daniel Becker.
— É tipicamente uma doença de idade escolar, ou seja, acima de 6 anos. Mas começa a aparecer aos 2 anos, aos 4 aumenta e é mais típica mais tarde. Adultos também podem pegar, mas com o passar dos anos vamos adquirindo imunidade contra o sorotipo da bactéria — detalha o pediatra.
Os estreptococos do grupo A também causam amidalite, artrite, pneumonia, endocardite, impetigo e erisipela. Na maioria dos casos, as pessoas que apresentam uma infecção na garganta provocada pela bactéria não desenvolvem escarlatina. No entanto, segundo o Ministério da Saúde, cerca de 10% são sensíveis às toxinas liberadas por ela e podem desenvolver a doença.
A transmissão ocorre pelo contato direto com a saliva ou a secreção nasal de pessoas doentes ou aquelas que têm a bactéria, mas não apresentam sintomas.
Alguns pediatras relatam também que, além de maior número de casos, eles observam uma maior intensidade dos sintomas, como febres mais altas e erupções cutâneas mais intensas.
— Existem algumas hipóteses sobre o que pode estar causando esse aumento nos casos e intensidade de escarlatina. Uma delas são as mudanças da nossa imunidade depois da pandemia. Muitos médicos estão apontando que nosso sistema imune está hiper estimulado, o que faz nosso corpo reagir mais intensamente às bactérias e aos vírus. Por outro lado, há quem ache que estamos com a imunidade mais fragilizada. Mas não temos, ainda, uma definição de quem está com a razão — pondera Becker.
Em família
A professora do departamento de Relações Internacionais da PUC Minas Geraldine Duarte, de 38 anos, viu dois de seus três filhos terem escarlatina no ano passado. A doença se manifestou primeiro no mais velho, Frederico, hoje com 6 anos.
— O Fred acordou num dia com muita dor na faringe, com uma tosse seca e teve febre. No final desse dia, a febre ficou mais persistente e ele começou a empolar. Levamos ao pronto atendimento e a médica percebeu os sintomas clássicos assim que o avaliou. Ela receitou o antibiótico e disse que era uma bactéria bem contagiosa, mas que com 48 horas de antibiótico a criança já não transmitiria mais — conta a mãe, que mora em Belo Horizonte. — Menos de dois dias depois, minha filha do meio (Júlia de 5 anos) reclamou que a garganta doía muito. No caso dela a bactéria atingiu as amígdalas. Como eu já tinha o diagnóstico do irmão, fiz contato com a pediatra que acompanha meus filhos. Tirei uma foto da garganta e as placas já estavam visíveis. Através de uma consulta online a pediatra deles receitou o antibiótico pra ela.
A atitude de Geraldine de procurar por ajuda médica foi correta. Por ser uma doença causada por bactéria, o tratamento é feito com antibiótico, que só pode ser comprado com receita médica.
— É recomendado tratar não só pela dor, mas porque essa doença pode se desenrolar em outras complicações. A mais comum delas é o organismo desenvolver anticorpos que reconhecem naquela bactéria, o estreptococo, algumas proteínas que temos no nosso organismo. Pode dar artrite e atacar as válvulas do coração porque o corpo acha que aquilo é parecido com a bactéria. Por isso é preciso tratar adequadamente uma dor de garganta que parece comum — orienta Helio Magarinos Torres Filho, patologista clínico diretor do Richet Medicina & Diagnóstico.
O tratamento é feito com antibióticos derivados da penicilina — como a amoxilina — ou com macrolídeos, para o caso das crianças alérgicas. Podem ser prescritos também remédios para controle de dor e febre. Normalmente a doença responde bem ao tratamento. Mas ela pode ser perigosa para pessoas que tenham algum comprometimento imunológico ou comorbidades.