Relatório aponta falhas sanitárias no Restaurante Universitário da UFPE após surto de doenças
Secretaria Executiva de Vigilância em Saúde do Recife identificou inadequações no manuseio e armazenamento da comida, além de bactérias nos alimentos
A Secretaria Executiva de Vigilância em Saúde do Recife (Sevs) apontou, por meio de relatório, inadequações no tratamento de alimentos do Restaurante Universitário da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), na Zona Oeste da capital pernambucana.
A pasta analisou amostras do mês de setembro deste ano, quando houve um surto de doenças entre os alunos da instituição após se alimentarem no local.
Dentre os principais pontos de atenção, estão falhas no manuseio e armazenamento dos alimentos, que apresentaram diversas bactérias , apontadas como agentes causadores do surto de doenças.
Questões de estrutura, como a área de receptação e preparo da comida, também foram pontos negativos no relatório.
Ainda assim, a Sevs deixou claro que notificou a empresa que promove os serviços para a UFPE, a General Goods. A vigilância afirmou que a empresa cumpriu com algumas das recomendações e recebeu, ainda em 15 de setembro, a licença sanitária válida por três anos.
Na última inspeção, realizada em 18 de dezembro, foi identificado que todas as exigências foram acatadas e que "continuam sendo mantidas as boas práticas de higiene e manipulação de alimentos".
Inspeções sanitárias
Inicialmente, os agentes da Vigilância Sanitária receberam denúncia no dia 2 de setembro sobre o surto de doenças. À época, os alunos organizaram um levantamento para identificar o número de doentes e pessoas com sintomas, por meio de um formulário do Google, que recebeu 1.290 respostas de pessoas que passaram mal após se alimentarem no restaurante no dia 1° de setembro.
Após isso, a própria secretaria realizou uma pesquisa, que recebeu um total de 524 preenchimentos, com 507 doentes, valor menor do que o levantamento inicial feito pelos próprios estudantes. Isso é um ponto de destaque para a Vigilância Sanitária, que considera a diferença substancial, mas que, ainda assim, vê que o "formulário oficial já é representativo para uma análise epidemiológica".
Dentre os principais pontos de risco analisados, estão a área de receptação de gêneros alimentícios, que contava com "a presença de entulhos e ausência de vedação na parte inferior da porta para o meio externo". A área de armazenamento de gêneros continha em estoque produtos "sem a rotulagem obrigatória e sem a devida proteção sanitária".
A qualidade da água servida para os estudantes também foi um ponto de destaque. Segundo o relatório, a planilha de monitoramento de cloro diário referente ao mês anterior ao surto de doenças não foi encontrada porque teria sido recolhida pela empresa e, por isso, não pôde ser analisada.
"Não havia planilha de monitoramento do cloro diário, referente ao mês anterior, pois, segundo a profissional (técnica de Nutrição da Unidade de Alimentação e Nutrição-UAN), esta planilha foi recolhida no dia 01/09/23 pela unidade matriz da General Goods, não deixando cópia na UAN, impossibilitando a verificação do processo de controle da potabilidade da água realizada pela empresa", diz trecho do relatório.
Bactérias na comida
A Vigilância Sanitária também realizou a inspeção dos manipuladores da comida - funcionários do restaurante -, assim como dos alimentos e da água fornecida. Nas amostras, foram encontradas predominantemente as bactérias Bacillus cereus, Staphylococcus aureus e Salmonella Spp, apontadas como agentes causadores nos alunos que adoeceram.
A pesquisa realizada pela vigilância observou que a ocorrência "se trata de um surto alimentar com sinais e sintomas gastrointestinais predominantes" após as refeições no restaurante.
Confira, abaixo, os principais sintomas apresentados. A coluna DCE corresponde à coleta de dados elaborada pelos estudantes das UFPE, enquanto a coluna REDCAP mostra análise a partir do levantamento da SMS Recife.
Recomendações para melhoramento dos serviços
O relatório identificou que existem falhas no restaurante no "controle da potabilidade da água, no manejo dos resíduos sólidos, no controle integrado de pragas, na seleção dos fornecedores, na recepção e armazenamento de alimentos, além da higienização e conservação deficiente de algumas áreas, equipamentos e utensílios".
Ao fazer a inspeção, a vigilância sanitária emitiu um Termo de Notificação para a empresa, além de inutilizar os alimentos impróprios para consumo encontrados e coletar amostras de alimentos das três refeições do dia 1° de setembro e da água para a análise que foi feita.
Ao todo, a equipe da Vigilância Sanitária (VISA) retornou ao local nos dias 2, 3, 4, 5, 11, 13 e 15 de setembro, além do dia 6 de novembro, para monitoramento do estabelecimento. Por fim, no dia 18 de dezembro, foi feita a última visita, que apontou o cumprimento da empresa ao que havia sido exigido.
Indignação dos alunos
Do lado dos alunos, há apenas um sentimento de indignação. Uma dessas pessoas é Ana Cristina Ferreira da Silva, de 21 anos, que cursa Psicologia na instituição e reside na Casa dos Estudantes da UFPE. O local é ocupado por alunos que possuem gratuidade no Restaurante Universitário como benefício e que contou com a maior parte dos relatos de doenças.
À Folha de Pernambuco, ela contou que não passou mal, e, como titular da Secretaria Nacional das Casas dos Estudantes (Sence), como representante dos alunos, acompanhou e articulou o caso de perto.
"Eu sinto que isso tudo é uma gama de atravessamentos nocivos para as pessoas que ocupam essa base. Pessoas que já convivem com uma vulnerabilidade social e dependem exclusivamente do RU (Restaurante Universiário) para a sua alimentação. Você percebe um claro descompasso que há nessa alimentação, a forma escancarada com a qual essas pessoas não são ouvidas e veem uma empresa que causou um surto alimentar continue vigente no restaurante", disse Ana Cristina.
Ao receberem o relatório da Vigilância Sanitária, os alunos foram pegos de surpresa. No momento, estão tentando se articular para tentar uma representação forte perante à reitoria da universidade, pedindo a saída a quebra de contrato com a General Goods.
"Seria cômico se não fosse trágico você pensar em ter que lutar e gastar sua energia para exigir o básico, que é uma alimentação de qualidade. Neste caso, cabe pontuar a responsabilidade da reitoria da universidade diante de tudo isso, porque que burocracia é essa que não permite quebrar o contrato com uma empresa que promoveu um surto alimentar?", finalizou.
O que diz a UFPE
Por meio de publicação no portal oficial, a UFPE reiterou que "atuou à disposição da comunidade com suporte do Núcleo de Atenção à Saúde do Estudante (Nase), em visitas às Casas de Estudantes para orientação e encaminhamento para redes de serviços de saúde".
Além disso, a unidade ressaltou o cumprimento da empresa com a adoção de medidas corretivas e que repassou as informações para as "representações dos Diretórios Acadêmicos Estudantis em reunião, no dia 5 de dezembro, com participação do corpo administrativo da instituição".
No momento, a UFPE segue em recesso acadêmico desde a última sexta-feira (22) e, com isso, o Restaurante Universitário está fechado até o dia 29 de janeiro de 2024, quando as atividades da instituição serão retomadas.