Argentinos vão às ruas contra "decretaço" e sindicatos apresentam ação judicial para barrar medida
Prevista para entrar em vigor nesta semana, medida impõe mais de 300 reformas sem passar por votação no Congresso
Sindicatos e diferentes organizações argentinas convocaram uma manifestação nesta quarta-feira (27) exigindo a suspensão do "decretaço" imposto pelo governo de extrema direita de Javier Milei para desmantelar o Estado. A marcha reúne as principais federações trabalhistas do país, como Confederação Geral do Trabalho (CGT) e a Confederação dos Trabalhadores Argentinos (CTA), além de organizações sociais, políticas e de direitos humanos em frente à sede do Poder Judiciário e da Suprema Corte de Justiça da Argentina, em Buenos Aires.
A manifestação motivou um grande destacamento das forças de segurança, que estão no local. Em entrevista à TV argentina nesta quarta, Milei repetiu a fala de sua ministra da segurança, Patricia Bullrich, afirmando que "quem faz, paga", e citou que há uma linha direta para reclamações sobre a marcha de hoje. O protesto contra o ajuste fiscal acontece duas semanas depois do governo impor um protocolo que restringe o direito de manifestação ao impedir o fechamento de vias públicas e punir os participantes com processos na Justiça e suspensão de auxílios pagos pelo Estado.
Diferentes setores estão apelando à "unidade" para impedir o Decreto de Necessidade e Urgência (DNU) publicado no Diário Oficial há uma semana. O texto impõe, de uma só vez, mais de 300 reformas que, entre outras coisas, revogam leis, eliminam dezenas de regulamentações estatais, permitem a privatização de empresas públicas, abrem as portas para operações em dólares e dão início à flexibilização do mercado de trabalho e do sistema de saúde. A decisão está sendo contestada no Congresso, nos tribunais e nas ruas por aqueles que a consideram "inconstitucional".
Os DNU são mecanismos excepcionais que permitem ao Executivo aprovar ou modificar leis para tratar de assuntos urgentes que não podem esperar pelo debate no Congresso. O governo argumentou que a situação do país — com altos níveis de inflação e pobreza — é "muito complicada" e merece essa medida, que não tem precedentes no país devido à sua magnitude. Entretanto, muitos setores consideram que o presidente está se apropriando de poderes legislativos e questionam a "necessidade e urgência" de alguns pontos do pacote.
O decreto está previsto para entrar em vigor nesta semana. O Congresso pode rejeitá-lo com uma maioria de votos em cada Casa. No entanto, se apenas uma das câmaras o aprovar, o decreto é considerado válido; e se não for posto em pauta por nenhuma delas, também é válido. Enquanto isso acontece, outra maneira de impedi-lo é por meio dos tribunais: mais de uma dúzia de amparos já foram apresentados, de acordo com a agência de notícias Télam.
A marcha foi convocada para às 11h da manhã do horário local (mesmo de Brasília), onde os participantes se concentrarão para partirem, a partir do meio-dia, da Plaza Lavalle, no centro da capital argentina, em direção ao Palacio de Tribunales, a poucos metros de distância, onde a CGT apresentará uma ação judicial contra o megadecreto.
"O objetivo é que a DNU não continue funcionando" anunciou Héctor Daer, secretário da CGT, na véspera da marcha.
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Paralelamente à estratégia judicial, os sindicatos também realizaram reuniões com deputados e senadores da oposição para ampliar suas posições contra o decreto. As organizações estão "medindo o termômetro", segundo eles, e definindo suas estratégias com cautela.
As primeiras reações contra o DNU ocorreram depois que Milei leu algumas das medidas em rede nacional há uma semana. Argentinos indignados expressaram sua rejeição batendo panelas e frigideiras em suas varandas em diferentes partes do país, e centenas deles marcharam até os portões do Congresso em Buenos Aires para defender direitos conquistados ao longo de décadas. Após o recesso de Natal, as manifestações de repúdio foram retomadas. Na terça-feira, somente na cidade de Buenos Aires, houve dois comícios em frente ao Congresso, onde foram ouvidas palavras de ordem como "Acima os direitos, abaixo o decreto!".
"Estamos no governo há 16 dias e eles já realizaram três passeatas" criticou a chefe do Ministério da Segurança, Patricia Bullrich, na terça-feira.
Para o governo, o objetivo das manifestações é "desestabilizá-lo". A máxima da ministra da Segurança é corroborada pela ministra do Capital Humano, Sandra Pettovello:
"Quem corta não recebe" disse, em referência à punição ao bloqueio de vias com perda dos benefícios sociais.
Um possível plebiscito
Milei deu sinais na noite anterior à marcha de que não cederia e manteve seu desafio ao Congresso. Se o decreto for rejeitado, o presidente de extrema direita garantiu que convocará um plebiscito.
"Por que o Congresso se opõe a algo que é bom para o povo? Eles que me expliquem" disse ele, e depois acusou os legisladores de "buscarem subornos" para votar. "Há muitos vigaristas e corruptos por aí".
Embora Milei tenha obtido 56% dos votos no segundo turno das eleições, quando derrotou o peronista Sergio Massa, ele é minoria em ambas as casas do Congresso: na Câmara dos Deputados, a extrema direita tem apenas 38 assentos próprios de um total de 257; no Senado, oito de 72. Para conseguir a transformação do país que ele almeja, Milei precisará negociar com outras forças políticas. Seu partido, A Liberdade Avança, está confiante de que ele terá sucesso.
Os sindicatos se reunirão novamente nesta quinta-feira para definir "um plano de luta". Também está em pauta a possibilidade de uma greve geral de 24 horas.