Morte de ator de "Parasita" põe em destaque a dura legislação antidrogas na Coreia do Sul
Processos como os de Lee Sun-kyun são comuns e na maior parte dos casos levam a penas de até cinco anos de prisão; uso no exterior também pode levar a punições
A notícia da morte de Lee Sun-kyun, ator que ficou conhecido no Ocidente por "Parasita" (2019), pegou a Coreia do Sul (e o mundo) de surpresa e assombro. Desde sua estreia na série "Lovers" (2001), da MBC, até a celebração no Oscar e em novos projetos previstos para 2024, Lee vivia seu auge.
Mas além das telas do cinema, ele também apareceu recentemente nas páginas policiais, por causa de um processo por suposto uso de drogas. Agora, após a morte de um dos mais destacados atores do país, jogou luz sobre as duras leis locais sobre entorpecentes.
A Coreia do Sul proíbe qualquer tipo de droga entorpecente considerada ilegal, como maconha, metanfetamina e cocaína — a base dessa política vem dos anos 1970, ainda nos tempos do ditador Park Chung-hee, que à época dizia tentar combater a alta no uso de maconha influenciada pela forte presença de soldados dos EUA. Em 2000, a uma nova lei detalhou punições e quais substâncias não seriam mais toleradas.
O uso da maconha, por exemplo, pode levar a uma pena de até cinco anos de prisão, ou uma multa de cerca de 50 milhões de wones, ou R$ 186 mil, segundo informações da firma de advocacia Seoul Law Group.
Um fator que interfere na pena, além da quantidade apreendida, é a frequência de uso da substância: se a pessoa usou maconha ou algum tipo de opiáceo três vezes em um mesmo dia, isso vai influenciar na sentença e no valor da multa.
Tecnicamente, determinados casos de tráfico podem levar à pena de morte, mas as execuções estão suspensas por uma moratória desde 1997.
Um aspecto importante da legislação sul-coreana é que ela pode ser aplicada a seus cidadãos não apenas dentro das fronteiras, mas em qualquer lugar do mundo, mesmo aqueles onde as drogas são permitidas pelas autoridades.
Em 2018, logo depois do Canadá legalizar o uso recreativo de maconha, a polícia fez um alerta aos milhares de coreanos que viviam no país.
— Pessoas que fumam maconha serão punidas de acordo com a lei coreana, mesmo se o fizerem em países onde fumar maconha é legal. Não haverá exceção — disse na época Yoon Se-jin, chefe da divisão de investigação de narcóticos na polícia da província de Gyeonggi, a mais populosa da Coreia do Sul.
Estudantes estão sempre no radar das autoridades. Em 2019, uma investigação do Korea Herald detalhou algumas dezenas de casos de sul-coreanos que foram estudar em países como os EUA e o Canadá e acabaram processados em casa.
Alguns, afirmou o jornal, conseguiram as drogas também dentro da Coreia do Sul, e receberam penas consideráveis.
Se comparadas com indicadores de países de tamanho similar, as 18.395 prisões relacionadas a drogas na Coreia do Sul em 2022, incluindo por posse, uso e tráfico, podem parecer relativamente raras, e de certa forma dão razão aos defensores da política de tolerância zero.
Mesmo assim, houve uma alta no consumo de substâncias como maconha, metanfetamina, ketamina (um tipo de anestésico), e outros tipos de drogas sintéticas nos últimos anos, especialmente entre os mais jovens.
E casos como o registrado em abril, quando uma quadrilha de traficantes foi presa depois de oferecer bebidas com metanfetamina a estudantes secundaristas e depois tentar chantagear as famílias deles, fortaleceram o discurso punitivista, abraçado pelo presidente Yoon Suk-yeol.
— Há uma década, a Coreia do Sul tinha um status de país livre de drogas, graças à coordenação entre as agências de segurança, como a promotoria, a polícia, a Guarda Costeira, autoridades sanitárias e agentes de fronteiras — afirmou Yoon, ele mesmo um ex-procurador-geral do país. — Mas em determinado momento, o governo se tornou complacente de uma forma em que as drogas ilegais começaram a destruir não apenas as mentes das pessoas, mas também os sonhos e esperanças de gerações mais jovens.
Neste cenário, as celebridades e bilionários, ao lado dos estudantes no exterior, se tornaram alvos preferenciais da política de combate aos entorpecentes.
Em abril, Chun Woo-won, neto do ex-ditador Chun Doo-hwan, foi preso no aeroporto de Incheon acusado de usar maconha em seus dias de estudante na New York University. Em setembro, Yoo Ah-in, ator de "Profecia do Inferno" (Netflix), pediu desculpas em uma audiência no caso em que é processado por uso de propofol e outras drogas, e no qual admitiu culpa — na saída do tribunal, ele foi atingido por uma garrafa jogada por uma fã, em um sinal de como as drogas ainda são um estigma social.
No mês passado, G-Dragon, da banda de K-Pop BIGBANG, também compareceu à polícia, onde foi ouvido por mais de quatro horas e passou por um exame antidrogas, cujo resultado foi negativo. Na semana passada, ele foi inocentado.
Já o caso de Lee Sun-kyun surgiu em outubro, baseado em uma denúncia de uso de maconha e ketamina em um bar de Gangnam, distrito de Seul conhecido pela vida noturna. Durante as longas sessões de interrogatórios e ameaças de prisão, o ator disse que apenas tinha consumido o que uma atendente havia lhe oferecido, e negou ter feito uso das substâncias em casa, como a atendente chegou a dizer à polícia.
No dia 23 de dezembro, depois de 19 horas de depoimento e testes negativos para drogas em seu corpo, ele desabafou à imprensa.
— De agora em diante, peço à polícia que julgue cuidadosamente se minha declaração ou a dos chantagistas é confiável — disse, citado pelo site Naver. Um dia depois, seus advogados pediram que prestasse depoimento usando um detector de mentiras, mas ele foi encontrado morto antes de uma resposta oficial das autoridades.
Se você estiver tendo pensamentos sobre suicídio ou conhecer alguém que tenha expressado esse tipo de ideia, procure a ajuda de um profissional de saúde ou ligue para o Centro de Valorização da Vida (CVV), disponível 24 horas por dia e sete dias por semana através do telefone 188 (ligação gratuita) ou através do chat no site do CVV.