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O ano de 2024 vai ter muito calor; resta saber quanto e onde

Segundo escritório britânico de meteorologia e clima, planeta deve ficar em torno de 1,46°C acima da temperatura anterior à Revolução Industrial

Calor no Recife - Arthur Mota/Folha de pernambuco

Após a média de temperatura global da superfície do planeta bater um recorde histórico em 2023, um novo marco é possível no próximo ano, dizem os cientistas.

A última previsão da Organização Meteorológica Mundial (OMM) sobre o El Niño, o fenômeno caracterizado pelo superaquecimento das águas do Pacífico, indica que essa condição deve durar até abril. Como isso se sobrepõe à mudança climática provocada pelo CO2 de emissão por atividades humanas, a expectativa para o ano não é boa.

Segundo um modelo climático do Met Office, o escritório britânico de meteorologia e clima, no ano que vem o planeta deve ficar em torno de 1,46°C acima do “normal” — a temperatura anterior à Revolução Industrial, no século XVIII, quando começou a queima em grande quantidade de combustíveis fósseis.

Como a margem de erro da projeção é relativamente grande, há um risco razoável de o planeta chegar temporariamente a 1,58°C, ultrapassando a marca de 1,5°C acima da era pré-industrial, que é o limite estabelecido pelo Acordo de Paris para o clima. Se ficar no limite inferior da margem de erro, com anomalia de 1,34°C, já seria o segundo ano mais quente da História, atrás apenas de 2023 — segundo dados do Met Office consolidados até novembro, 2023 deve terminar com um aquecimento de cerca de 1,4°C.

“A previsão está em linha com a tendência contínua de aquecimento global de 0,2°C por década e é impulsionada pelo evento significativo do El Niño. Portanto, esperamos dois novos anos consecutivos de recorde de temperatura global e, pela primeira vez, prevemos uma probabilidade razoável de um ano exceder temporariamente 1,5 °C”, escreveu em comunicado Nick Dunstone, cientista do Met Office que liderou o trabalho.
 

O mundo já experimentou a temperatura 1,5°C mais quente em cinco oportunidades, por ao menos um mês, nos últimos oito anos. Na mais recente, em julho deste ano, uma onda de calor varreu a Europa no verão. Mas será algo muito mais grave se o limite de média anual ultrapassar essa marca, apesar de ainda assim não significar que o objetivo de Paris terá sido frustrado.

Ainda é preciso criar, porém, um critério objetivo dentro do acordo para que se estabeleça por quanto tempo a média de temperatura precisa quebrar o limite até países reconhecerem que a meta do acordo fracassou. O IPCC (painel de cientistas do clima da ONU) propõe que esse limite seja uma média de 20 anos, mas o Acordo de Paris não diz nada sobre o assunto.

Em um artigo publicado neste mês na revista científica Nature, cientistas do Met Office propõem uma fórmula para o IPCC antecipar essa marca, temendo que uma manobra retórica atrapalhe o reconhecimento internacional de que o mundo de 1,5°C chegou.

Para Thelma Krug, pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que por oito anos foi vice-presidente do IPCC, o painel deveria pensar em acelerar suas ações, porque a mudança climática marcha rapidamente.

— As últimas quadro décadas já foram, sucessivamente, uma mais quente que a outra, e todas foram as mais quentes desde os anos 1850 — afirma Krug. — Esta década ainda não acabou, mas acredito que o próximo relatório de IPCC apontará as últimas cinco décadas como as mais quentes.

Um problema para países em algumas regiões é que uma média global de 1,5°C de aumento significa uma anomalia de temperatura local muito maior. O Ártico, particularmente, já está em média 2,0°C mais quente, e regiões tropicais, incluindo a Amazônia, também registram esse desvio em algumas áreas.

Pico do El Niño
Com o El Niño ativo, cientistas veem a América do Sul particularmente vulnerável, como costuma ser sob esse fenômeno. Projeções do Inpe para os primeiros três meses de 2024 sinalizam um verão preocupante.

— O El Niño ainda está passando pelo pico, em dezembro ou janeiro, e depois disso começará a decair. Deve atuar ao menos até maio, provavelmente entrando depois disso na fase neutra — diz Caio Coelho, um dos cientistas envolvidos na análise. — A tendência de temperaturas mais altas do que o normal continuará em praticamente todo o país, em um cenário bem parecido com a primavera, só que agora com características de verão.

Além do calor, o verão deve trazer mais umidade e risco de chuvas extremas no Sudeste, como as que causaram deslizamentos em Petrópolis e São Sebastião nos últimos anos, diz Coelho. A margem de certeza de que esses eventos extremos devem ocorrer é bastante alta, mas é impossível prever com meses de antecedência onde ocorrerão.

O aumento de chuvas continua um risco para o Cone Sul (incluindo o Rio Grande do Sul, no Brasil) em 2024, e todos os países que abrigam a Amazônia precisam estar atentos para risco de seca do meio para o fim do ano, como já aconteceu em 2023. A circulação oceânica torna mais difícil fazer um prognóstico com muita antecedência para o Nordeste brasileiro.

Lidar com essa situação não será trivial, e o governo federal promete concluir em 2024 uma nova versão do plano nacional de adaptação para a mudança climática, que não é atualizado desde 2016.

O Inpe, de sua parte, tenta melhorar suas ferramentas de previsão regional. Além da projeção meteorológica normal, o instituto roda modelos de computador para prever períodos de poucos dias e também sazonais, que se estendem por três meses. Desde agosto, uma nova ferramenta opera em escala “subsazonal”, com previsões mês a mês. A ideia é fortalecer o planejamento de setores como agricultura, energia e saneamento para enfrentar a mudança climática que já chegou