Sandra Annenberg relembra ataques homofóbicos após apoiar a filha: "Minoria barulhenta, tenho pena"
À frente do programa "Retrospectiva 2023", jornalista cita importância do ofício e comenta possibilidades de retorno à carreira artística
Pense num estilingue. Quanto mais fundo o elástico for puxado, mais longe será possível chegar. A imagem metafórica — ir atrás para seguir em frente — deve ser bem emoldurada nestes últimos dias do ano, como sugere a jornalista Sandra Annenberg, que assume o comando do programa "Retrospectiva", da TV Globo, pelo quinto ano consecutivo.
A atração, que vai ao ar nesta sexta-feira (27), às 22h25, traça um panorama conciso e abrangente acerca dos principais acontecimentos no país e no mundo, ao longo dos últimos 365 dias, sem perder de vista todas as pedras (e não foram poucas) no meio do caminho.
— A importância de registrar a história é exatamente entendermos o que se passou e aprendermos com os erros para que eles nunca mais se repitam. É sempre um exercício não só de memória, mas de saber o que deve ficar registrado para o futuro — afirma Sandra. — E o jornalismo de verdade está aí para isso, para não nos deixar esquecer do que aconteceu e do que foi dito.
Na tela, sob direção de Mônica Barbosa, a paulistana de 55 anos surgirá na Pinacoteca de São Paulo para descortinar um cenário marcado por guerras, aquecimento climático, tragédias socioambientais, mudanças de governo, ataques à democracia... E também por perdas de figuras importantes, uma delas bem próxima — a jornalista Glória Maria, que dividia a apresentação do programa com Sandra, morreu em fevereiro, em decorrência de um câncer.
— Ela era uma profissional de primeira grandeza. Mulher, preta, que abriu caminhos para todas nós. Desbravou um mundo difícil e pavimentou a estrada que hoje trilhamos. Todas as mulheres que trabalham em televisão precisam agradecê-la. Ter tido a oportunidade de compartilhar esse espaço com ela foi muito importante — enaltece a jornalista. — O ano termina, mas as lembranças não.
Balanço pessoal
As reminiscências solidificam também certezas de teor pessoal. Sandra Annenberg está feliz e vai muito bem, obrigada, no posto que atualmente ocupa, como apresentadora do "Globo repórter". Em 2019, depois de deixar a bancada do "Jornal Hoje" — em que esteve ao longo de 16 anos —, a jornalista precisou de ajuda psiquiátrica para lidar com a chamada Síndrome de Abstinência de Adrenalina. Por cerca de dois anos, ela sentiu taquicardias diárias, sempre por volta das 13h, horário em que costumava gravar a chamada do telejornal.
— Levei um tempo para me adaptar, mas agora estou muito feliz. Estou numa fase de usufruir das conquistas que fiz ao longo da vida profissional. Hoje estou ótima! — frisa ela. — Superei a falta de adrenalina (risos). Adoro o novo ritmo, mais tranquilo, e o novo cotidiano da reportagem sem rotina. E não penso em parar, não. Amo o que faço e pretendo continuar por muito tempo ainda.
Quando assumiu a apresentação do "Globo Repórter", Sandra disse que se sentia "fechando um ciclo", já que este era o único programa da emissora que faltava em seu currículo. Hoje, se questionada sobre os próximos planos, a jornalista é objetiva:
— Desejo, daqui pra frente, continuar onde estou.
Mas nada é exatamente o que aparece — e, como indica a boa e velha cartilha profissional, há sempre vários lados num só fato.
Não é carta totalmente fora do baralho, por exemplo, uma eventual guinada para o universo do entretenimento, área pela qual seguiram colegas como Fátima Bernardes, Patrícia Poeta, Tadeu Schmidt, Ana Paula Padrão e Tiago Leifert, entre outros. A rigor, Sandra já fez, no entanto, o caminho inverso.
Não custa lembrar: a jornalista e apresentadora manteve uma incipiente carreira de atriz e modelo na juventude e participou de novelas como "Pacto de sangue" (1989) e "Cortina de vidro" (1989) e da minissérie "Tarcísio & Glória" (1988), além de comerciais de TV. Neste ano, ela resgatou a faceta artística deixada de lado há três décadas e voltou aos tablados, em São Paulo, no elenco da montagem infantil "Pedro e o lobo", do compositor russo Sergei Prokofiev (1891-1953). Sandra quer se manter na ativa, por que não?, nesse espaço.
— Vim do mundo artístico, comecei como atriz, portanto, já vivi esse "outro lado" do entretenimento. Nunca digo nunca, mas, neste momento, estou jornalista. E assim estarei até, quem sabe um dia, mudar (risos) — destaca. — Mas gostaria, sim, de levar de novo aos palcos o espetáculo que fiz em 2023. Foram cinco sessões, todas lotadas. Levamos 7,5 mil pessoas ao Theatro Municipal de São Paulo. Quanta emoção pisar naquele palco! O papel de narradora da história (que eu fiz na peça) se aproxima muito do meu trabalho de apresentadora. Acredito que esse tipo de montagem não é conflitante com o jornalismo. Então, se conseguirmos remontar, teria novamente imenso prazer.
Em meio às voltas que o mundo dá, a jornalista muda o tom — e não esconde o misto de espanto e revolta — ao relembrar os ataques que sofreu nas redes sociais, em junho, depois de acompanhar a filha Elisa, de 20 anos, fruto de seu casamento com o também jornalista Ernesto Paglia, na Parada do Orgulho LGBT de São Paulo.
À época, Sandra publicou, por meio do Instagram, uma foto ao lado do marido e da filha — que recentemente revelou fazer parte da comunidade LGBTQIAP+ — e escreveu uma pequeno texto demonstrando seu apoio e utilizando linguagem neutra, que inclui termos em que os artigos masculinos e femininos são substituídos pelas letras "x" ou "e". "Nossa família se une às Mães Pela Diversidade e a todes que lutam pelo respeito aos direitos LGBTQIA+! Estamos juntes", afirmou ela, na ocasião. Daí em diante, a jornalista passou a receber ofensas e virou alvo de homofobia na internet.
— Não entendo o que as pessoas têm a ver com a sexualidade alheia. Cada um tem que procurar a própria felicidade. Apesar dos poucos ataques de ódio e discriminação, tive apoio da maioria das pessoas. Uma minoria barulhenta é que, covardemente, resolveu discutir gramática como desculpa para expressar homofobia. Tenho pena deles — indigna-se.
Ela continua, enfática:
— Por que não usar essa energia para preservar o meio ambiente, para defender a igualdade e a justiça social ao invés de criticar o amor "des outres"? Tenho tanto orgulho da minha filha e da geração dela que não precisam de rótulos e que acreditam que o respeito às diferenças é o mais importante nas relações. Acho que a eduquei muito bem!