Putin lidera Rússia há 24 anos: relembre, em 24 tópicos, história de poder que ultrapassa fronteiras
Vladimir Putin rege os destinos dos cerca de 140 milhões de russos, direta ou indiretamente, e toma decisões com impactos além de suas fronteiras
Em uma noite de ano novo, há 24 anos, um jovem político assumia o comando da então maior potência militar do planeta, que tentava ressurgir de uma conturbada década após o fim da União Soviética. Desde então, Vladimir Putin rege os destinos dos cerca de 140 milhões de russos, direta ou indiretamente, e toma decisões com impactos além de suas fronteiras. Confira alguns dos principais episódios desses 24 anos de Putin no poder.
1 - O inesquecível ano novo de 2000
Aquela noite de 31 de dezembro era o fim de uma das mais turbulentas décadas da História recente da Rússia. Iniciados com o fim da União Soviética, os anos 1990 tiveram revoltas internas, tentativas de golpe, uma transição traumática para o capitalismo e uma crise que jogou milhões na pobreza. Naquele cenário, Boris Yeltsin deixava o protagonismo para um jovem Vladimir Vladimirovich Putin, que em seu primeiro discurso como presidente interino defendeu as liberdades individuais, a propriedade privada e pediu aos russos que brindassem a um novo milênio de “paz e amor”. Meses depois, em março de 2000, seria eleito pela primeira vez com 53% dos votos.
2 - Naufrágio do Kursk
Putin não havia completado sequer seis meses como o segundo presidente eleito da Rússia quando a primeira grande crise chegou à sua mesa. Em agosto de 2000, o Kursk, um submarino nuclear, naufragou durante um exercício no Mar de Barents, no Oceano Ártico. Com equipamentos de localização desligados, foram necessárias algumas horas até que a embarcação fosse localizada, mas Putin, que estava em férias no balneário de Sochi, só aceitaria as ofertas de ajuda da Noruega e do Reino Unido dias depois, quando o resgate dos 118 tripulantes era impossível.
3 - 11 de Setembro de 2001
Os aviões se chocando contra as Torres Gêmeas do World Trade Center, em Nova York, e contra o Pentágono, em Washington, soaram para Putin como uma oportunidade para a Rússia mostrar que não era mais uma potência decadente. Ele foi o primeiro líder mundial a ligar para o então presidente George W. Bush e disse, em discurso, que a Rússia “estava com os americanos”. Mas a apreciação do apoio e das capacidades russas pelos americanos jamais vieram, e essa frustração marcaria os dias de Putin no Kremlin.
4 - Massacre em Beslan
O dia 1º de setembro é o mais celebrado no calendário escolar de vários países do Leste Europeu. Ele marca o início do ano letivo, e na Escola Nº1 em Beslan, na Ossétia do Norte, alunos chegavam com flores para os professores, como manda a tradição. Contudo, aquele dia de 2004 marcaria um dos mais brutais ataques na Rússia pós-soviética. Terroristas chechenos invadiram o local e mantiveram mais de mil alunos, pais e professores reféns. No terceiro dia, as forças de segurança invadiram o local de forma desastrosa: 330 reféns, 186 deles crianças, morreram, e mais de 700 ficaram feridos. As críticas foram potencializadas pela lembrança de um desastre semelhante em 2002, quando um sequestro em um teatro de Moscou terminou com a morte de 170 reféns.
5 - Um vizinho incômodo
Nos anos 1990, Viktor Yushchenko era considerado uma das grandes estrelas ascendentes na política ucraniana. Ex-presidente do Banco Central e agora primeiro-ministro, ele queria levar ideias liberais a uma antiga república soviética que discutia qual caminho tomar, o de Moscou ou o de Bruxelas. Yuschenko defendia a entrada na Otan e na União Europeia e, em 2004, lançou sua candidatura à Presidência. Mas em setembro, foi internado às pressas com suspeita de envenenamento. As marcas da substância permaneceram para sempre em seu rosto, mas mesmo assim ele venceu nas urnas e prontamente acusou a Rússia pela tentativa de assassinato, algo que Moscou jamais admitiu.
6 - A nova ordem global
Em 2007, Putin chegou a Munique como um líder que havia recolocado a economia russa nos trilhos, e que via naquela Conferência de Segurança a chance de vender suas ideias para o futuro do planeta. No discurso de cerca de uma hora, ele delimitou o que considerava o fim do mundo unipolar, dominado pelos EUA, atacou a expansão da Otan rumo ao Leste Europeu e criticou planos de Washington para instalar mísseis na Europa. Até hoje, a fala é considerada essencial para entender os passos atuais da política externa russa.
7 - Troca de poder? Pense duas vezes
A Constituição da Federação Russa era bem clara: um presidente só poderia se candidatar uma vez à reeleição. A solução de Putin foi “caseira", com a indicação de seu primeiro-ministro, o leal Dmitry Medvedev, para ser o candidato do governo. Como esperado, Dima venceu com facilidade, e Putin foi prontamente indicado para ser primeiro-ministro, um cargo que lhe permitiu seguir no comando do Kremlin nos bastidores.
8 - O homem dos memes
Embora sua vida privada seja um mistério em alguns aspectos, Putin não é um líder que foge das câmeras, inclusive em seus momentos de lazer. A ideia de “macho alfa”, com imagens dele pilotando aviões, atirando com fuzis e cavalgando nos campos da Sibéria renderam, além de matérias, muitos e muitos memes no momento em que as redes sociais ganhavam força pelo mundo. A montagem de Putin montado em um urso com uma seringa gigante nas costas, que serviu de publicidade indireta para a vacina russa contra a Covid-19, a Sputnik-V, foi sucesso imediato e rendeu milhões de compartilhamentos.
9 - A volta dos que não foram
Em um ato que não surpreendeu uma alma sequer desde Kaliningrado até Petropavlovsk-Kamchatsky, Putin foi apresentado como candidato à Presidência em 2012, e Medvedev, que tinha direito a concorrer mais uma vez, resignou-se com a decisão. Além do novo mandato, o tempo dele no poder foi esticado, agora chegando a seis anos, ao contrário dos quatro anteriores. Como de costume, Putin foi eleito pela terceira vez no primeiro turno, com 64% dos votos.
10 - Ruídos internos
Mas a vida de Putin naquele começo dos anos 2010 estava um pouco mais conturbada. Um movimento liderado por um até então desconhecido Alexei Navalny apontava supostas fraudes em eleições no país, incluindo a de Putin, e demandava uma votação livre, com candidatos que não fossem vetados pelas autoridades eleitorais. Protestos e prisões se tornaram recorrentes no centro de Moscou, e esse momento marcou uma guinada autoritária do Kremlin, que apenas se fortaleceria dali em diante.
11 - Um vizinho incômodo, parte 2
Os protestos não eram exclusivos da Rússia. Na Ucrânia, o velho debate entre Moscou e Bruxelas ganhou contornos violentos quando o então presidente VIktor Yanukovich, considerado pró-Rússia, desistiu de um acordo de associação com a União Europeia, por ordem de Putin, dando início a uma longa série de protestos no país, especialmente em Kiev, onde a Praça de Independência se tornou cenário de discursos e massacres de manifestantes. Yanukovich fugiu do país em fevereiro de 2014 e hoje vive na Rússia.
12 - Crimeia anexada
O caos em Kiev pareceu perfeito para Putin causar ainda mais problemas na Ucrânia. Em fevereiro, incitados por Moscou, russos étnicos na Península da Crimeia lançaram protestos separatistas, defendendo a aproximação com a Rússia. O vácuo de poder permitiu a organização de grupos locais, com o apoio do Kremlin, que derrubaram a administração regional e abriram caminho para um referendo de unificação da península com a Rússia. Em março de 2014, a Crimeia passou a integrar a Federação Russa, um movimento não reconhecido internacionalmente. No Leste ucraniano, a Rússia também atuou para que milícias separatistas iniciassem uma guerra contra Kiev, conflito que serviu de base para a guerra de 2022.
13- A Copa e o ‘soft power’ em ação
Discursos, condenações, sanções: nada impediu que três meses depois da anexação da Crimeia o mundo do futebol se reunisse na Rússia, que sediou a Copa do Mundo de 2018. Com estádios bilionários, portas abertas para visitantes e críticas em relação aos abusos contra minorias, torcedores vindos de todos os cantos do planeta mostraram uma face menos sisuda e mais palatável do país, provando que o “sportswashing”, hoje em voga entre as monarquias árabes do Golfo, vale o investimento.
14 - Um amor para Putin?
A vida privada de Putin é um mistério digno de seus tempos de KGB. Entre 1983 e 2013 (no papel), ele foi casado com Lyudmila Putina, mãe de dois de seus (conhecidos) filhos, que igualmente não são muito afeitos a aparições públicas. Mas nos bastidores, especulava-se desde 2008 sobre um caso envolvendo o presidente e a ginasta Alina Kabaeva, campeã olímpica em Atenas, em 2004. Segundo rumores, ela teria ao menos dois filhos do presidente e uma vida de luxo. Por outro lado, ela é o que alguns chamam de “rainha sem coroa” — talvez porque a ideia de ter tido um caso com um homem casado e bem mais velho não ressoasse bem entre o eleitorado conservador.
15 - Morte no Rio Moscou
Boris Nemtsov, um dos nomes mais conhecidos da política russa pós-soviética, caminhava com sua mulher em uma ponte perto do Kremlin quando quatro disparos quebraram o silêncio daquela noite de 27 de fevereiro de 2015. Um assassinato político? Um crime comum? Um acerto de contas? Apesar de quatro homens chechenos terem sido condenados, o mandante jamais foi identificado, tampouco a motivação do ataque. O fato de Nemtsov estar associado à oposição, inclusive a Navalny, jogou uma nuvem de dúvidas sobre o Kremlin, e Putin sempre rejeitou qualquer ligação com o crime.
16 - Doping estatal
No final de 2015, um documentário da rede alemã ARD fez acusações graves sobre um esquema amplo de doping no esporte russo, que contava com a participação do Estado, em uma série de modalidades, comprovadas por investigações independentes posteriormente. Apesar das negativas de Moscou, federações internacionais começaram a agir, e algumas exigiram a exclusão de todos os atletas russos dos Jogos Olímpicos de 2016, no Rio de Janeiro. A punição foi parcial, eliminou dos jogos 111 dos 389 atletas inicialmente previstos na delegação russa, mas foi total nos Jogos Paralímpicos daquele ano. Em 2019, a Agência Mundial Antidoping baniu o país dos Jogos Olímpicos de Tóquio, em 2021, e da Copa do Mundo do Catar, em 2022.
17 - Trump + Putin: melhores amigos?
Durante a complexa campanha presidencial nos EUA de 2016, anúncios em redes sociais, aparentemente legítimos, jogavam dúvidas sobre candidatos democratas e sugeriam que o melhor caminho naquele ano era Donald Trump, que venceu. O real impacto dos anúncios não é palpável hoje, mas investigações mostraram que se tratou de uma tentativa russa de interferir no processo eleitoral americano. Depois de eleito, Trump não escondeu uma certa admiração por Putin, e os dois se encontraram em diversas ocasiões, e agora Putin tem sinalizado sua preferência pelo retorno do republicano à Casa Branca em 2024.
18 - Mais seis anos
No dia em que a anexação da Crimeia completou quatro anos, Putin obteve mais um mandato presidencial, comemorado na Praça Vermelha aos gritos de “A Crimeia é Nossa”. A votação, que teve candidatos barrados, denúncias de fraudes e uma votação de quase 80% a Putin, serviu como discurso de consolidação do poder do homem que caminhava para ser um dos mais longevos líderes da Rússia na História.
19 - Novichok como tendência
Em março de 2018, o ex-oficial de inteligência militar russo Sergei Skripal e sua filha, Yulia, saíam de um café em Salisbury, na Inglaterra, quando passaram mal e foram encontrados inconscientes em um banco de rua. Os dois ficaram internados entre a vida e a morte por semanas, enquanto especialistas tentavam descobrir o que havia acontecido. A resposta levava a Moscou: ambos foram envenenados com novichok, uma substância desenvolvida na União Soviética e considerada uma arma química. Eles não foram as únicas vítimas: em 2020, Alexei Navalny quase morreu depois de beber um chá com a substância em um voo na Sibéria. Como esperado, o Kremlin nega participação em todos os casos.
20 - O isolamento da pandemia
Apesar das tentativas do governo para fechar o país, a Covid-19 atingiu a Rússia com força e oficialmente deixou 400 mil mortos. Uma vacina que não recebeu certificações internacionais se tornou um produto de exportação de Putin, que estava cada vez mais isolado em sua residência de Novo-Ogaryovo, com um círculo cada vez menor de aliados e confidentes. Para analistas, esse período coincide com o acirramento de seu discurso sobre a Ucrânia e o Ocidente.
21 - Putin para sempre?
Depois de sugerir que poderia deixar o cargo ao final do mandato, Putin mudou de ideia em 2020. Agora, queria mudar a Constituição, mantendo os mandatos de seis anos e, em uma inovação, abrindo caminho para mais duas reeleições. O “Putin Para Sempre” se tornou um meme de russos no exílio, uma vez que ele poderá ficar no cargo até 2036. O novo texto, aprovado com folga, também baniu o casamento entre pessoas do mesmo sexo e estipulou outras pautas da agenda conservadora do Kremlin.
22 - Ucrânia invadida e uma guerra sem fim
A decisão de invadir a Ucrânia em fevereiro de 2022, depois de meses de especulações e negativas, tornou-se um marco não apenas do governo Putin, mas da História do mundo no século XXI. A escala da destruição em solo ucraniano remeteu aos horrores da Segunda Guerra Mundial, com milhões de refugiados e milhares de mortos. Hoje, os avanços militares são cada vez menores, a um custo cada vez mais elevado, e sem possibilidades visíveis de uma saída diplomática. E Putin não dá qualquer sinal de que pretenda suspender a invasão, apesar da crescente pressão doméstica.
23 - Sanções e um “novo eixo” de poder
As punições do Ocidente não serviram para mudar o curso da guerra até agora. Em vez disso, intensificaram a retórica anti-Ocidente de Putin, que viu na China uma oportunidade. A “amizade sem limites”, como declarou ao lado de Xi Jinping, teve algumas limitações quando o assunto era a guerra. Além de Pequim, o Kremlin buscou outras nações que, como a Rússia, enfrentam sanções: o Irã e a Coreia do Norte, hoje dois fornecedores importantes de insumos militares para o conflito na Ucrânia.
24 - E agora?
Sem adversários viáveis e com muitos nomes da oposição, como Navalny, presos, Putin deve se reeleger com certa facilidade em março de 2024. Mas resta saber até que ponto seus esforços para manter uma guerra que se assemelha a um moedor de carne serão suportados pela sociedade e pela economia da Rússia. Parceiros como a China podem forçar Moscou a aceitar compromissos na mesa de negociações, que devem incluir concessões pouco populares. Mas um eventual retorno de Trump à Casa Branca, no ano que vem, deve lhe dar fôlego adicional no cenário externo.