BRASIL

STF interrompe derrubada de atos do Executivo, mas boa relação com Lula tem novos testes à vista

Presidente da Corte, Luís Roberto Barroso dá sinais de que deve segurar a discussão de temas sensíveis

A sede do Supremo Tribunal Federal, iluminada de laranja - Gustavo Moreno/STF

Na contramão de Jair Bolsonaro, Luiz Inácio Lula da Silva cultivou a aproximação com o Supremo Tribunal Federal (STF) no primeiro ano de governo e, como resultado, conseguiu evitar reveses em julgamentos da Corte.

Levantamento feito pelo Globo sobre a suspensão de atos do Executivo mostra que a gestão anterior teve quatro importantes derrotas nos primeiros 12 meses, enquanto o petista, por sua vez, venceu batalhas jurídicas relevantes. Em 2024, essa relação poderá passar por novos testes, com a possibilidade da Corte se debruçar sobre temas incômodos ao Palácio do Planalto e, principalmente, ao Congresso Nacional. Entretanto, o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, dá sinais que deve segurar assuntos sensíveis para evitar o tensionamento.

Durante o ano, a análise de temas como a descriminalização do aborto, o porte de drogas e o marco temporal para a demarcação de terras indígenas gerou reação do Legislativo. Os congressistas aprovaram uma alteração à Constituição para limitar decisões individuais de magistrados, considerado um recado para que o tribunal não leve a julgamento assuntos caros aos parlamentares.

No primeiro ano de Bolsonaro no Palácio do Planalto, o STF se tornou alvo do ex-presidente após derrubar trechos de três Medidas Provisórias (MPs). Elas estabeleciam a transferência da demarcação de terras indígenas para o Ministério da Agricultura, o fim do seguro DPVAT — taxa obrigatória para motoristas —, e a dispensa da publicação de editais de órgãos da administração pública em jornais. Também foi anulado trecho de decreto que extinguia conselhos federais da administração pública. Já no primeiro ano de Lula, o presidente assumiu pessoalmente a tarefa de se aproximar de integrantes da Corte, inclusive na direção do atual presidente do STF e dos indicados por Bolsonaro, Nunes Marques e André Mendonça.

Lula já havia obtido importante vitória durante a transição, com o fim do orçamento secreto determinado pelo STF — embora não seja um ato de governo, foi uma decisão comemorada pelo grupo recém-eleito. Logo no início do terceiro mandato, o petista recebeu mais uma decisão positiva quando o ministro Gilmar Mendes suspendeu todos os processos que questionavam um decreto que restringiu as regras envolvendo armas de fogo.

Ao longo de 2023, a principal vitória do governo foi a autorização para regularizar o pagamento dos precatórios (dívidas decorrentes de decisões judiciais sobre as quais o governo não pode mais recorrer). Esse pagamento poderá ocorrer por créditos extraordinários, o que não compromete o teto de gastos estabelecido pelo arcabouço fiscal.

Decisões postergadas
O governo Lula também tem conseguido postergar outras decisões que afetariam a gestão. Uma delas é o julgamento que pode aumentar a correção do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), passando a render o mesmo que a poupança. Esse assunto deve retornar à pauta nos próximos meses. Outro caso que teve vista, após atuação do governo, foi o julgamento das Lei das Estatais, que pode definir o futuro das nomeações de políticos nas empresas públicas brasileiras.

O professor Juliano Zaiden Benvindo, da Faculdade de Direito da UnB, afirma que Lula entendeu que precisa de um diálogo com o STF e que por isso tem se empenhado diretamente na interlocução com ministros. Com Bolsonaro, por outro lado, a conversa ocorria geralmente por intermediários, que tentavam reduzir os embates com a Corte.

— Lula entendeu que precisa do Supremo para muitas pautas — avalia. — É uma relação que você precisa conversar, precisa ter esse canal de contato, e o Lula faz isso muito bem, conversa com o Gilmar. Bolsonaro não conseguia conversar, colocava um terceiro.

Em 2024, o Supremo ainda terá uma pauta carregada de temas que despertam a atenção da sociedade e da política. É o caso, por exemplo, da continuidade do debate que a Corte iniciou sobre o porte de drogas, ponto de controvérsia com o Congresso.

Barroso já pautou os primeiros processos do ano e divulgou o calendário de sessões para o mês de fevereiro. A abertura do Judiciário está marcada para o dia 1º e no dia 22 haverá a sessão solene de posse de Flávio Dino, que assume a vaga na Corte aberta com a aposentadoria da ministra Rosa Weber.

Logo no início do ano, o presidente incluiu processos que não envolvem “polêmicas”. Para a primeira sessão, o ministro pautou a continuidade do julgamento sobre regra que impõe o regime de separação de bens no casamento de pessoas maiores de 70 anos.

Outro tema que já foi pautado foi o recurso contra a decisão que permitiu a chamada “revisão da vida toda” do INSS, que possibilita uma mudança no cálculo das aposentadorias. No plenário virtual, três ministros chegaram a votar para que o resultado do julgamento seja anulado, mas a votação terá que ser reiniciada.

Em fevereiro, um caso que deve ser julgado diz respeito ao reconhecimento de vínculo empregatício entre plataforma e entregador, alvo de impasse entre a Justiça do Trabalho e o Supremo. Outro tema que retorna à pauta em fevereiro são as ações que cobram um plano governamental para o combate ao desmatamento na Amazônia e de prevenção de queimadas na floresta e no Pantanal.

Barroso também pautou três ações questionando se a Constituição Federal admite atribuir ao Ministério Público poderes de investigação criminal e se a aplicação das normas da Lei Orgânica do Ministério Público da União aos Ministérios Públicos dos Estados ofende a autonomia dos estados e do Distrito Federal.

A escolha de processos que desagradem ou acenem ao Legislativo deve pesar na hora da elaboração do restante da pauta por parte de Barroso, que tem buscado adotar uma postura conciliatória com o Congresso e tem mantido diálogo com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Em setembro, quando o julgamento sobre o aborto foi iniciado, Barroso informou ao deputado que iria interrompê-lo, em sinal de respeito a um debate que pode ser realizado pelos parlamentares a respeito de um tema visto como polêmico.

O presidente do STF já afirmou que não pautará no próximo ano o processo que discute a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação. Segundo ele, o tema não está maduro o suficiente para ser analisado.

8 de janeiro
Também há expectativa sobre a continuidade de julgamentos do 8 de Janeiro envolvendo pessoas que estiveram envolvidas tanto com o financiamento das ações quanto na incitação dos crimes cometidos contra as sedes dos três Poderes. Após a condenação de 30 pessoas em 2023, mais 29 julgamentos estão programados para serem concluídos na primeira semana de fevereiro.

O tribunal também poderá incluir na pauta o julgamento de processos sobre o regime de responsabilidades das plataformas digitais em relação a conteúdos postados por usuários e a possibilidade de suspensão de aplicativos de mensagens por ordem judicial. São quatro ações que discutem os temas.