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Impasse por dívida, tensão na Assembleia e acenos a bolsonaristas: o ano de Zema em Minas Gerais

Renegociação de rombo bilionário de Minas Gerais expôs fraturas da base do governador, que inicia o segundo mandato com guinadas no discurso para agradar ao eleitorado conservador de olho nas eleições de 2026

O governador de Minas Gerais, Romeu Zema - Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

Poucos dias após ser reeleito governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), foi tomado pelo entusiasmo de, pela primeira vez, ter ao seu lado a maior parte dos deputados da Assembleia Legislativa (57 dos 77 parlamentares). No primeiro dia da legislatura, contudo, o bom presságio caiu por terra quando o candidato governista para a Presidência da Casa, Roberto Andrade (Patriota), foi derrotado por Tadeu Martins Leite (MDB). A dificuldade na relação com o Legislativo permeou todo o 2023 de Zema, que teve na renegociação da dívida do estado — avaliada em R$ 165,6 bilhões — seu maior desafio, em um ano que o mineiro buscou se projetar nacionalmente de olho na corrida presidencial de 2026 e nos votos da direita, aproveitando o vácuo deixado pela inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro.

O modelo de Regime de Recuperação Fiscal (RRF) foi enviado por Zema à Assembleia em outubro, dois meses antes do prazo do Supremo Tribunal Federal (STF) para que o pagamento fosse reestabelecido pelo Executivo. A proposta não agradou os parlamentares por trazer medidas impopulares como a privatização de três estatais e o congelamento dos salários dos servidores públicos por nove anos. Como o Executivo não apresentou outra proposta, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), e deputados formularam um plano paralelo que prevê a federalização de empresas e um programa de recuperação fiscal (Refis) com descontos em caso de pagamentos à vista da dívida.

O STF prorrogou o prazo da liminar por mais três meses e a expectativa é que o plano de Pacheco seja costurado junto ao governo federal. Mas o governo Zema não desistiu de aprovar o RRF.

— Sabemos que o governo federal precisa e pode fazer muito por Minas Gerais, mas o governo do estado precisa construir este diálogo. Talvez essa questão da dívida com a União seja a abertura de portas — afirma Tadeu Martins, presidente da Assembleia, que avalia o primeiro ano desta gestão como “nota 6”.

Mesmo com dificuldades com a base, Zema conseguiu vitórias, como no aumento do ICMS em itens supérfluos, que impacta a arrecadação do estado. Também aprovou a reforma administrativa, que criou duas novas secretarias — Comunicação Social e Casa Civil. Esta medida representou uma mudança de postura: o orçamento para dar visibilidade ao trabalho do governo foi de R$ 120 milhões, 15 vezes os gastos que teve com publicidade em 2019 (R$ 8 milhões), quando assumiu.

Ao longo do ano, Zema também angariou polêmicas, como a aprovação de um aumento de quase 300% de seu salário sob a justificativa de corrigir o piso do funcionalismo público no estado. A medida chegou a ser questionada pelo STF. Em julho, a base de Zema concedeu benefícios bilionários às locadoras de veículos, medida que favoreceu diretamente doadores de campanha do governador, o que também gerou críticas da oposição. Em junho, reportagem do Globo mostrou que o governo investiria R$ 41,2 milhões na recuperação de uma estrada que leva até o sítio de sua família, localizado em Rifaina (SP), próxima a sua cidade natal, Araxá (MG). Em nota, o governo afirmou que a escolha foi pautada “unicamente em preceitos técnicos”.

Frases e homenagem
Em agosto deste ano, em entrevista ao “Estado de São Paulo”, Zema comparou os estados do Nordeste a “vaquinhas que produzem pouco”. A fala foi repudiada por governadores da região, mas defendida por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro. “Sábias palavras”, disse o deputado Coronel Sandro (PL-MG), em evento que o ex-mandatário recebeu o título de cidadão honorário mineiro. Zema esteve presente à solenidade na Assembleia e posou ao lado de Bolsonaro, já cassado à época.

O governador também manteve o hábito de publicar frases motivacionais nas redes e, em duas dessas postagens, se tornou alvo de repúdio: uma por ser atribuída ao ditador fascista italiano Benito Mussolini e outra, do ex-presidente dos Estados Unidos James Madison, que liga a democracia à escolha de tiranos. Para Thiago Silame, doutor em Ciências Políticas pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), há um cálculo político nos movimentos de Zema.

— Zema tem se afastado do governo federal pensando na dimensão política. Talvez ele esteja tentando marcar posição com o eleitorado de Bolsonaro, que está órfão em 2026, pensando na possibilidade de ser um candidato viável. Em relação às declarações polêmicas, acaba agradando esse eleitorado — afirma.