Jornalista e crítico Celso Marconi deixa legado de uma vida inteira dedicada ao cinema
Também professor e realizador cinematográfico pernambucano faleceu na terça (2), em Olinda, aos 93 anos
No segundo dia de 2024, a cultura pernambucana e brasileira perdeu uma de suas mentes mais afiadas e uma referência inconteste em crítica de cinema: faleceu, na noite de terça (2), aos 93 anos, o jornalista, professor, curador e realizador cinematográfico pernambucano Celso Marconi, nome que, nos últimos 70 anos, dedicou-se a pensar, incentivar, promover e analisar a produção audiovisual de arte, formando diversos “discípulos”.
Celso Marconi estava internado no Hospital Esperança, em Olinda, e teve falência múltipla de órgãos. O jornalista foi velado e sepultado no fim da tarde de ontem (3), no Cemitério Morada da Paz, em Paulista, e deixou quatro filhos – Pedro, Luiz, Isabela e Manuela –, netos e bisnetos.
No dia 24 de agosto de 2023, Celso Marconi havia completado 93 anos, com lançamento do livro "Triângulo matador", em que dividiu a autoria com o pintor e performer Daniel Santiago e a psicanalista Rachel Rangel, em uma produção independente. O lançamento foi no Museu do Estado de Pernambuco (Mepe) e a reportagem da Folha de Pernambuco esteve presente. Confira abaixo como foi:
Vida longa e profícua
Celso Marconi começou no jornalismo na década de 1950, quando passou por três veículos: Folha do Povo, Jornal Pequeno e Diario de Pernambuco. Escreveu a primeira crítica de cinema em 1954, sob o pseudônimo de João do Cine, analisando o filme “Agulha do palheiro”.
Já na década de 1960, foi presidente do Sindicato dos Jornalistas de Pernambuco e assinou uma coluna de cinema no Última Hora. Considerado subversivo pelo regime militar, foi preso e ficou detido durante quatro meses. Em 1966, ele volta ao jornalismo, no Jornal do Commercio, onde trabalhou por mais de 20 anos, como crítico de cinema, artes plásticas, cênicas e música.
Outro capítulo importante foi o envolvimento de Celso Marconi com o Tropicalismo. Em abril de 1968, ele, Jomard Muniz de Britto e Aristides Guimarães assinaram o primeiro manifesto do movimento no Brasil: “Porque somos e não somos tropicalistas”, publicado no Jornal do Commercio. No mês seguinte, foi lançado o segundo manifesto tropicalista, em uma exposição do artista plástico Raul Córdula, na Oficina 164, em Olinda. Na ocasião, Caetano Veloso e Gilberto Gil estavam presentes e também assinaram o documento.
Celso também foi realizador audiovisual, da geração Super 8, com 20 filmes produzidos na década de 1970; foi programador cineclubista; e profissionalizou o projeto Cinema de Arte, ao lado de Fernando Spencer. Nos anos 1980, foi professor do curso de Jornalismo na Universidade Católica de Pernambuco. E nos anos 1990, foi gestor do Museu da Imagem e do Som de Pernambuco (Mispe), um dos nomes que ajudou a pensar o Festival de Inverno de Garanhuns e inaugurou o Cine Ribeira, no Centro de Convenções.
Legado reconhecido
Através de suas diversas atividades – que convergiam na cultura e cinema –, Celso Marconi foi influência crucial para diversas gerações, seja no âmbito do jornalismo ou da cinefilia.
"O professor Celso nos deixa um exemplo de dedicação aos estudos, ao conhecimento, sempre com a humildade dos sábios. Somos eternamente gratos", declarou a jornalista Leusa Santos, editora-chefe da Folha de Pernambuco e ex-aluna de Celso Marconi.
“São muitas dimensões do Celso, muitos homens em um só”, declarou o jornalista Luiz Joaquim, autor da biografia “Celso Marconi: senhor do Tempo”, publicada pela Companhia Editora de Pernambuco (Cepe). “Ele apresentou uma cinematografia moderna para várias gerações, formou cinéfilos”, continuou, destacando ainda que as críticas de Celso também foram importantes nessa formação. “Textos que abriram a cabeça das pessoas para olhar o cinema por uma perspectiva mais sofisticada, para além da diversão, do entretenimento.”
Um dos filhos de Celso Marconi, Pedro Celso, destacou o papel do pai como jornalista. “Ele deixa um grande legado, porque ele incentivou a cultura nos anos 1960 e 1970, quando ele foi editor do caderno de cultura do Jornal do Commercio. Então, ele incentivava todos os artistas (...) Claro que ele ficou conhecido como crítico de cinema, que ele exerceu durante toda a vida dele, foi a sua principal atividade (...) ele ajudou todas as artes, não só o cinema. Mas ele foi um incentivador da cultura pernambucana e brasileira.”
O professor aposentado da Unicap e crítico de cinema Alexandre Figueirôa, que foi aluno de Celso, comentou sua aproximação com o mestre.“Celso Marconi é um nome incontornável da cultura cinematográfica em Pernambuco. Eu sou de uma geração que começou a se interessar por cinema nos anos 1970 e frequentei muito o Cinema de Arte Coliseu, cuja programação era dele, Celso, de Fernando Spencer e Ivan Soares. E foi lá que eu comecei a ver os grandes filmes, os grandes cineastas: Pasolini, Fellini, Hitchcock”, relembra. “A contribuição de Celso para a cultura cinematográfica em Pernambuco é imensurável”
O escritor e jornalista Uraniano Mota, amigo de Celso, enalteceu sua atividade como crítico de cinema. “Tem que ser bem claro e destacado que Celso Marconi foi o maior crítico de cinema do Brasil”, disse Mota. “Além disso, ele formou gerações não só de amantes de cinema, mas de cineastas pernambucanos. Muitos deles não teriam alcançado a excelência que tem hoje sem o trabalho de crítica de Celso Marconi, sem a influência dele”, completou.
Continuava atuando
Celso Marconi continuou escrevendo suas críticas de cinema no Facebook até o ano passado. A última foi sobre “Retratos Fantasmas”, de Kleber Mendonça Filho, ditada para a sobrinha Trudy Lins, uma vez que ele já se encontrava com a saúde frágil. “Celso era inteligente, muito crítico, e eu nunca vi uma pessoa que leu tanto como ele, mesmo sem a visão de um dos olhos”, conta Trudy, que cuidou do tio nos últimos anos. “Eu estou muito triste, hoje, mas, ao mesmo tempo, feliz porque sei que ele fez tudo o que quis fazer na vida, realizou tudo, pois ele viveu intensamente.”
“Na verdade, ele foi um grande professor. Era um intelectual de primeira linha, e o que ele fazia, em suma, era compartilhar, com muita generosidade, o conhecimento dele, e muita simplicidade também, mas sem nunca deixar ser sincero consigo mesmo nas observações dele, ele nunca se traiu”, destacou Luiz Joaquim.