Estado Islâmico reivindica autoria de ataques com 84 mortos no Irã; investigação está em andamento
Para analistas, atentado sugere um ressurgimento sangrento da organização jihadista, que foi dizimada em 2019, mas não está claro qual afiliada do EI estaria por trás dos ataques
O grupo Estado Islâmico (EI) assumiu, nesta quinta-feira, a autoria pelas duas explosões da última quarta-feira em Kerman, no Irã, que provocaram a morte de pelo menos 84 pessoas durante uma procissão em homenagem ao general Qassem Soleimani, morto pelos EUA em 2020. Segundo analistas, o atentado sugere um ressurgimento sangrento da organização jihadista, que foi dizimada em 2019 por uma coalizão liderada pelos Estados Unidos na região. Não está claro, porém, qual afiliada do EI estaria por trás do ataque.
No Telegram, o Estado Islâmico chamou o atentado de "dupla operação de martírio" e descreveu como dois de seus membros, Omar al-Mowahid e Sayefulla al-Mujahid, "detonaram seus coletes de explosivos" no meio de "uma grande multidão de apóstatas perto do túmulo do líder hipócrita", referindo-se ao general Soleimani. As explosões têm sido apontadas como o ataque mais mortal contra o Irã desde a Revolução Islâmica de 1979.
O anúncio coincide com as avaliações da Inteligência americana, que indicaram que o ataque provavelmente foi obra do grupo jihadista, de acordo com quatro autoridades americanas, bem como com avaliações de autoridades militares regionais. Já a Irna, agência oficial de notícias do Irã, confirmou que a primeira das duas explosões foi causada por um homem-bomba, mas disse que as investigações sobre a segunda explosão ainda estão em andamento.
Inicialmente, líderes iranianos culparam Israel pelo ataque, alimentando o temor de que a guerra em Gaza se transformasse em um conflito regional. Mas as autoridades ocidentais lançaram dúvidas sobre essa teoria, dizendo que, embora se acredite que Israel tenha realizado regularmente operações secretas no Irã, elas geralmente foram operações direcionadas contra indivíduos específicos, cientistas ou autoridades, ou ataques para destruir instalações nucleares ou de armas.
As alegações do Estado Islâmico também contrastam com os relatos iniciais do Irã de que as bombas foram colocadas em dois sacos e detonadas remotamente ao longo da estrada para o cemitério em Kerman, por onde passavam milhares de pessoas que participavam da homenagem a Soleimani.
Afiliadas do EI
As autoridades americanas, no entanto, disseram que era improvável que a intenção do Estado Islâmico fosse incriminar Israel pelos atentados ou desencadear uma guerra mais ampla. Em vez disso, provavelmente estava aproveitando uma oportunidade para atingir um inimigo: o EI, um grupo islâmico sunita, há muito tempo se opõe ao Irã, que tem um governo islâmico xiita e lidera, financia e arma uma aliança de grupos xiitas em todo o Oriente Médio — incluindo o Hamas, que governa a faixa de Gaza e contra quem Israel trava uma guerra desde 7 de outubro.
O Estado Islâmico classifica os xiitas como hereges e já realizou vários ataques contra povos que seguem a outra vertente da religião, principalmente no Iraque. O EI reivindicou a responsabilidade por vários ataques anteriores no Irã, incluindo o mais recente, em outubro de 2022, quando um homem armado matou 13 pessoas em um santuário na cidade de Shiraz. As agências de inteligência iranianas também já disseram ter frustrado uma série de conspirações jihadistas em seu território.
Mick Mulroy, funcionário do Pentágono no governo do ex-presidente dos EUA Donald Trump, disse que o Estado Islâmico "não perdeu o interesse" pelo Irã, "mas parece ser um momento estranho para lançar um ataque com o atual conflito em Gaza e o apoio unificado dos muçulmanos aos palestinos.
Colin Clarke, analista de contraterrorismo do Soufan Group, uma empresa de consultoria de segurança sediada em Nova York, suspeita que a afiliada Khorasan do Estado Islâmico, também conhecida como ISIS-K (na sigla em inglês), sediada no Afeganistão, seja a provável autora do ataque.
— O ISIS-K demonstrou a intenção e a capacidade de atacar alvos dentro do próprio Irã — afirmou Clarke ao New York Times. — O ISIS-K quer atacar o Irã, porque Teerã é a potência xiita mais proeminente e a ira da agenda altamente sectária do ISIS-K. Mais do que outras ramificações do ISIS, a propaganda do ISIS-K se concentra continuamente em difamar os xiitas como apóstatas.
A declaração do Telegram não especificou a afiliada do Estado Islâmico por trás dos atentados.
Desde que o califado autodeclarado do Estado Islâmico foi derrotado em 2019, várias facções assumiram as terras que antes faziam parte de seu domínio, segundo relatório publicado em julho de 2022 pelo International Crisis Group, um centro de pesquisas ocidental especializado em crises globais.
"O Estado Islâmico está aproveitando as divisões entre esses atores para fortalecer suas forças e aumentar seus contingentes", afirma o documento. "No centro da Síria, ele treina a maioria de seus novos recrutas; no nordeste, reúne fundos e armazena suprimentos; e no noroeste, mantém esconderijos para comandantes de nível médio e sênior."
Luto nacional
O Irã realizou um dia de luto nacional nesta quinta-feira para homenagear as vítimas das explosões, que ocorreram não apenas em um momento tenso no Oriente Médio — um dia após o assassinato no Líbano do número 2 da ala política do Hamas, que é apoiado por Teerã —, mas também em uma data altamente simbólica para alguns iranianos, o quarto aniversário da morte do general Soleimani. O poderoso líder militar, considerado uma força maligna no Ocidente, é reverenciado por muitos iranianos, especialmente por aqueles que apoiam o governo.
Na quarta-feira, as autoridades iranianas estimaram em 103 o número de mortos nas duas explosões. Mas o ministro do Interior, Ahmad Vahidi, disse nesta quinta que 84 haviam sido mortos, de acordo com a Tasnim, uma agência de notícias semioficial. Ele ponderou, no entanto, que o número de vítimas fatais poderia aumentar novamente devido à condição grave de alguns dos feridos. Um total de 284 pessoas foram feridas nas explosões.
Os líderes do Irã continuaram a denunciar o que chamaram de "ataque terrorista" e prometeram punir os autores. Mas, até o momento, eles não intensificaram sua retórica contra Israel.
"O ato cego e rancoroso foi para induzir a insegurança no país e se vingar do amor e da devoção da grande nação do Irã, especialmente da zelosa geração jovem, ao mártir Qassem Soleimani", dizia uma declaração da Guarda Revolucionária Islâmica nesta quinta-feira, de acordo com a Fars, outra agência de notícias semioficial do Irã.
O Corpo da Guarda Revolucionária é o poderoso aparato de segurança militar onde o general Soleimani atuava como chefe da Força Quds de elite, que lidava com operações no exterior, especialmente no Oriente Médio.
Seis autoridades israelenses, que falaram sob condição de anonimato ao New York Times para discutir tais assuntos de inteligência, negaram veementemente que Israel tivesse qualquer papel no ataque.