DEFESA

Um presidente dos EUA pode assassinar o rival político? Juízas põem em xeque argumento de imunidade

Processo de apelação, que eventualmente deve chegar à Suprema Corte dos EUA, é central em definir quando ou se Trump será julgado a partir de março na ação judicial de interferência eleitoral

Donald Trump - Tannen Maury/AFP

Três juízas de uma corte de apelação expressaram nesta terça-feira (9) ceticismo sobre o argumento central da defesa do ex-presidente republicano Donald Trump (2017-2021) em um caso que o acusa de conspirar para reverter os resultados da eleição de 2020: de que ele teria imunidade em relação às acusações pelo fato de elas se referirem a ações feitas quando presidente.

A parte central da tese legal da defesa de Trump é de que ex-presidentes estão protegidos contra processos legais se não há, primeiramente, um impeachment e condenação pelo Congresso.

Durante a audiência, as juízas da Corte de Apelações dos EUA para o Circuito do Distrito de Columbia puseram em xeque essa ideia questionando de forma firme um dos advogados de Trump se ela permitiria hipoteticamente a um presidente americano vender perdões ou mesmo assassinar oponentes políticos.

Ao mesmo tempo, as juízas também questionaram se têm jurisdição para decidir sobre a questão da imunidade nesse ponto do processo — a previsão é de que Trump, que já se declarou inocente, vá a julgamento em março.

A equipe do promotor especial Jack Smith, que investiga o presidente, argumentou que nenhum líder está acima da lei, alertando que permitir que a imunidade presidencial seja um escudo contra processos poderia abrir um precedente irrefreável e que seria "terrivelmente assustador" não haver nenhum mecanismo criminal para impedir que um futuro presidente tente usurpar votos e se manter no poder.

O ritmo e o resultado desse processo de apelação, que eventualmente deve chegar à Suprema Corte dos EUA, serão centrais em definir quando — ou mesmo se — Trump será julgado a partir de março na ação judicial de interferência eleitoral, que corre na Corte do Distrito Federal em Washington.

A apelação também pode acabar determinando o tempo de execução de outros três julgamentos criminais que serão enfrentados por Trump nos próximos meses.

Primeiro presidente réu
Em um momento difícil para o ex-presidente, que estava presente mas não falou durante a audiência, a juíza Karen L. Henderson — a única republicana indicada para compor o painel triplo — rebateu o argumento do advogado D. John Sauer de que, em mais de 200 anos, cortes americanas nunca aceitaram julgar ações de um presidente enquanto estavam no cargo. Henderson pontuou que, até Trump virar réu, as cortes nunca tiveram de consider a responsabilidade criminal de ex-presidentes pelo que fizeram na Casa Branca.

Henderson também mostrou-se irredutível ao argumento de Sauer de que Trump atuou em seu papel presidencial e respeitou seu dever constitucional de preservar a integridade da eleição quando tentou reverter sua derrota para o democrata Joe Biden.

— Me parece um paradoxo dizer que seu dever constitucional de ''garantir que as leis sejam executadas fielmente'' lhe permita violar a lei criminal — afirmou.

Enquanto também houve pressão sobre James I. Pearce, advogado que representa o promotor Smith, os questionamentos foram menos agressivos. Após cerca de uma hora e 15 minutos, a audiência foi interrompida, com o retomada prevista para uma data não especificada.

Assassinato de rival político?
A juíza Florence I. Pan apresentou ao advogado de Trump situações hipotéticas, questionando se a tese de imunidade também se aplicaria a um presidente vender perdões a criminosos ou segredos militares a um Estado inimigo. Também indagou se um presidente poderia ser acusado criminalmente por ordenar o Time 6 dos SEAL — unidade de elite da Marinha americana — a assassinar um rival político.

— Poderia um presidente ordenar o assassinato de um rival político? Isso é um ato oficial, uma ordem ao Time 6 dos SEAL?

— Antes de um processo criminal, ele teria de ser rapidamente impedido de ocupar o cargo e condenado — disse Sauer, insistindo no argumento da necessidade de primeiramente haver um "processo político".

— É uma questão de 'sim' ou 'não' — respondeu Pan.

— Se sofrer impeachment e for condenado primeiramente [pelo Congresso] — insistiu.

Ao se dirigir à corte, Pearce, da equipe de Smith, recorreu ao exemplo apresentado pela juíza Pan para dizer que seria uma perspectiva aterrorizante que um presidente pudesse usar as Forças Armadas para assassinar um rival e então escapar da responsabilização criminal por simplesmente renunciar antes de sofrer um impeachment.

Pearce evitou uma questão de uma das juízes questionando se uma decisão negando imunidade a Trump poderia desatar uma série de acusações partidárias contra futuros presidentes, argumentando que o caso do republicano era singular já que ele foi o único presidente na História dos EUA a já ser acusado formalmente de um crime.

Como nenhum outro ex-presidente foi alvo de processos judiciais nos EUA, há poucos precedentes definitivos que possam servir de guia para as juízas de apelação em decidir a questão da imunidade. Embora o Departamento de Justiça há muito tempo mantenha a política de que presidentes em exercício não podem ser processados, a alegação de Trump de que tem direito à imunidade total é uma tentativa notável de tentar reivindicar as proteções da Presidência mesmo já fora do cargo.

Mas conseguir vencer a apelação sob esse argumento é apenas um dos objetivos de Trump. Ele também espera que o litígio possa consumir tempo suficiente para adiar o julgamento sobre a eleição de março para depois do dia da eleição, em 5 de novembro. Se ele conseguir vencer e voltar à Casa Branca, ele poderia ordenar que as acusações contra ele fossem derrubadas ou tentar se autoperdoar.