BRASIL

Em reunião, empresário contou ter pagado R$ 450 mil para retomar terreno invadido por milícia no Rio

Em reunião a portas fechadas na sede da Firjan empreiteiros relataram as extorsões praticadas por organizações criminosas às empresas da Construção Civil

Ministério Público do Rio de Janeiro - Fernando Frazão/Agência Brasil

Em 8 de novembro do ano passado, a pedido do setor da construção civil, o ministro da Justiça, Flávio Dino, e o secretário-executivo do ministério, Ricardo Cappelli, participaram de um encontro a portas fechadas com empreiteiros na sede da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), no Centro. A pauta era sobre a cobrança de “taxa” por bandidos em obras no estado. Dino esteve apenas na abertura do evento, cabendo a Cappelli ouvir os pleitos dos empresários. Um deles contou ter pago R$ 450 mil a milicianos para retomar um terreno que havia comprado.

No mês seguinte, a PF e o Ministério Público do Rio (MPRJ) fizeram uma operação contra a milícia da Zona Oeste, acusada de cobrar “taxas” de obras públicas e privadas. Cinco pessoas foram presas. Mas isso não intimidou os bandidos, que esta semana cobraram R$ 500 mil da obra do Parque Piedade, um projeto do governo municipal na Zona Norte do Rio.

Anteontem, dois meses após o encontro na Firjan, o prefeito Eduardo Paes recorreu à Polícia Federal e a Cappelli ao denunciar a cobrança de Em resposta, o secretário-executivo informou ontem, em uma rede social, que a PF entrou em contato com a equipe da prefeitura para colher informações. “É inaceitável que criminosos dominem territórios e cobrem taxas de empresas e na casa de moradores. Vamos agir”, escreveu.

‘Grupelho de Vagabundos’
"Nós vamos começar a explicitar sempre esse tipo de coisa quando acontecer. O território da cidade é do cidadão de bem, e a única força que existe é a força do Estado. Seja miliciano, traficante, o que for, já passou da hora de dar um basta".

O advogado André França, que representa o consórcio responsável pela implantação do Parque Piedade, disse à TV Globo que muitos operários não foram trabalhar ontem após a divulgação da ameaça. Segundo ele, isso pode levar à redução do ritmo da obra. Contou ainda que os bandidos que fizeram a cobrança estavam de moto e com capacete.

"O contato nunca é direto, assertivo, é sempre intimidatório, à distância", disse França. "Eles pedem dinheiro, sempre dinheiro. Inicialmente, quantias que chegaram a R$ 1 milhão, e na última ocasião, R$ 500 mil. As empresas nunca pagaram".

A reunião na Firjan era para discutir medidas de combate a essas extorsões. O grupo se encontrou na sala da presidência, no 12° andar da sede, onde permaneceu por cerca de meia hora, e depois foi para uma sala no quarto andar. Dino recepcionou os empreiteiros e saiu, em seguida, para um almoço. Cappelli conduziu o encontro, do qual participaram representantes de dez grandes empreiteiras e do Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscon), além do superintendente da Polícia Federal no Rio, Leandro Almada.

O clima foi de tensão. Os empresários estavam irritados com as ameaças e as perdas financeiras. Houve relatos de pagamentos de R$ 10 mil a R$ 100 mil, dependendo do tamanho da obra. Os bandidos ameaçam fazer saques nos canteiros e quebrar equipamentos caso as “taxas” não sejam pagas. Alguns acrescentaram que indústrias também estão sendo extorquidas — nesses casos, os criminosos afirmam que o dinheiro é em troca da segurança dos funcionários, para evitar que eles sejam “assaltados” no entorno do local de trabalho.

O caso mais emblemático relatado foi o do empresário de uma construtora com forte atuação em obras públicas no Rio. Ele contou que foi obrigado a entregar um terreno para a milícia na Zona Oeste da cidade. Depois, teve que pagar R$ 450 mil — o mesmo valor da compra do imóvel — para ter a área de volta. Outra reunião para discutir o mesmo problema já tinha acontecido na Firjan.

Procurado, Cappelli disse que outras prefeituras também têm se queixado dessas extorsões.

"Alguns prefeitos do Rio me procuraram dizendo que não podem colocar nas obras placas informando os valores. Eles explicaram que, quando fazem isso, a milícia obriga as empreiteiras a pagar taxas abusivas. Quando se recusam, eles (os criminosos) mandam roubar o material da obra e fazem ameaça aos funcionários. Isso que aconteceu agora não é um caso isolado", afirmou.

Denúncia à Polícia Civil
O jornal O Globo procurou as prefeituras de São Gonçalo, Nova Iguaçu, Niterói, Seropédica e Queimados, que negaram qualquer ação de bandidos contra empresas. Itaguaí e Duque de Caxias não responderam.

O secretário de Ordem Pública do Rio, Brenno Carnevale, reuniu-se ontem com agentes da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas e Inquéritos Especiais (Draco) e do Grupo de Atuação Especializada no Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do MPRJ, para tratar sobre a denúncia do Parque Piedade. Um funcionário do consórcio também procurou a Polícia Civil para registrar o caso.

A Polícia Civil não informou se há outros inquéritos instaurados no estado para apurar casos de cobrança de “taxas” feita a empresas. A Polícia Militar divulgou apenas que “o combate a esses grupos criminosos é uma das prioridades do atual comando da corporação”.