CLIMA

"O Rio teve até sorte, poderia ter sido uma tragédia muito maior", afirma meteorologista

Diretor do Cemaden diz que embora nenhuma cidade esteja preparada para uma chuva como a que caiu no fim de semana, resignar-se não é uma opção

Chuvas atingem o Rio de Janeiro - Bruno Kaiuca/AFP

A tragédia do último fim de semana teria sido ainda pior se bairros com encostas íngremes e sujeitas a deslizamentos fossem os mais atingidos pela tempestade, afirma o meteorologista Marcelo Seluchi, diretor de operações do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). Ele diz que houve alerta 48 horas antes para o Estado do Rio de Janeiro, que a chuva de sábado foi muito forte, mas não a maior já registrada, e frisa que é preciso aumentar a resiliência aos extremos climáticos, cada vez mais frequentes e intensos.

Houve alerta para essa chuva?
Sim, 48 horas antes. Na quinta-feira, dia 11, alertamos ao Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres (Cenad), em nossa reunião diária, que havia risco de uma frente fria no sábado à tarde causar chuva muito forte nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. Na sexta-feira, chamadas pelo Cenad, as defesas civis desses estados participaram da reunião diária. O alerta maior foi para o Rio de Janeiro, especialmente as regiões Metropolitana e Serrana. Avisar a população não evita perdas materiais, mas salva vidas, porque pode prevenir a exposição ao risco. O trabalho não pode ser só de resposta ao desastre, deve ser de prevenção.

O que causou uma chuva tão forte?
Como em todo evento de chuva extrema, foi uma combinação de fatores. Nesse caso, o principal foi a chegada de uma frente fria forte. Ela se combinou às condições de calor e umidade intensos, que favorecem as tempestades convectivas, típicas do verão. Somado a isso, o oceano está muito quente, dois graus Celsius acima da média, jogando mais calor na atmosfera, combustível para temporais. E o Rio ainda teve a infelicidade de chover com mais intensidade justamente na hora da maré alta, o que dificultou o escoamento da água pelos rios e canais.

Por que essa chuva foi tão devastadora?
Porque choveu muito num curto período de tempo. Na Pavuna, por exemplo, foram registrados 238 mm em 24 horas. É muito. Porém, o mais grave é que destes 238 mm, 212 mm se acumularam em apenas seis horas.

Houve recorde de chuva em alguns bairros. O quão excepcional ela foi?
Foi muito forte, realmente extrema. Mas não foi a pior no Estado do Rio de Janeiro. Já aconteceram outras mais intensas e destrutivas. O exemplo mais gritante é a tragédia de Petrópolis, em 2022, que teve até algumas das condições parecidas, mas foi muito mais forte e localizada. E no município do Rio, em 2010 e 2019, tivemos chuvas terríveis, com acumulados e danos muito maiores. Recordes em bairros não querem dizer muita coisa.

Por quê?
A maioria das estações pluviométricas é recente, e o que inédito para um bairro não é necessariamente para a cidade. Mas foi uma chuva muito intensa, e podemos dizer até que o Rio teve sorte porque poderia ter sido uma tragédia muito maior se a tempestade tivesse se deslocado só um pouquinho.

O que poderia ter acontecido se isso acontecesse?
Ela caiu com mais força em áreas mais sujeitas a alagamentos, mas poupou as regiões de encostas íngremes e povoadas. Uma chuva dessas tem força para fazer desmoronar comunidades e matar muito mais gente.

Qual a capacidade de devastação de uma chuva como essa?
É imensa. Em Petrópolis (em 15 de fevereiro de 2022), choveu 4 mm por minuto. É volume registrado em furacões. No Rio, na noite de sábado passado, medimos 1 mm por minuto, quatro vezes menos, mas ainda assim uma barbaridade. Se chover 15 mm em 15 minutos, qualquer rua pode ser alagada. Uma chuva de 30 mm em uma hora inunda e paralisa uma cidade como São Paulo. E o risco da tempestade é potencializado pela falta de percepção de perigo pela população. Prova disso são os casos de afogamento ao tentar, por exemplo, atravessar ruas alagadas.

O quão perigoso é atravessar uma rua inundada?
Pode ser letal. Além do risco de cair em bueiros ou ser eletrocutado, é muito mais fácil do que parece se afogar numa enchente. Uma coluna de água de um metro quadrado com meio metro de altura pesa cerca de meia tonelada. É possível se afogar com meio metro de profundidade porque a água pesa muito, e uma pessoa não tem força para enfrentar uma correnteza. Mesmo um carro, que flutua, pode ser levado.

O que podemos esperar para os próximos meses?
Estamos só no início do verão, uma estação em que chuvas fortes são frequentes. O outono também tem eventos de tempestades muito graves.

E para os próximos dias?
Há previsão de uma nova frente fria para o próximo fim de semana, mas por enquanto não quer dizer muita coisa, e esse cenário pode mudar.

E o El Niño muda alguma coisa?
O El Niño é indiferente no que diz respeito às chuvas no Sudeste. Já as mudanças climáticas têm tornado todos esses eventos mais frequentes e intensos.

O prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, disse que nenhuma cidade está preparada para suportar chuvas (na faixa de 260 mm) como as que caíram sábado. O que é preciso fazer?

De fato, nenhuma cidade está. Mas se resignar não é uma opção. Se adaptar é uma questão de sobrevivência. É realmente muito caro e complexo reestruturar o sistema de drenagem de uma cidade, mudar o planejamento urbano, aumentar a resiliência. Mas é necessário fazer, e é preciso começar. Não basta consertar, é preciso transformar. As mudanças climáticas são uma realidade e, até agora, temos perdido as batalhas contra elas. Chuvas extremas vão continuar a se tornar cada vez mais frequentes. Vamos nos entregar?

E o que se pode fazer agora para reduzir desastres?
A gente não consegue acompanhar o ritmo da mudança do clima, mas existem coisas básicas que podem ser feitas logo, como desentupir bueiros, desassorear e limpar rios e canais, reflorestar encostas e margens de rios. Árvores ajudam a manter a água no solo. A população também precisa cuidar mais do próprio lixo. Rios não são lixeiras.