Como o Japão está enfrentando a falta de trabalhadores
Com envelhecimento da população, país terá lacuna de 11 milhões de pessoas no mercado de trabalho até 2040
O Japão está enfrentando uma escassez de mão de obra em atividades básicas, como motoristas, vendedores e recepcionistas, o que está levando governo e empresas a inovarem na "contratação" de funcionários. Em vez de trabalhadores de carne e osso, avatares e robôs é que têm preenchido as vagas, mostra reportagem do jornal britânico Financial Times.
De acordo com dados do Recruit Works Institute (RWI), haverá uma lacuna de 11 milhões de trabalhadores até 2040, em boa parte devido ao envelhecimento da população. O número de pessoas com idade acima de 65 anos - que já soma quase 30% do total de habitantes do país - deverá atingir seu pico em 2042.
"A escassez de mão de obra no Japão está ocorrendo independentemente de a economia estar indo bem ou não" disse Shoto Furuya, pesquisador-chefe do Recruit Works Institute, ao FT, ressaltando que o país está começando a ficar sem serviços essenciais dos quais depende para manter o estilo de vida das pessoas e a infraestrutura social.
A reportagem do FT aponta que, na última década, o Japão tem se apoiado em mulheres e trabalhadores idosos para preencher as vagas necessárias, já que há rigorosas restrições à contratação de trabalhadores estrangeiros.
No entanto, a partir deste ano, essa estratégia não será mais suficiente, e a força de trabalho do país começará a diminuir, segundo Naruhisa Nakagawa, fundador do fundo de hedge Caygan Capital.
Introduzir avatares, robôs e inteligência artificial na força de trabalho em setores importantes está sendo uma das maneiras com as quais o Japão está enfrentando esse desafio demográfico, diz o jornal britânico, ressaltando que a resposta da maior economia avançada da Ásia a essa crise de mão de obra será observada de perto, principalmente pela China, cuja população também começou a diminuir.
Oportunidades de negócios
A crise está sendo vista por alguns como uma oportunidade de negócio. É o caso de Daniel Blank, CEO da start-up Toggle, citado na reportagem do FT.
Blank viajou de Nova York para o Japão no ano passado para promover o uso de robôs industriais para automatizar a montagem de barras de reforço, o processo mais intensivo em mão de obra para empresas de construção civil, um dos setores mais atingidos pela escassez de trabalhadores.
O serviço de transporte também vem sendo afetado. As cerca de 4 milhões de máquinas de venda automática do Japão exigem um exército de motoristas de caminhão para mantê-las abastecidas. Cada vez mais, os intervalos entre as recargas estão aumentando, especialmente nas áreas rurais e até mesmo nas grandes cidades. O setor está correndo para se adaptar.
Um exemplo é a fabricante de biscoitos Lotte, que, para atenuar a falta de motoristas de caminhão devido às novas regras de horas extras, vai passar a fazer as entregas de seus produtos de trem ao invés de usar caminhões.
Outras empresas, como a montadora Toyota e o grupo de comércio eletrônico Rakuten, estão desenvolvendo robôs e veículos autônomos.
A Toyota começou a usar uma frota de "robôs de logística de veículos" para pegar e mover carros para a área de carregamento em sua fábrica de Motomachi, na província de Aichi, na região central do Japão. Com o tempo, diz o jornal, a montadora espera substituir 22 trabalhadores humanos no pátio por dez robôs.
No setor agrícola, como a população japonesa diminuiu e envelheceu, a escassez de mão de obra agrícola tornou-se terrível. Como 43% dos agricultores japoneses têm mais de 75 anos e a idade média é de quase 68 anos, a solução tem sido adotar uma força de trabalho robótica.
Avatar faz papel de recepcionista
A escassez de mão de obra forçou os varejistas e as lojas de conveniência japonesas, conhecidas como combini, a reduzir horários e serviços. E, por que não, lançar mão da tecnologia para aliviar o problema, mostra a reportagem o Financial Times.
Em uma pequena loja de conveniência no centro de Tóquio, que vende de pasta de dente a sanduíches de ovo e meias, um ''funcionário'' sorridente recebe os clientes na porta. Amável e animado, ele oferece saudações e conselhos a partir de uma tela de 1,80 m. O avatar recém-instalado é controlado remotamente por um funcionário da cadeia de varejo Lawsons e faz parte de um teste com a Avita, a empresa por trás da tecnologia.
"Começamos a pensar nisso durante a pandemia de Covid-19 como uma forma de proteger os trabalhadores e agora é uma maneira de permitir que as pessoas trabalhem que, de outra forma, teriam dificuldade de estar fisicamente presentes nas lojas" contou ao Financial Times Kazuki Tsukiuda, executivo sênior da Lawson.
Segundo Tsukiuda, no futuro, o plano é que cada operador - seja um pai ou mãe que trabalha, uma pessoa mais velha que retorna ao mercado de trabalho ou alguém com deficiência que prefere trabalhar em casa - controle três ou quatro avatares, permitindo que a rede varejista trabalhe em turnos noturnos e em localidades rurais.
Embora atualmente apenas oito unidades da Lawsons tenham avatares, a expectativa é ter 100.000 operadores de avatar trabalhando em todo o Japão até 2030, informou Shogo Nishiguchi, diretor de operações da Avita, ao jornal.
Segundo Tsukiuda, nas áreas rurais, lançar mão dos avatares é uma forma de manter as lojas abertas, pois, mesmo que dobrassem os salários, não há ninguém para contratar.
A contratação de estudantes estrangeiros, que podem trabalhar apesar das rígidas restrições de imigração do país, é outra opção. No entanto, alguns precisam de semanas de treinamento para atender as expectativas dos clientes, ressaltou o jornal.