CASO MARIELLE

Marielle Franco: saiba as menções a Domingos Brazão na investigação do caso

Delação do atirador Ronnie Lessa, que está preso, só pode ser homologada pelo STJ, o que indica que a pessoa que mandou executar parlamentar teria cargo público

Domingos Brazão - Reprodução/TV Globo

Com o anúncio do acordo de delação premiada do ex-policial militar Ronnie Lessa — acusado de ser o autor dos disparos contra a vereadora Marielle Franco (PSOL) e seu motorista, Anderson Gomes — um dos nomes que voltou aos holofotes foi o do conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio (TCE-RJ) Domingos Brazão. Entre as polêmicas e processos que coleciona em seus 25 anos de vida pública, já foram levantadas suspeitas de corrupção, fraude, improbidade administrativa, compra de votos e até homicídio. Seu nome passou a ser revisitado com a delação do também ex-PM Élcio de Queiroz, preso em 2018, suspeito de envolvimento no crime.

Antes de Lessa, a Polícia Federal já havia obtido a delação de outro ex-PM, Élcio de Queiroz, que admitiu ter dirigido o carro utilizado na emboscada à vereadora. Em seu acordo, Élcio chegou a citar o nome de Brazão como tendo envolvimento na morte de Marielle. Como ele tem foro privilegiado, há uma possibilidade de Lessa ter mencionado o nome de Brazão, já que a delação está na mesa do ministro Raul Araújo, do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Relação entre Brazão e o caso Marielle
A primeira vez em que Domingos Brazão se viu envolvido nas investigações do assassinato de Marielle foi após o depoimento do policial militar Rodrigo Jorge Ferreira, o Ferreirinha. Na ocasião, Ferreirinha acusou o então vereador Marcello Siciliano (PHS) e o miliciano Orlando Oliveira de Araújo, o Orlando Curicica, como sendo os mandantes do crime. A Polícia Federal desconfiou e concluiu, após investigação, que Ferreirinha e sua advogada, Camila Nogueira, faziam parte de organização criminosa cujo objetivo era atrapalhar as investigações sobre a morte da vereadora.

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu ao STJ que Brazão fosse investigado por suspeita de ter utilizado um policial federal aposentado, que era funcionário de seu gabinete no TCE-RJ, para levar Ferreirinha ao falso testemunho. A investigação apontou ainda indícios de ligação do conselheiro com o grupo conhecido como Escritório do Crime, que estaria envolvido na morte da vereadora. O interesse de Brazão e seu clã seria prejudicar Siciliano, que estaria decido a disputar influência na Zona Oeste, região que tradicionalmente seria domínio de sua família. Em 2018, O GLOBO mostrou que tanto o grupo de Brazão quanto o de Siciliano apresentaram projetos de lei que poderiam favorecer a expansão de construções irregulares na Zona Oeste. Marielle vinha atuando em projetos de regularização fundiária na área, o que poderia estar incomodando o grupo.

Vazamento de operação
Documentos apreendidos no apartamento de Jomar Duarte Bittencourt Junior, o Jomarzinho, em julho de 2023, revelam vínculos dele com a família do conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE) Domingos Brazão. Jomarzinho é apontado como um dos responsáveis pelo vazamento de informações sobre uma operação em 2019 contra envolvidos no caso.

Jomarzinho aparece, por exemplo, numa foto com Lúcia Brazão, irmã do conselheiro, na Câmara dos Vereadores. No rodapé da fotografia, há ainda os retratos de outros dois irmãos, Chiquinho e Pedro Brazão, com a data de 2 de agosto do ano passado, quando ambos foram agraciados com a medalha Pedro Ernesto, a maior comenda da Casa. À época, eles eram deputados federal e estadual, respectivamente. No dia da solenidade, Domingos e Jomarzinho estavam presentes.

'Investigação da investigação'
Brazão já havia sido investigado, antes da delação, pela Delegacia de Homicídios da Capital (DHC), pelo Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Rio e pela própria Polícia Federal, mas nada havia sido efetivamente provado contra ele. A PF, nesse caso, tentou descobrir se a Polícia Civil do Rio foi diligente na apuração da primeira parte do caso Marielle, ação batizada de “investigação da investigação”. Em 2019, um relatório de 600 páginas foi produzido pelo delegado Leandro Almada, atualmente, superintendente da Polícia Federal do Rio.

Após intensa apuração, Almada comprovou que houve uma farsa montada para incriminar o miliciano Orlando Oliveira de Araújo, o Orlando da Curicica, como executor, e o então vereador Marcello Siciliano (PHS), que chegaram a ser investigados pela execução da parlamentar. O relatório apontou que o então policial militar Rodrigo Jorge Ferreira, o Ferreirinha, se apresentou como testemunha para criar uma versão falsa contra Curicica, que foi seu ex-chefe. O objetivo era ficar com o território do miliciano, após sua prisão. Coube a três delegados da Polícia Federal, que sequer estavam investigando o crime contra Marielle e Anderson, apresentar Ferreirinha aos delegados da Polícia Civil. A farsa foi desmantelada. Ferreirinha respondeu por crime de obstrução à Justiça.

Obstrução de Justiça
Em março de 2023, a Justiça do Rio rejeitou a denúncia contra Brazão pelo crime de obstrução de Justiça. A decisão foi do juiz Andre Ricardo de Franciscis Ramos, da 28ª Vara Criminal, que seguiu o pedido do MPRJ. A denúncia havia sido apresentada ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 17 de setembro de 2019 por Raquel Dodge, em seu último dia como procuradora-geral da República. A procuradora denunciou cinco pessoas por embaraço a investigação de organização criminosa (obstrução de justiça); favorecimento pessoal; imputar falsamente, sob pretexto de colaboração com a Justiça, a prática de infração penal a pessoa que sabe ser inocente; e falsidade ideológica. Em 2020, o caso foi para Tribunal de Justiça do Rio porque o ministro Raul Araújo, relator do caso no STJ, declinou da competência.

Brazão sempre teve na Zona Oeste seu reduto eleitoral, especialmente em Jacarepaguá, bairro onde nasceu. Em 2011, chegou a ter o mandato cassado pelo Tribunal Regional Eleitoral do Rio (TRE-RJ) por suposta compra de votos por meio do Centro de Ação Social Gente Solidária, ONG vinculada ao deputado e onde ocorreria prática de assistencialismo, de acordo com a acusação. Com liminar conseguida no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ele conseguiu manter o mandato.

Antes, em 2004, uma gravação indicara envolvimento de Brazão e do ex-deputado Alessandro Calazans com a máfia dos combustíveis. O caso envolvia licenças ambientais da Feema para funcionamento de postos de gasolina. Em 2014, a radialista e então deputada estadual Cidinha Campos processou Domingos Brazão por ameaça. Durante uma discussão pública, Brazão teria dito que “já matou vagabundo, mas vagabunda ainda não”, fazendo referência à deputada.

O homicídio ao qual Brazão fez referência teria ocorrido quando ele era jovem. Segundo o ex-deputado, ele foi absolvido porque o caso foi entendido como legítima defesa. “Matei, sim, uma pessoa. Mas isso tem mais de 30 anos, quando eu tinha 22 anos. Foi um marginal que tinha ido a minha rua, em minha casa, no dia do meu aniversário, afrontar a mim e a minha família. A Justiça me deu razão”, contou Brazão à época da briga com Cidinha Campos.

Prazo para solução
Agora, como superintendente da PF, Almada colocou o Gise para chegar ao mandante do crime, após receber a missão do então ministro da Justiça Flávio Dino e do presidente Lula. Há cerca de duas semanas, o diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, deu o prazo até março para a solução do caso. A informação reforçou a hipótese de a delação de Lessa já estar em andamento. Além de Brazão e Siciliano, a Polícia Civil investigou o ex-bombeiro e ex-vereador Cristiano Girão.

Procurado pelo Globo nesta segunda-feira, após o anúncio de que a delação de Lessa está no STJ, o conselheiro Domingos Brazão disse estar confiante na Justiça:

— Depois das famílias de Marielle e Anderson, posso garantir que os maiores interessados na elucidação do caso somos eu e minha família. Tenho fé que, se houver mesmo essa delação, que, graças a Deus, isso termine logo.