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Em meio a novos bombardeios, houthis ordenam que americanos e britânicos deixem o Iêmen

Carta enviada a representante da ONU para o país estipula prazo de 30 dias para saída; marinha dos EUA afirma ter interceptado possíveis ataques contra navios comerciais

Combatente houthi em veículo com bandeira da Palestina durante protesto contra Israel - Mohammed Huwais / AFP

No momento em que os EUA e o Reino Unido realizam novos bombardeios contra posições da milícia houthi no Iêmen, como forma de tentar conter ataques a embarcações comerciais no Mar Vermelho, o grupo apoiado pelo Irã não dá sinais de que vá ceder: nesta semana foi emitida uma ordem para que todos os cidadãos americanos e britânicos deixem o país.

No texto, enviado pelo Ministério das Relações Exteriores dos houthis ao coordenador humanitário da ONU no Iêmen, Peter Hawkins, o grupo estipula um prazo de 30 dias para que funcionários britânicos e americanos da ONU e de outras agências de ajuda deixem o país. Além disso, foi vetada a contratação de novos profissionais dessas nacionalidades. Não foi dada uma justificativa para a decisão.

O escritório de Hawkins, que é britânico não se pronunciou. O porta-voz do secretário-geral da ONU, Stéphane Dujarric, confirmou o recebimento da mensagem, afirmando que o pedido de retirada de pessoas com base em sua nacionalidade "contradiz as normas" aplicadas à organização.

— Isso também atrapalha nossa capacidade para cumprir nosso mandato para ajudar toda a população do Iêmen — pontuou Dujarric, citado pela AFP.

A embaixada dos EUA no Iêmen não quis comentar o caso, enquando a representação do Reino Unido declarou, em comunicado, que a ONU presta assistência vital ao povo iemenita através das mesmas rotas marítimas que os houthis estão ameaçando, e que "nada deve ser feito para atrapalhar essa capacidade de entregar" ajuda.

Desde os primeiros dias da guerra entre Israel e Hamas em Gaza, os houthis, que controlam parte do Iêmen e são apoiados financeiramente e militarmente pelo Irã, têm realizado ataques contra embarcações comerciais que transitam pelo Mar Vermelho, uma das mais movimentadas rotas marítimas do planeta, por onde passam 12% das exportações globais.

Segundo o grupo, as ações são uma forma de apoiar a "resistência" em Gaza, e têm como alvos navios de bandeira ou propriedade de empresas de Israel, ou que tenham como destino portos israelenses, mesmo que seja uma passagem rápida. Em novembro, um navio cargueiro chegou a ser capturado pela milícia, em uma ação cinematográfica que contou com um helicóptero.

Com tantos riscos, em uma área que era conhecida anteriormente pelos ataques de piratas da Somália, seguradoras elevaram os preços cobrados das embarcações que tinham o Mar Vermelho em suas rotas, elevando com isso o valor do frete. Algumas gigantes do setor de transporte marítimo, como a dinamarquesa Maersk, chegaram a interromper suas operações por alguns dias depois de ataques ou tentativas de ataques, e não foram poucos os que tomaram uma decisão ainda mais drástica: contornar a África para ligar a Europa à Ásia e Oriente Médio.

Segundo a agência Reuters, o tráfego de cargueiros pelo Mar Vermelho foi o mais afetado pelos ataques, enquanto o número de embarcações de transporte de petróleo e gás, oriundas do Golfo Pérsico, praticamente não sofreu alterações. Os houthis afirmam que entram em contato com as tripulações assim que elas cruzam o Estreido de Bab el-Mandeb, que dá acesso ao Mar Vermelho, e concedem ou não autorização, dependendo da bandeira e destino. As principais empresas de navegação negam qualquer tipo de acordo do tipo com os rebeldes.

Novos ataques
Mas com tantos interesses estratégicos e econômicos em jogo — estima-se que, por ano, cerca de US$ 1 trilhão em cargas passem pelo Mar Vermelho por ano —, países como os EUA e o Reino Unido, que já realizam patrulhas regulares na área, resolveram elevar o tom Em dezembro, Washingtion lançou, com mais 11 nações, uma coalizão naval para tentar proteger os navios comerciais, mas elevou o tom em janeiro, quando, ao lado dos britânicos, passou a lançar ataques aéreos contra posições houthis dentro do próprio Iêmen. O último ataque ocorreu na madrugada desta quarta-feira, atingindo oito posições em áreas sob controle dos houthis.

Os resultados, até agora, não são exatamente claros. Os EUA, apesar de apontarem a destruição de míseis e mecanismos de lançamento nos bombardeios, reconhecem que muitos dos equipamentos usados pelos rebeldes são portáteis e de fácil deslocamento. Ao longo dos últimos anos, o país tampouco esteve entre as prioridades dos serviços de inteligência ocidentais, dificultando o trabalho de determinar alvos importantes. Na semana passada, o presidente Joe Biden, apesar de declarar que os bombardeios continuarão, afirmou que eles não vão parar os houthis.

De fato, a percepção de Biden foi mais uma vez confirmada nesta quarta-feira, quando a Marinha dos EUA interceptou uma tentativa de ataque contra dois navios da empresa Maersk, que levavam cargas do governo americano — com o início dos bombardeios, os houthis também passaram a atacar embarcações ligadas aos EUA e ao Reino Unido. No caso da ação desta quarta, não foram registrados estragos, mas a Maersk ordenou a suspensão do tráfego de seus navios no Mar Vermelho.

Mais cedo, a agência marítima britânica noticiou uma explosão a cerca de 100 metros de uma embarcação comercial que passou pelo estreito de Bab el-Mandeb. Não foram registrados estragos, mas as suspeitas recaíram sobre os houthis. Sempre que criticado pelos ataques, o grupo diz que vai interromper as ações assim que um cessar-fogo for declarado na Faixa de Gaza.

Segundo o jornal Financial Times, além dos bombardeios e patrulhas navais, os EUA devem abrir uma nova frente diplomática para conter os houthis: a publicação afirma que diplomatas americanos querem que a China pressione o Irã para convencer o grupo a suspender os ataques. O tema chegou a ser abordado pelo secretário de Estado, Antony Blinken, com diplomatas chineses, mas até agora não há sinais de que Pequim planeje algo além de notas de "preocupação" com a situação.

— Acho que o que eles calcularam é que essa é uma crise que está afetando os EUA e seus parceiros, e não teve um impacto significativo na navegação chinesa — disse ao Financial Times Suzanne Maloney, chefe de estudos de Relações Exteriores da Brookings Institution.