Alceu Valença canta o seu Carnaval em duetos no álbum "Bicho Maluco Beleza"
Novo trabalho traz hits momescos que o artista interpreta junto a nomes como Ivete Sangalo, Maria Bethânia, Lenine, Lia de Itamaracá e Almério
Há algumas décadas, Alceu Valença se tornou sinônimo de Carnaval. Sua presença já é tradicional e “obrigatória” na Folia de Momo em Olinda (na abertura oficial da festa) e no Recife (no encerramento), além de também espalhar por outros locais do Brasil a instigação carnavalesca que só Pernambuco tem.
Frevos, maracatus, cocos, cirandas são a base do repertório de Alceu, que resgata suas reminiscências de São Bento do Una, de Recife e de Olinda e imprime visceral e amorosamente em sua obra.
A relação de Alceu com o Carnaval é tão forte que neste ano – mais precisamente hoje, sexta-feira, 26 de janeiro – ele lançou, nas plataformas digitais, o álbum “Bicho Maluco Beleza - É Carnaval”, pela gravadora Deck, com um repertório de seus hits carnavalescos, em duetos com importantes nomes da música brasileira, como Ivete Sangalo, Maria Bethânia, Lenine, Lia de Itamaracá, Elba Ramalho, Geraldo Azevedo, além dos jovens Almério e Juba (da linhagem dos Valença, filho de Alceu).
Alceu e o Carnaval
Alceu Valença nunca chegou a ser um folião propriamente dito, desses que vai para o meio do “fervo”, se esbaldar. Apesar de ser uma espécie de “capitão do Carnaval pernambucano”, a sua relação com o gênero se deu de forma mais lúdica, poética e de encantamento de quem olha de fora.
Em entrevista para a Folha de Pernambuco, o artista conta que sua lembrança mais remota do Carnaval é de quando morava no Recife, ainda criança.
“A coisa que mais me marcou no Carnaval, na minha infância (por volta dos sete anos), foi quando eu morava na rua dos Palmares, e na frente, vizinha à minha casa, tinha a casa do maestro Nelson Ferreira. Era Nelson Ferreira do lado direito, e do lado esquerdo, o grande poeta Carlos Pena Filho”, relembra.
“Essa rua não tinha nem calçamento à época, até fiz uma poesia depois de muitos anos, em que digo que era uma rua “carnavalódroma”, por onde passavam os blocos de frevo, de maracatu, de caboclinho, blocos líricos (...) esses blocos passavam para ir para o centro do Recife.”
Outro momento que marca sua admiração pelo Carnaval são as festas promovidas pelo Clube Náutico Capibaribe, onde Alceu, por volta dos 12 anos de idade, treinava basquete. “Às vezes, a gente ia para o clube para assistir ao Carnaval. Tinha, por exemplo, a orquestra do maestro Clóvis Pereira”, comenta.
E a Rua do Imperador Dom Pedro II – popularmente “Rua do Imperador”, no Recife – também entrava no roteiro. “Eu ia também. Eu não era de entrar no bloco, não era de me fantasiar, mas, eu ficava curtindo, assistindo aos blocos e as orquestras que tocavam.”
Cantando o Carnaval
Mesmo sem ser um folião no sentido estrito da palavra, o Carnaval – mais particularmente, o frevo – figura na obra de Alceu desde a sua estreia fonográfica, em 1972, no disco em parceria com Geraldo Azevedo – conhecido popularmente como “Quadrafônico”.
Lá, está “Cordão do Rio Preto”, frevo cuja composição Alceu atribui a Carlos Fernando ou a Geraldo Azevedo, mas no Instituto Memória Musical Brasileira (IMMuB) consta como sendo do próprio Alceu.
Em 1975, ele lança, pela Som Livre, um compacto com o frevo “O Homem da Meia-Noite”, parceria sua com Carlos Fernando, idealizador do projeto Asas da América, que surgiria anos depois, propondo uma renovação do frevo, com artistas nacionais cantando novos frevos à época. Alceu entre eles.
Na sua discografia, Alceu começou a enveredar pelo frevo com maior frequência a partir do disco “Estação da Luz” (1985). Lá, já estão presentes “Chego Já” (de Alceu) e “Bom Demais” (J. Michiles). Na sequência, no disco “Rubi” (1986), outra de J. Michiles: “Me Segura que Senão Eu Caio”.
Daí para frente, a relação “Alceu-Carnaval” foi se estreitando exponencialmente, ao ponto de torná-lo um dos baluartes da festa em Pernambuco, sendo, inclusive, um dos homenageados do Carnaval do Recife em 2012; e fora de Pernambuco também, com o Bloco Bicho Maluco Beleza, que, em 2023, arrastou 600 mil pessoas no Parque do Ibirapuera, em São Paulo.
“Bicho Maluco Beleza”, o disco
Assim como o bloco, o novo álbum de Alceu ganhou o nome de uma das músicas de J. Michiles. Originalmente um galope, "Bicho Maluco Beleza" tornou-se um frevo poderoso no repertório do cantor. É com ela que Alceu costuma abrir seus shows de Carnaval. E que é a cara do Carnaval de rua!
“Bicho Maluco Beleza - É Carnaval” foi produzido por Tovinho – músico de Alceu há vários anos – e conta, pela primeira vez, com a guitarra que não é de Paulo Rafael (falecido em 2021). Quem assumiu o instrumento foi o músico Zi Ferreira.
O grande trunfo do álbum são os duetos de Alceu com grandes nomes da MPB. O disco abre com a faixa-título, em que Alceu divide as vozes com Ivete Sangalo, uma das “rainhas da axé music”, mas, também, das mais versáteis cantoras brasileiras.
No frevo lírico “De Janeiro a Janeiro” não poderia ser outra a cantar com Alceu que não Maria Bethânia, outra baiana. A elegância do frevo lírico cai como uma luva na voz da santamarense, que já havia gravado, de Alceu, a canção “Na Primeira Manhã”. Pela primeira vez, eles terçam vozes.
Em “Diabo Louro”, Alceu canta com o filho Juba. “Ele morou aqui [em Olinda] muito tempo. Quando ele era pequenininho, ele cantava frevos, ele adorava ir pra janela pra cantar.”
“Bom Demais” vem com o galego Lenine, “pernambucano-carioca” que também é figura cativa dos carnavais pernambucanos. Em “Caia Por Cima de Mim”, parceria de Alceu com Don Tronxo, ele encontra sua velha amiga e companheira de geração Elba Ramalho.
Na já citada “Homem da Meia-Noite”, é a vez de Almério cantar com Alceu. “[Que vem] desse movimento maravilhoso que está acontecendo em Pernambuco. Aí, você vai encontrar Martins, Juliano Holanda, você vai encontrar Flaira Ferro. Essa turma jovem que tá se lançando aí… E a história de eles se juntarem é muito bacana”, exalta Alceu sobre a nova geração que ele espera que leve à frente o Carnaval.
Apenas duas faixas do disco são cantadas apenas por Alceu: “Maracatu” e “Luar de Prata”.
No pot-pourri cirandeiro “Quem me Deu Foi Lia/Moça Namoradeira/Janaína”, canta com Alceu ninguém mais ninguém menos que Lia de Itamaracá. E encerrando o disco, o velho amigo e compadre Geraldo Azevedo, cantando “Táxi Lunar” em frevo.