ECONOMIA

Gol pede recuperação judicial. Por que a aérea entrou em crise? O que muda para passageiros? Entenda

Companhia recorre à Justiça nos EUA e afirma contar com financiamento de US$ 950 milhões

Gol - Divulgação

Um dia após o governo federal anunciar que terá um pacote de ajuda a empresas aéreas — com um fundo para crédito de até R$ 6 bilhões —, a Gol Linhas Aéreas ingressou na Justiça dos Estados Unidos com pedido de proteção contra credores. Com uma dívida de R$ 20 bilhões, a companhia recorreu ao Chapter 11, mecanismo similar ao da recuperação judicial brasileira.

Ao protocolar seu pedido, a Gol garantiu contar com compromisso de um financiamento no valor de US$ 950 milhões (R$ 4,7 bilhões), a ser feito por grupo de detentores de títulos de dívida do Abra Group, holding controladora da companhia e também da colombiana Avianca.

Por que a aérea resolveu fazer isso?
A Gol afirma estar recorrendo ao Chapter 11 para reestruturar suas obrigações financeiras de curto prazo e fortalecer sua estrutura de capital no longo prazo.

Foi uma queda de braço com os arrendadores de aviões que levou a Gol à Justiça. A escolha por fazer isso nos EUA, diz o CEO da companhia, Celso Ferrer, vem do fato de a maioria deles responder à Justiça americana.

Os voos com passagens vendidas serão afetados?
A empresa afirma que todas as operações, incluindo o programa de fidelidade Smiles e acordos com outras aéreas, seguem normais.

— A decisão de entrar (com o processo) é para garantir que a companhia tenha a estrutura de capital correta para enfrentar os desafios da indústria de aviação — explicou Celso Ferrer em teleconferência com jornalistas no início da noite de ontem. —Todos os voos seguem operando como programados, as vendas estão mantidas, é a mesma Gol.

O CEO da Gol fez questão de frisar que as operações na empresa, que conta com 14 mil funcionários, serão mantidas normalmente e que não há previsão de demissões:

— Não há previsão de redução de operação, de pessoal ou do número de bases que a Gol tem hoje. Estamos recorrendo ao Chapter 11 justamente para proteger (a empresa) de qualquer ação que possa ser tomada pelos arrendadores de aeronaves. Enquanto isso, temos tempo e condições para que as negociações sejam realizadas.

A Gol tem 143 aviões em sua frota, todos Boeing 737. Das 15 entregas previstas para o ano passado, só houve uma.

Em comunicado, a empresa explica que os clientes serão atendidos normalmente. “Os clientes da Gol poderão continuar a organizar viagens e a voar pela Companhia como sempre fizeram, com a utilização de passagens e vouchers.” Acrescenta que eles seguirão acumulando milhas ao voar pela companhia e poderão comprar e resgatar milhas acumuladas por meio do Smiles.

A empresa também acrescenta que irá honrar todas as obrigações com clientes, incluindo reembolsos de passagens, cupons de viagem e pagamentos ou crédito associados a reclamações de bagagem ou serviços, em conformidade com políticas da empresa em vigor.

Quais são os principais credores?
No documento protocolado nos EUA, aparecem como principais credores da companhia o Bank of New York Mellon, com US$ 353,8 milhões, o Comando da Aeronáutica, com US$ 222,5 milhões, títulos com o Bank of New York Mellon, US$ 142,1 milhões, e a distribuidora de combustível Vibra, antiga BR, com US$ 91,4 milhões.
 

O pedido de proteção à Justiça pela Gol era pedra cantada pelo mercado nas últimas semanas. Desde meados do ano passado, a companhia vinha em negociações com lessors (arrendadores de aeronaves) sem conseguir chegar a um acordo. Em dezembro, contratou a consultoria Seabury para ajudar na revisão de sua estrutura de capital.

Como o governo reagiu?
Após o pedido, o Ministério de Portos e Aeroportos disse, em nota, que “está acompanhando o plano de reestruturação apresentado hoje (ontem) pela companhia aérea Gol e trabalhando junto à empresa e à Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) para garantir a manutenção dos serviços prestados à população.”

Na véspera, o ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, disse que o governo estava empenhado em apoiar as aéreas, o que seria por meio de crédito e abatimento de dívida. Uma das medidas em estudo é uma mudança no preço do querosene de aviação.

Ontem, integrantes do Ministério da Fazenda afirmaram, contudo, que eventual desconto nos preços do combustível não deve decorrer de isenções fiscais.

Ferrer afirmou que as medidas do governo são bem-vindas e atendem pautas importantes do setor e que a companhia irá aderir aos programas do governo quando lançados. Mas frisou que é algo distinto do pedido da Gol à Justiça dos EUA.

Qual é a situação financeira da Gol?
No terceiro trimestre de 2023, a companhia registrou prejuízo de R$ 1,3 bilhão, abaixo da perda de R$ 1,55 bilhão de um ano antes. A dívida bateu em R$ 20 bilhões. Deste total, R$ 3 bilhões vencem no curto prazo.

No ano, até quarta-feira, a companhia acumulou uma queda de R$ 971 milhões em valor de mercado, ficando avaliada em R$ 2,7 bilhões, segundo levantamento feito pelo consultor de dados financeiros Einar Rivero.

Ferrer frisa que o processo iniciado agora é resultado do que chamou de “legado da pandemia”, quando os aviões ficaram em solo. Os custos subiram, a dívida saltou e faltou acesso a capital, argumenta o executivo, ao contrário do que ocorreu na aviação comercial em outros países. Há ainda dificuldade de expandir a frota, pelo atraso na entrega de aeronaves pela Boeing.

Como as ações da companhia reagiram?
Ontem, com o anúncio do processo nos EUA, a B3 suspendeu por 30 minutos as negociações das ações da Gol durante a tarde. Os papéis fecharam em baixa de 3,16%, a R$ 6,44.

Qual é a situação das concorrentes?
A chilena Latam também recorreu ao Chapter 11, em 2020, enquanto a Azul concluiu uma reestruturação de sua dívida em outubro do ano passado, após alcançar acordos com arrendadores e outros credores.

Ferrer estima que a reestruturação deverá ser “substancialmente” mais rápida que a de outras aéreas latino-americanas, como Avianca e Latam.

— Não estamos em cenário de pandemia, quando havia muita incerteza. Já é um cenário de demanda mais consistente — justificou.

Qual é a chance de a empresa se recuperar?
A entrada no Chapter 11, nos EUA, explica o advogado José Antonio Miguel Neto, traz garantia à companhia contra eventuais pedidos de reintegração de aviões feitos pelos credores:

— O objetivo principal é evitar que haja execução das dívidas ou tentativa de busca e apreensão das aeronaves pelos operadores de leasing — explica, destacando que processos nos EUA são mais céleres.

Para o ex-diretor da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) Ricardo Fenelon, sócio do escritório Fenelon Barretto Rost, a expectativa é que os passageiros não sejam afetados por mudanças na operação.

— A expectativa é que não mude nada para o consumidor. A Gol opera com os níveis mais altos de segurança no mundo, tem índices de eficiência operacional altíssima. A princípio, é uma reestruturação financeira. Em um primeiro momento, não há nenhum impacto. Existem vários exemplos de empresas que passaram pelo Chapter 11 e que não mudaram a sua operação, como a própria Latam — explica o advogado.

A modalidade do financiamento de US$ 950 milhões será por debtor in possession (DIP), tipo de empréstimo da recuperação judicial que dá garantia de pagamento a quem cedeu recursos, mantendo o controle dos ativos.

— A Gol vai tentar renegociar suas dívidas com a supervisão do Judiciário americano. Como várias companhias aéreas já foram bem-sucedidas, a expectativa com a Gol é a mesma — avalia Fenelon.

Mais de duas décadas no ar
A Gol Linhas Aéreas foi criada em 2001 pela família Constantino, que vinha do setor rodoviário. Foi a primeira companhia a ingressar no mercado brasileiro com o modelo de baixo custo e baixa tarifa. Seis anos depois, comprou a Varig, abrindo caminho para a expansão da malha internacional. Em 2022, a família e os acionistas da Avianca criaram o Abra Group.