SAÚDE

Aprender um novo idioma pode evitar a demência?

Pesquisa sugere que as pessoas bilíngues desfrutam de alguns benefícios cognitivos mais tarde na vida, mas isso provavelmente requer mais do que algumas aulas de espanhol aos 60 anos

Cientistas descobriram 11 fatores associados de forma mais significativa a um risco maior para a demência - Robina Weermeijer/Unsplash

Meu pai decidiu começar a aprender francês quando tinha 57 anos. Ele contratou uma professora para se encontrar com ele duas vezes por semana e fazia diligentemente o dever de casa antes de cada aula. Em pouco tempo, ele estava visitando a padaria francesa do outro lado da cidade para praticar sua pronúncia (e comprar macarons). Agora, 20 anos depois, ele está em seu terceiro professor.

Superficialmente, seu hobby de aposentadoria parece um pouco aleatório – nossa família não tem nenhuma ligação com países de língua francesa – mas sua motivação era mais profunda do que uma paixão por doces. A minha avó desenvolveu sinais da doença de Alzheimer aos 70 e poucos anos, e estudos sugerem que ser bilíngue pode atrasar o aparecimento da doença em até cinco anos.

Atraídas por esse benefício potencial, muitas pessoas, como meu pai, tentaram aprender um novo idioma na idade adulta. De acordo com uma pesquisa realizada pelo aplicativo de aprendizagem de idiomas Memrise, 57% dos usuários relataram “aumentar a saúde do cérebro” como motivação para usar o programa.

Mas isso é realmente possível? Os estudos sobre bilinguismo e demência foram realizados em pessoas que falaram vários idiomas na sua vida diária, pelo menos desde o início da idade adulta. Se aprender casualmente outra língua mais tarde confere as mesmas vantagens cognitivas é algo que está em debate.
 

Como ser bilíngue beneficia o cérebro
Muitas atividades estão ligadas a uma melhor saúde cerebral na velhice, como obter mais educação quando se é mais jovem, atividade física e hobbies cognitivamente estimulantes. Os especialistas dizem que falar regularmente vários idiomas pode ser especialmente benéfico.

— Usamos a linguagem em todos os aspectos da vida diária, por isso um cérebro bilíngue está constantemente trabalhando — disse Mark Antoniou, professor associado da Western Sydney University, na Austrália, especializado em bilinguismo. — Você realmente não consegue isso com outras experiências enriquecedoras, como tocar um instrumento musical.

A idade em que você aprende outro idioma parece ser menos importante do que a frequência com que você o fala, disse Caitlin Ware, engenheira pesquisadora do Hospital Broca, em Paris, que estuda bilinguismo e saúde cerebral.

—O benefício cognitivo é ter que inibir a sua língua materna — explica, o que o seu cérebro é forçado a fazer se você estiver tentando lembrar as palavras certas em outro idioma. — Portanto, se a segunda língua for muito usada, você estará recebendo esse treinamento cognitivo.

Esse processo – chamado inibição cognitiva – está ligado a um melhor funcionamento executivo. Em teoria, ao melhorar esses tipos de procedimentos, o cérebro torna-se mais resistente às deficiências causadas por doenças como a demência – um conceito conhecido como reserva cognitiva. Quanto mais fortes forem suas faculdades mentais, diz o pensamento, mais tempo você poderá funcionar normalmente, mesmo que a saúde do seu cérebro comece a piorar.

Num artigo histórico de 2007, investigadores de Toronto descobriram que entre as pessoas com demência, aquelas que eram bilíngues desenvolveram sintomas quatro anos mais tarde, em média, do que aquelas que não o eram. Vários estudos publicados desde então relataram resultados semelhantes, embora outras pesquisas não tenham encontrado tal diferença.

Uma pesquisa realizada por Antoniou e colegas descobriu que, embora os adultos chineses com 60 anos ou mais tenham melhorado nos testes de cognição após um programa de aprendizagem de línguas de seis meses, as pessoas que jogaram jogos como Sudoku e palavras cruzadas também melhoraram. Outro pequeno estudo descobriu que os italianos mais velhos que tiveram aulas de inglês durante quatro meses não observaram qualquer diferença nas suas pontuações cognitivas, mas as pessoas que não tiveram as aulas viram as suas pontuações diminuir. Dois estudos mais recentes sobre o tema, publicados em 2023, não encontraram praticamente nenhuma diferença no desempenho cognitivo depois que as pessoas participaram de programas de aprendizagem de línguas.

Os cientistas que conduziram esses estudos ofereceram algumas explicações potenciais para os seus resultados decepcionantes. Uma delas é que os participantes eram voluntários altamente motivados, que podem já ter atingido o desempenho máximo para a sua idade, o que torna difícil ver quaisquer melhorias.

— Quando recrutamos participantes temos que ter cuidado: eles realmente representam a população? — alerta Ware, que ajudou a realizar um dos experimentos. — Será que o nível cognitivo deles é talvez um pouco alto demais?

Outra é que as intervenções linguísticas talvez tenham sido muito curtas. Os poucos estudos que analisaram a questão utilizaram aulas de línguas que “eram muito diferentes na sua duração e frequência”, disse Judith Grossman, que pesquisou o tema como parte do seu doutoramento na Universidade de Heidelberg, na Alemanha. Alguns estudos ensinaram os participantes durante oito meses, outros apenas durante uma semana muito intensa.

Para Antoniou, as descobertas limitadas não são totalmente surpreendentes. Ninguém diria que aprender um novo idioma durante seis meses “seria o mesmo que ter usado dois idiomas durante toda a sua vida”, disse ele. Mas ele acha que as aulas de línguas podem proporcionar benefícios cognitivos por serem intelectualmente estimulantes.

Talvez mais importante, disse Grossman, é que aprender outro idioma oferece outras vantagens potenciais, como viajar ou conectar-se com novas comunidades. Meu pai, por exemplo, permaneceu amigo por correspondência de sua primeira professora depois que ela voltou para Paris, e ele viajou para a França (e para partes do Canadá de língua francesa) inúmeras vezes.

E aos 76 anos, ele está mais esperto do que nunca.