INVESTIGAÇÃO

Operação aumenta pressão na cúpula da Abin, que critica atuação da PF

Em nota, a Abin nega qualquer irregularidade e diz que está colaborando com as apurações

Abin - Antonio Cruz/Agência Brasil

Integrantes do governo avaliam que aumentou a pressão sobre a cúpula da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) após a Polícia Federal apontar "possível conluio" entre a atual gestão do órgão com investigados no caso de uso de um programa secreto para monitorar desafetos do ex-presidente Jair Bolsonaro. O principal alvo da fritura é o número 2 da agência, o delegado federal Alessandro Moretti.

Em nota, a Abin nega qualquer irregularidade e diz que está colaborando com as apurações. Nos bastidores, dirigentes da agência dizem que a investigação tem um pano de fundo político. Procurada, a PF não quis se manifestar.

No relatório enviado ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, a PF diz que “as ações realizadas pela alta gestão atual (da Abin) se mostram prejudiciais à investigação”.

Segundo os investigadores, depoimentos de integrantes da agência indicam que a “DG”, referência à Diretoria-Geral do órgão, teria convencido de que "há apoio lá de cima". Não há detalhes a quem os servidores estavam se referindo.

No relatório, a Polícia Federal aponta que Moretti, realizou uma reunião no dia 28 de março do ano passado com os investigados pela PF, ocasião em que disse que o procedimento teria "fundo político e iria passar". A declaração teria ocorrido duas semanas após o Globo revelar a existência do FirstMile, ferramenta de espionagem capaz de monitorar a localização de celulares.

Procurado, Moretti disse que está de férias e não pode falar.

Segundo integrantes do governo envolvidos nas discussões, a permanência do atual número 2 da Abin está se tornando cada vez mais inviável. Moretti já era visto com desconfiança por aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva por ter trabalhado com o ex-ministro da Justiça de Jair Bolsonaro, Anderson Torres. Mas o seu nome foi afiançado pelo atual chefe da agência, Luiz Fernando Corrêa.

Já a troca do comandante da Abin divide opiniões de integrantes do governo e até mesmo entre membros do PT que antes o apoiavam. Homem de confiança do presidente, Côrrea foi diretor-geral da Polícia Federal durante o segundo mandato de Lula e costuma despachar assuntos estratégicos com o mandatário. A sua demissão é vista com mais ceticismo, pois ainda não veio à tona qualquer prova que justificasse a sua exoneração.

PF X Abin
Os chefes da PF e da Abin disputam protagonismo junto a Lula desde o início do governo. A relação passou a ficar mais desgastada com o avanço das investigações conduzida por policiais federais que atingiram integrantes da agência de inteligência.

Em outubro do ano passado, após reportagem do Globo revelar o uso indevido de um programa de espionagem da localização de celulares, a PF deflagrou uma operação na sede da Abin para coletar provas do caso. Naquela ocasião, o número 3 da agência, Paulo Maurício Fortunato, foi alvo da ação policial — e foi flagrado com U$ 171,8 mil em espécie, recursos que, segundo ele, seriam oriundos de uma “poupança”.

A pedido da PF, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, determinou o afastamento de Paulo Maurício do cargo de secretário de Planejamento e Gestão da Abin. O ex-integrante da agência de inteligência foi apontado como um dos suspeitos de operarem o sistema de espionagem da localização de celulares. Ele nega qualquer irregularidades.

Tanto a escolha de Paulo Maurício como a de Moretti foram questionadas durante a sabatina do atual chefe da Abin no Senado. Os dois nomes, porém, foram afiançadas por Corrêa não só no Congresso como também para o presidente Lula.

O senador Renan Calheiros (MDB-AL) chegou a adiar por duas vezes a sabatina de Corrêa na comissão de Relações Exteriores, devido às escolhas dele para a diretoria da Abin, e só marcou nova data após um pedido pessoal de Lula, enquanto os dois viajavam juntos pela Europa.

As resistências a Moretti também partiram do atual diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, que nutre desconfianças em relação ao colega de corporação desde o período da campanha eleitoral.

O atual número 2 da Abin era diretor de Inteligêcia da PF quando Rodrigues comandava a equipe de segurança de Lula e, mesmo assim, relatou nunca ter recebido relatórios sobre ameaças ao então candidato.

Outro episódio que aumentou a desconfiança ocorreu no dia da diplomação de Lula, em 12 de dezembro de 2022. Na ocasião, um grupo de apoiadores de Bolsonaro promoveu atos de vandalismo no centro de Brasília e chegou a se dirigir para a região do hotel onde Lula estava hospedado. Também desta vez Rodrigues não recebeu informações de inteligência produzidas pela PF.

Ao fim do governo Jair Bolsonaro, Moretti havia sido indicado para como adido da PF na França, mas o ato foi cancelado por Rodrigues assim que assumiu o comando da corporação.

Dispensados de funções
Após a operação de ontem, o governo tirou cargos de confiança de dois servidores alvos da investigação da PF. Ambos são delegados aa Polícia Federal e ocupavam cargos de confiança no Executivo.

Carlos Afonso Coelho foi um dos dispensados do cargo de confiança. Ele era coordenador do comando de aviação da PF. Além dele, o assessor na Subchefia Adjunta de Infraestrutura da Casa Civil Marcelo Bormevet também foi dispensado do cargo. Os dois são servidores de carreira.

As dispensas foram publicadas no Diário Oficial da União (DOU) desta sexta-feira e atendem uma decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Moraes ordenou o afastamento dos investigados de suas funções públicas.

Bromevet disse que o que ele tem a declarar, será declarado à Justiça. Afonso Coelho nao responde aos contatos da reportagem.