guerra no oriente médio

Inundação de túneis é "apenas uma das ferramentas" de Israel contra ameaça subterrânea do Hamas

Em entrevista exclusiva para O Globo, porta-voz de Israel disse que militares se guiam por informações de inteligência para definir quais túneis são "viáveis" para o método de inundação

Maior túnel subterrâneo descoberto na faixa de Gaza que têm ramificações que se estendem por quatro quilômetros - Reprodução/@IDF

As Forças Armadas de Israel confirmaram, na terça-feira (30), que túneis utilizados como arma de ataque e meio de fuga por terroristas do Hamas começaram a ser inundados com água do Mar Mediterrâneo. O método apresentado publicamente, no entanto, é apenas uma das ferramentas atualmente utilizadas no campo de batalha pelos militares israelenses, afirmou o major Rafael Rozenszajn, porta-voz do Exército, em entrevista exclusiva ao jornal O Globo sobre as estratégias traçadas na operação contra o enclave palestino.

"É apenas uma das ferramentas [a inundação dos túneis] que está sendo utilizada para destruir as estruturas subterrâneas do grupo terrorista Hamas, não é a única. Outras tecnologias estão sendo utilizadas, mas não podemos entrar em detalhes por razões operacionais" afirmou Rozenszajn, brasileiro nascido no Rio de Janeiro, botafoguense, mas que vive em Israel há 20 anos, dezesseis dos quais servindo ao Exército.

Os túneis escavados em Gaza foram apontados como uma das principais potencialidades a serem exploradas pelo Hamas durante a invasão israelense. O melhor conhecimento do terreno somado à rede com extensão de quilômetros, construída longe das vistas da Inteligência israelense, eram tidas como uma arma perigosa e uma barreira difícil de transpor, representando um ativo tanto defensivo quanto ofensivo. Uma estimativa do próprio Hamas, de antes da guerra, era de que houvesse 500 km escavados, rendendo o apelido de "metrô de Gaza".

Às vésperas do conflito entrar no quinto mês, Rozenszajn afirma que a capacidade do Hamas de operar em todo o território de Gaza foi drasticamente reduzida, em parte pela inutilização dos túneis durante o avanço das tropas pelo terreno arenoso de Gaza.

"O modus operandi do Hamas [de utilizar túneis para se deslocar dentro do território, fugindo ou atacando militares], aos poucos, está sendo eliminado pelo Exército israelense. As unidades do Hamas no norte de Gaza já foram desmantelados. Agora, estamos fazendo o mesmo no sul" afirmou.

A estratégia de inundar os túneis foi amplamente debatida por analistas militares ao longo dos últimos meses, com controvérsia sobre sua real eficácia em forçar militantes do Hamas para fora de seus abrigos subterrâneos e destruir a infraestrutura do grupo. Fontes militares ouvidas pelo The New York Times apontaram que grandes volumes de água já foram bombeados, mas muitos dos túneis são porosos, resultando em infiltração no solo, em vez de provocar um dilúvio nas passagens.

De acordo com o porta-voz ouvido pelo Globo, o processo de bombeamento da água salgada para os túneis está acontecendo apenas naqueles considerados "viáveis" para a utilização do método. Para isso, os militares estariam se apoiando informação de inteligência e análises pautadas pela localização de entrada dos túneis, das características do solo e dos sistemas hídricos da área, para garantir que os lençóis freáticos não seriam contaminados — a ONU apontou como risco inerente à tática a contaminação das reservas de água por esgoto e água salgada.

Rozenszajn afirma que classificação dos túneis como viáveis ao método de inundação também considera as informações de inteligência sobre a presença ou não de reféns — uma vez que analistas apontaram que o bombeamento de água poderia ter como efeito colateral a morte por afogamento de dos cativos, que as próprias fontes israelenses acreditam estar sendo mantidas no subsolo.

Guerra em andamento
Na batalha travada acima do solo, a operação militar de Israel continua a avançar sobre as posições do Hamas. Em um panorama atualizado do conflito, o porta-voz explica que o Hamas, enquanto grupo organizado, praticamente deixou de existir no norte do enclave, onde as principais ações militares se desenrolaram nos primeiros meses de guerra. O militar pondera, contudo, que ainda há atividade terrorista na região.

"A capacidade organizacional do Hamas no norte foi desmantelada. Isso não quer dizer que não existam terroristas por lá" disse.

O porta-voz brasileiro indica que a missão contra o sul de Gaza também tem como objetivo eliminar as capacidades operativas do Hamas, mas aponta que houve uma mudança de perfil com relação ao que foi implantado no norte, sobretudo pelo adensamento populacional do sul da Faixa de Gaza, provocada pela invasão terrestre ao norte, no início do confronto.

"As ações militares na região de Khan Younis são diferentes do que foram no norte da Faixa de Gaza. Ela é feita com contingente militar muito menor do que foi no começo da guerra, de forma muito mais cirúrgica e baseada em informações da Inteligência israelense, parte dela recebida de terroristas interrogados na incursão do norte" detalhou .

Objetivo final
Na contagem mantida pelo Exército de Israel, entre 9 e 10 mil terroristas do Hamas foram eliminados durante a operação militar no território palestino até o momento. Cerca de 3 mil terroristas teriam sido presos. Em comparação aos números apresentados pelo Ministério da Saúde de Gaza, administrado pelo grupo terrorista, 26,9 mil pessoas morreram no enclave desde o início da guerra.

Questionado pela reportagem sobre as baixas civis do conflito, o porta-voz militar disse que Israel não tem números exatos sobre os civis e que repassa apenas informações confirmadas. Ele colocou em dúvida a precisão dos números apresentados pela pasta de saúde do Hamas.

A divergência sobre os números é apenas uma das muitas no conflito, que, na visão israelense se trata de uma resposta a uma ameaça existencial à existência do Estado de Israel — ameaça que se expressou materialmente no ataque terrorista de 7 de outubro.

Desde então, o governo estabeleceu três objetivos para o conflito: desmantelar a capacidade militar e administrativa do Hamas em Gaza; devolver os civis que foram sequestrados para suas casas e garantir a segurança dos israelenses; e eliminar a ameaça do Hamas ao território de Israel.

Contudo, o fato da guerra ser travada em uma área urbana, densamente povoada e ser assimétrica — contra um grupo terrorista que não está sujeito ao mesmo tipo de obrigações ou pressões que um Estado nacional — cria uma dificuldade adicional.

Atualmente, está em discussão uma proposta mediada pelo Catar sobre os reféns, para que eles sejam devolvidos a suas casas no menor espaço de tempo possível. A manutenção do cativeiro dos reféns é uma das questões mais urgentes tratadas pelo governo, além de ser um motivo de pressão interna constante. Segundo o porta-voz, as Forças Armadas estão prontas para cumprir uma trégua, se essa for a determinação do governo.

"O Exército vai fazer o que for necessário para atingir os objetivos traçados para esta guerra. Seja por caminho militar, seja por caminho diplomático. O Exército atua de acordo com as decisões do governo israelense e para alcançar os objetivos" concluiu.