CARNAVAL 2024

Maior em linha reta, Carnaval do Recife surge da ocupação para fincar raízes na ancestralidade

A Folha de Pernambuco preparou um apanhado com as principais manifestações culturais da capital pernambucana no período carnavalesco; confira

Frevo é o ritmo que dita o Carnaval do Recife - André Nery/PCR

A população recifense já se prepara para receber o Carnaval deste ano, com início marcado para o dia 8 de fevereiro até o dia 13. Para além do festival de música que toma conta dos palcos e das ruas da capital pernambucana, as tradições culturais da cidade, como os clubes de frevo, as troças e os Blocos Líricos, os Afoxés e o Maracatu, além das troças e marchinhas tradicionais, são razões para que não faltem opções para os foliões.

Essa forte ligação do recifense com o Carnaval, no entanto, não é de hoje. À Folha de Pernambuco, a historiadora e assessora técnica de política cultural do Recife, Carmem Lélis, conta que, assim como em outros grandes centros do Brasil, as tradições carnavalescas surgiram na capital pernambucana como uma forma de manifestação dos trabalhadores urbanos, uma classe social emergente e que precisava se impor socialmente.

"No Recife, do final do  século XIX, com o processo de urbanização e o surgimento das Camadas de trabalhadores é grande a ebulição social e a ligação com agrupamentos e agremiações que se formam dando corpo ao carnaval brasileiro.  Aqui no Recife, é um movimento organizado pelas classes trabalhadoras. Na capital, onde se encontra também a pequena participa, principalmente nos bairros do Centro, como São José, Santo Antônio e Boa Vista. Era uma forma de resposta da classe trabalhadora ao sistema e a necessidade de participação social em uma contexto de profundas desigualdades.”, explicou.

Ocupação das ruas
Por se tratar de uma festa trazida a partir de valores europeus, com foco em Portugal e França, o Carnaval era, inicialmente, muito elitizado. A população mais abastada fazia seus desfiles nas ruas, com carros, roupas, máscaras e adereços carnavalescos, assim como nos salões e teatros.

A população, formada majoritariamente por pessoas pretas e pobres, não podia participar dos festejos. A partir daí, uma resposta passou a ser dada através dos agrupamentos que se iniciaram na área portuária com trabalhadores da estiva e do cais do porto.

"Em todo o Brasil, as manifestações se destacam pela sua diversidade cultural muito grande. O Maracatu surge como uma forma da população de manifestar através de valores ancestrais, celebrando a liberdade e religiosidade. O frevo também constitui um embate dos trabalhadores livres com relação à ocupação do espaço público. A festa do Carnaval promove essa ocupação de território, tanto simbólica, quanto física", completou.

Música e dança unidas em um só acorde
Ao se aventurarem pelas ruas da capital pernambucana, com foco nos bairros centrais, como São José e Santo Antônio, os trabalhadores foram, aos poucos, criando manifestações culturais diversas. Dos Clubes do Frevo aos blocos e troças, Recife se tornou, pouco a pouco, uma referência no Carnaval para o mundo inteiro.

“Quem chega primeiro, o ovo ou a galinha? A gente brinca, mas isso se adequa muito à relação entre o frevo e a dança no Recife. Segundo o pesquisador Evandro Rabello, em 1907 a palavra frevo é encontrada no Jornal Pequeno, com o sentido amplo como hoje conhecemos, referendando uma agremiação - O Empalhadores do Feitosa, e como nome de uma composição desse Clube para o Carnaval.  Hoje sabemos pela pesquisa do Historiador Luis Santos, do Paço do Frevo, ainda em 1906, já havia uma marcha também com o nome de frevo”, afirmou Carmem Lélis.

Foliões curtem o Frevo no Bairro do Recife | Foto: Alexandre Aroeira/Folha de Pernambuco 

Domingo de Afoxés, Caboclinhos e Bois
Todo esse processo de ascensão da folia na rua como parte de uma maneira da população responder à elite vigente criou tradições e manifestações culturais, vistas e repetidas até hoje. Como de costume, por exemplo, o Carnaval no Recife se transforma em um palco para encontros entre o público e os representantes da cultura da cidade. 

Neste ano, no domingo (11), os Blocos Afro e Afoxés irão levar toda a ancestralidade para o Pátio do Terço, no bairro de São José, área central. O ponto, localizado em frente à Igreja de Nossa Senhora do Terço, é um dos lugares mais emblemáticos da cultura preta e, mais uma vez, um dos polos carnavalescos da capital pernambucana.

O Afoxé é uma expressão artístico-religiosa ligada às nações africanas. De acordo com o Catálogo de Agremiações Carnavalescas do Recife e Região Metropolitana da prefeitura da cidade, "em Pernambuco, o primeiro Afoxé foi Ilê de África, nascido no Recife no fim dos anos 1970, com uma proposta de resistência social, política e cultural".

Até os dias atuais, essas representações seguem presentes com muita força, com organizações na ruas caracterizadas pela figura do Bandeirista, que apresenta a Bandeira da Nação e abre cortejo pelo público.

Cortejo de Afoxés. - Foto: Divulgação

O domingo terá, ainda, como de costume, o Encontro de Caboclinhos, na Praça do Arsenal, localizada no Bairro do Recife, área central. Essa manifestação popular surgiu a partir de uma mescla indígena - os Caboclinhos - e, até os dias atuais, expressa um sentimento nativista muito forte.

As apresentações, concentradas por todo o Brasil, reúnem homens, mulheres e crianças que performam coreografias "em ritmo marcado pelo estalido das preacas - espécie de arco e flecha de maneira", além de um baque composto por "caracaxás, surdo e inúbia", como é pontuado no Catálogo de Agremiações.

Para finalizar a programação de manifestações culturais do Recife no domingo de Carnaval deste ano, o Encontro de Bois acontece no Pátio de Santa Cruz, no bairro da Boa Vista, Centro. Essas manifestações têm o boi como figura central com o objetivo de "remontar à antiguidade, às festas de glorificação e exaltação do animal".

Na capital pernambucana, a brincadeira aparece na folia carnavalesca como uma forma derivada do Bumba-meu-boi e é caracterizada pela "simplicidade, improviso e irreverência, e levam para a rua uma grande variedade de personagens".

Encontro de Caboclinhos. - Foto: Alfeu Tavares/Folha de Pernambuco

Veja, abaixo, a programação de manifestações culturais do Recife:
Domingo (11 de fevereiro)
Pátio do Terço - Blocos Afro e Afoxés
Praça do Arsenal - Encontro de Caboclinhos 
Pátio de Santa Cruz - Encontro de Bois 

Segunda de lirismo e Tambores Silenciosos
Na segunda-feira (12), algumas das principais tradições recifenses chegam à programação do Carnaval. A primeira delas é mais um Encontro de Bois, novamente no Pátio de Santa Cruz. Já para o período da tarde, a população do Recife poderá conferir, como já é tradição, o desfile dos Blocos Líricos, no Marco Zero, área central da capital pernambucana.

As apresentações devem começar, como de costume, por volta das 16h e seguir até às 19h, com cortejos liderados por diversas agremiações pelas ruas da capital, com muito frevo e saudosismo para os foliões.

Veja, abaixo, os blocos que se apresentarão no desfile de segunda-feira:

16h30 -  Bloco Carnavalesco Misto Folguedos de Surubim
16h45 -  Bloco Flor da Lira de Olinda
17h00 -  Bloco Carnavalesco Lírico Flabelo do Amor
17h15 -  Bloco Compositores e Foliões
17h30 - Bloco Lírico Flabelo Encantado
17h45 - Bloco das Ilusões
18h00 - Bloco Confete e Serpentina
18h15 - Bloco Carnavalesco Misto Pierrot de São José
18h30 - Bloco Carnavalesco Lírico Eu Quero Mais
18h45 - Bloco Carnavalesco Lírico Cordas E Retalhos
19h00 - Bloco Flor Do Eucalípto De Moreno
19h15 - Bloco das Flores
19h30 - Bloco da Saudade
19h45 - O Bonde Bloco Carnavalesco Lírico

Apresentação dos Blocos Líricos no Carnaval do Recife | Foto: Alfeu Tavares/Folha de Pernambuco

No Pátio do Terço, Tambores mirins se apresentam em uma prévia para o ítem principal: a Noite dos Tambores Silenciosos. A manifestação, já tradicional no período carnavalesco do Recife, remete ao Maracatu e tem forte ligação com religiões de matriz africana, principalmente o candomblé, com nações conhecidas como "tradicionais" que se encontram nos símbolos, cânticos, danças e indumentárias. Os artistas saem em cortejo pelas ruas, acompanhados de um conjunto musical.

"O maracatu é uma das primeiras manifestações que surgem de uma força muito grande. Um poder de resistência e realeza própria àqueles que mesmo arrancados das suas nações, como escravizados, resurgem de forma contundente a partir das relações de religiosidade, muito diversa,  por sinal. Como vinham de várias regiões e de vários troncos linguísticos. Os dessemelhantes unidos e fortalecidos como uma forma de sobrevivência. O Maracatu não é um candomblé  na rua e sim uma forma de celebrar, rememorar e brincar com reverência e respeito à religiosidade de matriz africana”, explica Lélis.

Noite dos Tambores Silenciosos. - Foto: Arthur de Souza/Folha de Pernambuco

Confira, abaixo, a programação de manifestações culturais do Recife:
Segunda-feira (12 de fevereiro)
Pátio de Santa Cruz - Encontro de Bois
Pátio do Terço - Tambores mirins e Noite dos Tambores Silenciosos 
Marco Zero - Blocos Líricos