Biden assina ordem impondo sanções a colonos acusados de violência contra palestinos na Cisjordânia
Casa Branca afirma que incidentes recentes são 'ameaça à segurança, à paz e à estabilidade' da região; governo cogitou (e desistiu) de incluir ministros de Netanyahu
O presidente dos EUA, Joe Biden, assinou nesta quinta-feira impondo sanções a indivíduos ligados a ataques cometidos por colonos contra palestinos na Cisjordânia, em uma ação considerada sem precedentes por parte da Casa Branca. De acordo com a ONU, foram quase 500 incidentes desde os ataques do grupo terrorista Hamas, no dia 7 de outubro do ano passado, que deixaram oito palestinos mortos e contribuem para a elevação das tensões no território.
Nesta primeira leva de sanções, estarão incluídas quatro pessoas acusadas de participar e incitar atos de violência na Cisjordânia, em ações como realizar manifestações e bloqueios, vandalismo contra residências, prédios públicos e veículos além de ações diretas contra civis e propriedade privada. As punições incluem o bloqueio de bens nos EUA e o veto à entrada dos citados no país. Os quatro citados na ordem são David Chai Chasdai, Einan Tanjil, Shalom Zicherman e Yinon Levi, nenhum deles cidadão dos EUA. Em dezembro, o Departamento de Estado havia vetado a emissão de vistos a colonos ligados a atos de violência.
"Esta ordem executiva permitirá aos EUA emitir sanções financeiras contra aqueles ordenando ou participando de determinadas ações, incluindo atos ou ameaças de violência contra civis, de intimidação contra civis para forçá-los a sair de casa, destruir ou roubar propriedade privada ou participar de atividades terroristas na Cisjordânia", declarou, em comunicado, o conselheiro de Segurança Nacional, Jake Sullivan. "As ações de hoje [quinta-feira] buscam a promoção de paz e segurança para israelenses e palestinos."
Em resposta à ordem executiva o premier israelense Benjamin Netanyahu afirmou que seu governo já age contra pessoas que "violam a lei em todos os lugares", e que "não há lugar para medidas excepcionais neste sentido".
"A maioria absoluta dos colonos na Judeia e Samaria [como os israelenses se referem à Cisjordânia] é de cidadãos que cumprem a lei, e muitos dos quais estão hoje lutando nas forças do Exército pela defesa de Israel", diz o comunicado.
As medidas já são consideradas as mais duras dos EUA contra israelenses desde o início da guerra na Faixa de Gaza, e funcionários do governo apontam que elas podem ser seguidas por outras ações para tentar evitar que a já tensa situação na Cisjordânia saia de controle. De acordo com o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários, houve 494 ataques promovidos por colonos israelenses no território desde outubro, que deixaram oito palestinos mortos — no mesmo período, 360 palestinos foram mortos pelo Exército de Israel.
Entre os israelenses, foram seis mortos, incluindo quatro militares, desde outubro do ano passado. No ano de 2023, como um todo, morreram 507 palestinos e 36 israelenses, os números mais altos desde 2005.
Também foram contabilizados 388 incidentes de destruição de propriedade, o último deles na quinta-feira, quando colonos tentaram roubar um tanque d'água da casa de um palestino nos arredores de Ramallah. Ao serem flagrados, eles agrediram os moradores com socos e com spray de pimenta. Ao todo, 1.208 palestinos foram expulsos de casa desde outubro do ano passado, também segundo números das Nações Unidas.
Apesar de ser a primeira grande ação crítica a Israel por parte do governo americano desde o início da guerra em Gaza, e a mais contundente em muitos anos, o texto final da ordem executiva foi mais comedido do que gostariam alguns integrantes do governo Biden. Segundo o site Axios, uma versão inicial do texto previa a inclusão dos ministros Itamar Ben-Gvir e Bezalel Smotrich, dois dos mais radicais defensores da ocupação completa da Cisjordânia, e que defendem publicamente ações de violência por parte dos colonos. Contudo, a Casa Branca decidiu punir, neste momento, apenas pessoas acusadas e participação direta nos ataques. O governo de Israel ainda não se pronunciou.
De acordo com números oficiais, cerca de três milhões de palestinos vivem na Cisjordânia. Ao mesmo tempo, o governo israelense reconhece a presença de 465.400 pessoas em assentamentos judaicos no território, considerados ilegais pelas leis internacionais. O número não inclui os assentamentos em Jerusalém Oriental, e as autoridades palestinas afirmam que o número real de colonos supera 700 mil.
Mesmo antes dos ataques do Hamas e da operação militar em Gaza, o território já era cenário de episódios recentes de violência. Marchas nacionalistas incitaram o ódio contra a população árabe, incluindo os que têm a cidadania israelense, e ações militares contra cidades e vilas, que não raro deixam mortos, contribuem para o sentimento de revolta entre boa parte da população local, especialmente os mais jovens. Políticas recentes de segurança também incluíram dar armas e treinamento militar a colonos, criando milícias armadas por toda a Cisjordânia.
Em fevereiro do ano passado, centenas de colonos atacaram a cidade de Huwara, na região de Nablus, em resposta à morte de dois israelenses na mesma área. Um palestino morreu e mais de cem ficaram feridos, e a violência do ataque foi comparada pelo comandante militar israelense na Cisjordânia a um pogrom, um termo russo usado para descrever ataques maciços contra um determinado grupo étnico ou religioso, e que foi associado a massacres e perseguições contra judeus no passado. Na ocasião, Bezalel Smotrich, ministro de Netanyahu, chegou a dizer que Huwara deveria ser "varrida do mapa" (mais tarde, afirmou que a declaração foi um "deslize").
Com o início da guerra em Gaza, as operações militares se multiplicaram, assim como os confrontos na Cisjordânia. Uma rotina que, nas palavras de Netanyahu, deve permanecer mais algum tempo.
— Estamos em uma batalha na qual não vamos parar até a vitória total — disse Netanyahu, em encontro com soldados na Cisjordânia. — Precisamos atingir a vitória. Para tal, precisamos prestar atenção nas outras frentes, e essa [Cisjordânia] é de grande importância.
Na terça-feira, soldados israelenses usando roupas de médicos invadiram um hospital em Jenin e mataram três pessoas, incluindo uma identificada como sendo membro do Hamas. O Ministério das Relações Exteriores da Palestina condenou o incidente, chamado de "ato deliberado de assassinato". Centenas de pessoas acompanharam o funeral.
Desde o início da guerra em Gaza, o apoio ao Hamas na Cisjordânia aumentou exponencialmente. Segundo pesquisa divulgada em dezembro, 44% dos moradores do território palestino expressam visões positivas sobre o grupo terrorista, contra apenas 12% em setembro. Segundo analistas, reflexo direto da situação humanitária em Gaza, e dos ataques de colonos e de militares na Cisjordânia.