Médicos alertam para os riscos de vídeos no TikTok que afirmam detectar autismo
Profissionais da área afirmam que avaliações que circulam na plataforma não têm comprovação científica, vulgarizam uso de medicamentos e, em geral, não vêm de pessoas com formação técnica
“Dez sinais de que você está com ansiedade”, “É assim que soa a mente de uma pessoa com depressão”, “Sinais que indicam que você está caindo em depressão”, “Teste para saber se tenho autismo”.
Estes são alguns dos títulos de vídeos no TikTok que são, na maioria das vezes, divulgados por influenciadores ou criadores de conteúdo sem diploma na área. São testes que elencam uma série de sintomas a serem levados em consideração para se chegar a uma conclusão médica e diagnosticar – em menos de um minuto – centenas de usuários, até menores de idade.
O TikTok foi criado em 2016 e atualmente conta com mais de 1 bilhão de usuários em todo o mundo, como Lucila Varela, de 18 anos.
— Tenho diagnóstico de ansiedade. Com tantas vezes assistindo esse tipo de vídeo, me identifiquei. Quando eu não ia ao psicólogo, eles [os vídeos] me deixavam curiosa. Achei que poderia ter [ansiedade]. Não sei se foi por causa dos TikToks que pedi ajuda, mas, tendo em conta os sintomas, comecei a me convencer disso — disse Lucila Varela, 18 anos.
Já Rosario Arguello, de 17 anos, afirmou achar “bom” que uma plataforma com o alcance do TikTok possa divulgar este tipo de vídeos, pois "permite que as pessoas tenham mais consciência do que está acontecendo com elas e serve de alarme, se necessário".
Ela também disse que se identificou com os sintomas nos momentos em que não se sentia bem. Porém, destacou que a viralização desse tipo de conteúdo pode gerar mau uso de informações, fazendo com que as pessoas se autodiagnostiquem sem antes consultar um profissional.
Laura Mendel, psiquiatra especializada no cuidado de crianças e adolescentes, alertou sobre esse tipo de vídeos no TikTok:
— Não são feitos por profissionais qualificados no tratamento de ansiedade, depressão ou transtornos do espectro do autismo. Esses testes rápidos provocam mais ansiedade. Para uma pessoa que tem esse tipo de transtorno, ler muitas informações pode causar mais ansiedade e até piorá-la — afirma.
A especialista sustenta que as consultas aumentaram por causa da viralização desse tipo de conteúdo. Como profissional de saúde, ela contou que já lhe ocorreu repetidas vezes que pacientes façam os testes da plataforma e se autodiagnostiquem com depressão porque se identificaram com o sintoma durante uma "semana ruim" de suas vidas. Alguns pacientes se diagnosticam com autismo porque reconhecem ter pouca empatia ou com ansiedade porque não conseguem ficar parados.
— A melhor coisa que pode acontecer a um paciente adolescente e sua família é que eles cheguem à consulta com um psicólogo, em primeiro lugar, ou com um psiquiatra, em segundo lugar, com uma ingenuidade saudável, com uma pergunta que será parcialmente respondida naquele momento. Hoje em dia, crianças e pais chegam com diagnóstico já feito — destaca Laura Mendel.
Assim como houve um aumento nas consultas, “foi extremamente fácil solicitar medicamentos e tomá-los”, diz Mendel.
— Há uma banalização e uma vulgarização do uso de medicamentos. Há TikToks sobre antes e depois de tomar um antidepressivo. Isso é muito perigoso — alerta a especialista.
Segundo Mendel, há casos em que as crianças e as famílias cobram a indicação de algum medicamento que não precisam, depois de se submeterem a testes do TikTok.
Diana Sahovaler de Litvinoff, psicanalista de crianças e adolescentes e membro da Associação Psicanalítica Argentina (APA), afirmou que as propostas de autodiagnóstico “sempre existiram” e que, ao longo da História, foi gerado um desejo de "resposta rápida às diferentes preocupações pessoais", como depressão ou distúrbios de ciúme, ou inteligência.
— O que se passa agora é que se tenta dar um caráter científico a diagnósticos precipitados. Parece que, respondendo a uma série de perguntas ou olhando gráficos, é possível fazer um diagnóstico psicopatológico imediatamente, sem a necessidade de recorrer a um profissional — comentou Litvinoff. — A tarefa de diagnosticar exige capacitação profissional. Não é só responder testes. Além disso, não existem diagnósticos puros, mas sim, combinados, e cada caso é individual.
No autodiagnóstico, os usuários muitas vezes encontram "uma marca de identidade" ao dizerem 'sou bipolar' ou 'meu filho é autista', explica Litvinoff — algo mais fácil, diz ela, do que se perguntar: "O que está acontecendo para que eu tenha dificuldade em brincar e rir com meu filho?".
Alberto Álvarez, psicanalista e psiquiatra de crianças e adolescentes e membro da APA, alertou sobre o tempo de tela em adolescentes e como isso contribui para a geração de transtornos como a depressão.
— O cérebro do adolescente está em pleno desenvolvimento, e as redes sociais afetam seu desenvolvimento psicológico, gerando danos psicológicos, de autoestima e de identidade. Os adolescentes veem o mundo através das telas, aprendem que sua autoestima depende do sucesso dos vídeos que produzem. Há uma perversão do sistema — comentou ele, que também alertou para os riscos do autodiagnóstico online. — Tem efeitos negativos porque se baseia em generalidades, é uma abordagem ruim, é antiético e equivale à negligência médica.