ARGENTINA

Polícia argentina reprime manifestantes e Congresso pausa debate de reformas de Milei

O governo tem apenas 38 das 257 cadeiras na Câmara dos Deputados, mas conta com o apoio da oposição de centro-direita

Javier Milei, presidente da Argentina - Luis Robayo/AFP

A polícia argentina usou balas de borracha e gás lacrimogêneo na quinta-feira para dispersar os manifestantes reunidos diante do Congresso, onde os deputados retomarão nesta sexta-feira (2) o debate sobre o amplo pacote de reformas econômicas, sociais e políticas do presidente extrema-direita Javier Milei.

Após a meia-noite e depois de uma longa segunda sessão de debates, a Câmara dos Deputados interrompeu a sessão, que será retomada nesta sexta-feira às 10H00 locais (mesmo horário de Brasília).

O governo tem apenas 38 das 257 cadeiras na Câmara dos Deputados, mas conta com o apoio da oposição de centro-direita para aprovar parte do projeto da chamada "Lei Ônibus".

Durante a quinta-feira, a oposição peronista e de esquerda concentrou as críticas nas reformas do Código Penal que contemplam a criminalização dos protestos de rua, a privatização de empresas, a captação de dívida externa sem a aprovação do Congresso e, sobretudo, os "poderes delegados", que, na prática, permitem a Milei governar por decreto em várias áreas.

Estes são alguns pontos que mais incomodam os manifestantes reunidos diante do Congresso.

Durante a noite de quinta-feira, quando receberam notícias de que a polícia estava reprimindo centenas de manifestantes, deputados de vários partidos da oposição abandonaram o local para examinar os acontecimentos.

A Polícia Federal usou balas de borracha contra os manifestantes e várias pessoas ficaram feridas.

Além disso, ao menos 15 jornalistas foram atingidos por balas de borracha, segundo o Sindicato de Imprensa de Buenos Aires.

As forças policiais também formaram cordões com escudos, tanques antimotim e utilizaram spray de pimenta contra os manifestantes reunidos nas imediações do Congresso, com base no protocolo "anti-piquetes" da ministra da Segurança, Patrícia Bullrich, que proíbe os bloqueios das ruas e avenidas.

Em um confronto com a polícia, um manifestante sofreu um ferimento com sangramento no rosto, em circunstâncias que ainda não foram esclarecidas.

Myriam Bregman, deputada e ex-candidata à presidência da esquerda, disse quase 40 deputados afirmaram ao comandante da operação policial que "a repressão não pode continuar".

Em resposta, "eles jogaram gás, nos agrediram, nos empurraram, avançaram com suas motos", declarou, antes de acusar Bullrich de "brincar de guerra civil".

Mas o deputado governista Bertie Benegas Lynch afirmou que os acontecimentos nas ruas foram "uma manobra da esquerda para complicar a sessão".

Milhares de pessoas também se reuniram na quarta-feira em frente ao Congresso em repúdio à lei. Quatro jovens foram detidas e libertadas na manhã de quinta-feira.

Os "poderes delegados", concedidos a outros presidentes, serão votados "em particular" após uma eventual aprovação "em geral" da Lei, cuja sanção dependerá, depois, do Senado, onde a situação - em minoria - precisa reeditar alianças.

Por meio de alianças, Milei busca uma primeira aprovação "em geral" da "Lei Ônibus" de reformas econômicas, políticas, de segurança e ambientais de mais de 300 artigos, mas o resultado final dependerá da votação "artigo por artigo" da lei, que nas negociações perdeu metade de seu conteúdo.

A oposição antecipou que o projeto sofreria alterações e, de fato, o texto definitivo continua sendo negociado enquanto é debatido.

Déficit zero
Na semana passada, o governo retirou um "capítulo fiscal" do contestado projeto, com o qual buscava assegurar o "déficit zero" nas contas do Estado, mas mantém o pedido de captar dívida externa sem passar pelo Congresso, como é exigido atualmente.

O texto original da "Lei Ônibus" assegurava a Milei um corte nos gastos públicos de cerca de 5% do PIB, que agora promete alcançar com outras medidas de ajuste.

Polícia argentina reprime manifestantes e Congresso pausa debate de reformas de Milei (Foto: Juan Mabromata/AFP)

Milei já baixou um 'decretaço' que modifica centenas de normas e leis para reverter com desregulamentações amplas uma crise que mantém mais de 45% dos argentinos na pobreza, com uma inflação anual de 211% em 2023.

Antes, o presidente aprovou uma desvalorização de 50% do peso e a liberação de todos os preços da economia, que fez a inflação escalar para 25,5% em dezembro.

Além disso, resgatou o programa de crédito de 44 bilhões de dólares com o FMI, que elogiou esses primeiros ajustes, mas previu uma recessão de 2,8% na economia argentina em 2024.

Na quarta-feira, o Fundo aprovou a liberação de 4,7 bilhões de dólares (23,2 bilhões de reais) — para saldar sua própria dívida — em apoio às "medidas ousadas" de Milei, embora tenha alertado que "o caminho para a estabilização será difícil".