ESTADOS UNIDOS

"O mundo tem que começar a se preocupar com volta de Trump", diz a indicada ao Oscar Lily Gladstone

Atriz de 'Assassinos da lua das flores', de Martin Scorsese, sente o peso de ser 'embaixadora de uma grande comunidade', a dos nativos americanos

Vitória: Lily Gladstone na noite em que levou o Globo de Ouro de melhor atriz em drama por "Assasinos da lua da flores" - Michael Tran/AFP

"Meu pai me deu coragem para sair pela vida e um profundo respeito pelas minhas raízes [oriundas da nação Blackfoot e da tribo Nez Percé]. Ele me deu o nome de sua avó, Lily, e insistiu para que eu não perdesse a conexão com a família ou com a comunidade. Quando sofri bullying na escola, ele sempre me lembrava que eu era melhor e me dizia: 'Eles vão querer ser seus amigos quando você ganhar o Oscar'", conta Lily Gladstone, a primeira mulher indígena a concorrer ao prêmio de melhor atriz no Oscar.

A protagonista de "Assassinos da lua das flores", de Martin Scorsese, esteve em Madri em uma viagem de promoção patrocinada pela Academia de Hollywood. No longa, ela interpreta Mollie Burkhart, membro do povo osage, de Oklahoma, Sul dos EUA, cujos parentes são sistematicamente assassinados em uma tentativa de confiscar suas terras ricas em petróleo. Ao falar sobre a luta dos osage por direitos e dignidade, a atriz comenta a possibilidade de que em novembro deste ano Donald Trump seja novamente presidente dos Estados Unidos.

— Isso não assusta só a minha comunidade. O mundo precisa começar a se preocupar (com a volta de Trump). A injustiça das políticas americanas tem um impacto global. Mas os nativos americanos sobreviveram a todas as ondas de colonização. E aqui continuamos. Muitas coisas sobreviveram à sua primeira presidência. Nossas comunidades continuaram a cuidar de si mesmas, encontramos apoio uns nos outros — afirma Lily. — Estou mais preocupada com a ascensão global do autoritarismo. Nunca na história houve um momento como o atual, com um movimento coletivo tão grande em busca de censura e proibições. Eu, pelo menos, confio nas novas gerações.

'Porta-voz de uma comunidade'
O longa de Scorsese acabou transformando essa atriz (que já fez história ao se tornar a primeira indígena a conquistar o Globo de Ouro), em porta-voz mundial de toda uma comunidade.
 

— Eu senti o peso. Sou a primeira nativa americana e a terceira indígena candidata a um Oscar de interpretação. Me tornei uma espécie de embaixadora de uma comunidade de pessoas muito diversas. Isto é, temos um passado comum, mas no final temos vivências muito distintas na relação de cada tribo com o governo americano — reflete.

Após estudar interpretação, a atriz se interessou pela corrente brasileira do Teatro do Oprimido. Pouco a pouco encontrou alguns papéis, com, sobretudo, a diretora Kelly Reichardt, em "Certas Mulheres" (2016), com Laura Dern, Kristen Stewart e Michelle Williams, e "First Cow — A Primeira Vaca da América" (2019).

— Nunca previ a explosão que implicaria trabalhar com Marty (Martin Scorsese) — comenta.

Lily — que espera a campanha final para o Oscar, em que sua principal concorrente é Emma Stone, por "Pobres Criaturas", de Yorgos Lanthimos — conta todas as suas idas e vindas após o sonho de ser atriz, antes daquele e-mail: a necessidade de um emprego tangível, cuidar do pai com problema cardíaco... Depois de diversas entrevistas por videochamada, que incluíram uma leitura com Leonardo DiCaprio, sua contratação foi anunciada em 1º de dezembro de 2020, dia do aniversário da sua personagem, Mollie Burkhart — o que ela considerou ser “um sinal”.