No Chile, maior parte dos incêndios florestais é provocada pelo ser humano; entenda
Fenômeno tem ocorrido com maior frequência desde 1985, e gravidade também aumenta progressivamente
O Chile tem um longo histórico de incêndios florestais, sendo a região de Valparaíso a mais atingida. Antes da tragédia deste mês, Valparaíso havia sido duramente afetada em fevereiro de 2014 e março de 2015.
Numa revisão sobre os incêndios florestais do Chile, publicada no periódico científico Global and Planetary Change, os pesquisadores Xavier Úbeda, da Universidade de Barcelona, e Pablo Sarricolea, da Universidade do Chile, mostram que o número de incêndios tem crescido substancialmente desde 1985, aumentando de gravidade progressivamente.
No país, a maioria dos incêndios é provocada pelo ser humano, propositalmente ou não. Mas são fatores naturais que os levam a tomar grandes proporções.
Dados da autoridade florestal chilena (Conaf) mostram que 58,2% dos incêndios são resultado de negligência ou acidentes. Os incêndios intencionais somam 24% e 17,6% têm causas desconhecidas. Apenas 0,2% têm causas naturais (raios e erupções vulcânicas).
Numerosos estudos alertam há anos para a combinação literalmente explosiva de clima (semiárido e árido), vegetação altamente inflamável (plantações de eucalipto e pinus) com uma população crescente no entorno. Bairros inteiros são contíguos a florestas plantadas, em encostas expostas ao vento, que espalha as chamas, e onde o combate do fogo é difícil.
Somado a isso, a própria vegetação nativa também é bastante inflamável, embora tenha alguma tolerância ao fogo. Porém, a frequência de incêndios tem sido tão grande que ameaça a existência da palmeira chilena (Jubaea chilensis), que formava florestas, hoje bastante reduzidas.
Segundo Úbeda e Sarricolea, o aumento dos incêndios é resultado de uma combinação de fatores. Há influência das mudanças climáticas, em que a aridez natural se combina a ondas de calor, mas elas só agravaram uma situação que já era de risco.
O primeiro fator destacado por Úbeda e Sarricolea é o aumento das áreas cultivadas com espécies florestais inflamáveis. A ele se soma o fato de essas plantações serem rejeitadas por comunidades tradicionais que, por vezes, as incendeiam. O manejo intensivo das plantações florestais também levou a um acúmulo de matéria orgânica inflamável no solo. “Isso deixou as espécies nativas em situação precária”, aumentando o risco, destacam.
Em Valparaiso, se sobressai o avanço das áreas urbanas sobre as florestas plantadas ou não e o fato de o país não ter desenvolvido sistemas de prevenção de incêndios eficientes e planos de desenvolvimento territorial que levassem em conta o risco do fogo.
Os cientistas dizem que incêndios de grandes proporções como esses de agora no Chile têm raízes ambientais (mudança do clima, degradação e desmatamento) e sociais (construção em áreas de risco, falta de educação da população sobre práticas para evitar o fogo).
Incêndios florestais tem se tornado mais frequentes no mundo nos últimos 40 anos. Não à toa, o historiador americano Stephen Pyne, cunhou em 2019 o termo piroceno, a era do fogo. O Chile é um dos países mais afetados não apenas devido ao clima, mas à proximidade entre florestas e áreas densamente povoadas.
No ano passado, o Canadá teve os piores incêndios de sua história. As chamas também consumiram boa parte da Ilha de Mauí, no Havaí, matando mais de 90 pessoas. E na Austrália incêndios devastadores se tornaram recorrentes na última década.
No Brasil, os incêndios estão quase sempre relacionados ao desmatamento e a abertura de áreas para plantações e pastagem. Cientistas dizem que a maioria tem causa humana, mas nem todos são criminosos.