Incêndios florestais sem trégua deixam 122 mortos no Chile; buscas por vítimas continuam
De acordo com o Serviço Médico Legal, somente 32 vítimas foram identificadas
"O Chile inteiro chora por Valparaíso", declarou o presidente Gabriel Boric ao decretar, nesta segunda-feira (5), dois dias de luto, pelos 122 mortos e milhares de desabrigados deixados pelos incêndios florestais no país que já estão entre os três mais fatais do mundo no século XXI.
Entre ruas cobertas de escombros, carros carbonizados e cinzas, os moradores de Quilpué e Villa Independencia sofrem com a falta de serviços básicos. Essas comunas nas colinas da região de Valparaíso, a cerca de 120 km de Santiago, estão sem luz, com pouca água e muito calor.
"O mais importante da minha casa foi salvo, mas agora estamos sem luz, não podemos fazer nada nem carregar os celulares. O trânsito está complicado com carros queimados, está tudo devastado", relatou à AFP Patricia Guzmán, de 63 anos, do setor Canal Chacao, devastado pelas chamas, onde a quadra onde mora permaneceu de pé.
A mobilização nas estradas das áreas afetadas piora à medida que chegam voluntários, pessoas que querem ajudar suas famílias e animais de estimação, fornecer alimentos, água, barracas, além do trabalho de bombeiros e equipes oficiais em busca de vítimas em áreas queimadas.
Em pleno verão, esta área de praias visitadas por turistas tem grande parte de seus hotéis sem funcionários devido aos impactos da catástrofe.
O último balanço registra 122 mortos em Valparaíso, dos quais só 32 corpos foram identificados, indicou o Serviço Médico Legal (SML) em comunicado nesta segunda-feira.
Quase 15 mil casas foram danificadas, informou o subsecretário do Ministério do Interior, Manuel Monsalve, no domingo à noite, acrescentando que a maior parte dos danos está concentrada em Viña del Mar.
Esses incêndios, que começaram na quarta-feira, mesmo dia em que uma onda de calor atingiu temperaturas acima de 40 ºC, se espalharam em questão de horas na sexta-feira à tarde e estão entre os três mais mortíferos do século XXI, após os da Austrália em 2009 (179 mortos) e os do Havaí em agosto de 2023 (mais de 100).
Incêndios ativos
As condições meteorológicas nas últimas horas melhoraram com um fenômeno típico da costa do Pacífico, que produz muita nebulosidade, elevada umidade e diminui o calor, "o que ajuda a arrefecer o incêndio", embora "vá haver temperaturas elevadas até terça-feira”, disse a ministra do Interior, Carolina Tohá.
No entanto, as equipes trabalham na extinção de 40 focos, com alguns que levaram a evacuações preventivas no domingo em Til Til, a 60 km de Santiago, e em Galvarino, a 400 km, perto de uma extensa região que em fevereiro do ano passado também viveu incêndios de grande magnitude.
Viña del Mar, no centro do país, há décadas tem sofrido com o superpovoamento sem planejamento urbano, alvo de projetos imobiliários que ignoram regulamentações. Devido à sua proximidade com a costa do Pacífico e também com Santiago, vivem lá famílias de classe média, enquanto em outras partes surgiram assentamentos precários e pobres.
Esses fatores sociais, somados à topografia complicada da região, à longa seca no Chile e às temperaturas extraordinariamente altas da última semana, foram os ingredientes ideais para a tragédia.
Tanto Boric quanto o Ministério do Interior já declararam suspeitar que os incêndios foram provocados.
Em Villa Independencia, nas colinas de Viña del Mar, que tem o maior número de mortos e danos, Hugo de Filippi, um mecânico de 34 anos, agradece a grande corrente de solidariedade da comunidade, mas suplica às autoridades que venham "retirar os escombros".
O mesmo apelo é feito por Daniela Barraza, estudante de Educação de 36 anos, que tem um filho autista e está sem casa, recebendo ajuda de um grupo de vizinhos por enquanto. "Ficamos como estávamos, meu filho sem sapatos, minha filha sem roupa, ficamos assim, de braços cruzados", contou à AFP.
Na região de Valparaíso, conhecida pelas praias turísticas e pela produção de vinho, 17 bombeiros, 1.300 soldados e voluntários civis estão destacados para ajudar no combate às chamas, mas também às vítimas que perderam tudo.
O papa Francisco pediu orações a seus fiéis pelos mortos e feridos nos incêndios, enquanto a França e o alto representante de política externa da União Europeia, Josep Borrell, ofereceram ajuda ao Chile para lidar com a catástrofe.