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"Supergraduação" para formar cientistas em SP tem explosão de procura no vestibular

Currículo multidisciplinar da escola de ciência Ilum, em Campinas, busca preparar alunos direto para o doutorado e atraiu quase 98 candidatos por vaga em 2024

Professora exibe modelo com estrutura de molécula para alunos da Ilum - CNPEM/Divulgação

Um curso de graduação federal multidisciplinar, voltado para formar cientistas, teve uma explosão de procura no último vestibular. A escola de ciência Ilum, de Campinas (SP) recebeu mais de 4.900 inscrições no processo e registrou a marca de 97,3 candidatos por vaga em 2024.

Essa concorrência, que triplicou de um ano para outro, é um número incomum para um curso aberto há apenas dois anos e criado com intuito de colocar seus egressos na trilha acadêmica. Sem a intenção de despachar os diplomados para o mercado, a instituição concebeu seu curso de "bacharelado em ciência e tecnologia" para acelerar sua formação e colocá-los direto no doutorado, pulando o mestrado.

Neste ano, só uma carreira do vestibular da Fuvest, que dá acesso à USP, supera essa marca: a concorrência para fazer medicina em São Paulo (SP), que é de 117 candidatos por vaga.

A Ilum, uma unidade do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), foi inaugurada sem muito alarde no auge da pandemia de Covid-19, em 2021. Com carga horária pesada (atividades das 8h às 18h), a primeira turma se formará após apenas três anos, ao final de 2024. A ideia é que o currículo permita aos alunos pular o mestrado para entrar direto no doutorado.

O instituto divulgou na semana passada os nomes dos aprovados deste ano para as 40 vagas oferecidas. O curso é público e gratuito, mas têm um sistema diferenciado de vestibular.

Manifestação de interesse
A busca de ingresso na Ilum começa com o candidato escrevendo uma carta de manifestação de interesse no programa. Todos os pré-selecionados são depois entrevistados por videoconferência (etapa que tem peso grande na seleção), além de provas mais convencionais. A nota do Enem também pode ser considerada.

A ideia de criar a escola partiu de uma intenção não só a de acelerar a formação interdisciplinar, que via de regra só decola no mestrado, mas também aproveitar a imersão dos alunos na prática. Por ser ligada ao CNPEM, a Ilum nasceu dentro do conjunto de laboratórios mais avançado do país.

Já na graduação os alunos tem atividades com microscópios de força atômica, supercomputadores e até ajudam em projetos no acelerador de partículas Sirius: um laboratório de R$ 1,8 bilhão que se tornou a menina dos olhos da ciência brasileira nos últimos anos.

Com pressão para extrair os melhores resultados possíveis, o curso adotou uma política de busca ativa por novos alunos e oferece benefícios para turbinar o tempo e a capacidade de estudo dos ingressos.

O currículo lembra, em certa medida, o do curso de Ciências Moleculares da USP. Pioneiro no país, desde 1991 esse núcleo paulistano aposta em graduação multidisciplinar para acelerar carreiras em ciências naturais. A ideia da Ilum é que alunos também se graduem já com uma bagagem considerável para quem ainda não tem pós-graduação.

O programa da escola é estruturado em cinco eixos: ciências da vida, ciência de dados, linguagem matemática, humanidades e ciências da matéria. São áreas que englobam especialidades de alta demanda em pesquisa como bioquímica, física de materiais, nanotecnologia e inteligência artificial.

"Aqui tem alguns diferenciais em relação às disciplinas de outras universidades, uma delas é que desde o" conta o físico Adalberto Fazzio, diretor da Ilum. "À tarde eles sempre estão em laboratórios aqui ou no CNPEM, onde fazem uma imersão para interagir com pesquisadores".

O prédio da escola é um galpão industrial reformado no bairro da Fazenda Santa Cândida, a 10 minutos de carro do CNPEM (no meio do trajeto ficam os campi da Unicamp e da PUCCamp). Há planos de mover a escola para um prédio ao lado do Sirius, o que facilitaria ainda mais as atividades de imersão.

Uma diferença relevante entre o curso da Ilum e o Ciências Moleculares da USP, contudo, é que no segundo deles os alunos só são selecionados após terem feito vestibular comum e já terem ingressado em outros cursos da USP (em 2024 essa seleção ocorrerá em maio).

Curso secreto
Por não ser oferecido via Fuvest, o Ciências Moleculares ganhou apelido de "curso secreto". Ele tem o trunfo de estar hospedado na universidade mais bem ranqueada do país, mas tem a limitação de só poder recrutar quem já passou na USP.

No resto do país, há outros de formação científica geral na graduação, também listados como "bacharelado em ciência e tecnologia". Eles têm, porém, capacidade mais limitada para se renovar, em parte porque a administração de universidades públicas é mais engessada. O CNPEM, que opera como organização social (OS), é mais flexível para captar verbas e fazer contratações. É um modelo de gestão criticado com alguma frequência, mas que está rendendo frutos no caso da instituição.

Como parte do retorno social do investimento público, a escola diz estar trabalhando para ter diversidade em classe. O curso tem no seu processo seletivo uma bolsa de 50% para alunos de escola pública. Para dar suporte aos alunos de baixa renda, oferece moradia, ajuda de custo e computador pessoal. Neste ano, pela primeira vez, a maioria dos ingressantes é de mulheres (62,5%).

Inglês e programação
O esforço da Ilum para atrair os melhores alunos, de certa forma, inverte a lógica de competição de vestibulares tradicionais, porque é a instituição que sai à caça do aluno, e não o inverso.

Essa nova abordagem traz alguns desafios. Mesmo com apenas dois anos de existência, a Ilum já luta contra o estigma de que é preciso ser "gênio" para passar no processo seletivo. Isso acaba atrapalhando a intenção da escola de atrair bons estudantes que não necessariamente se considerem geniais.

Quem chega ao curso com inglês fraco, por exemplo, tem direito a aulas de reforço à noite. Alguns estudantes chegam do ensino técnico já com noções de programação, mas quem não domina computação pode aprender Python (uma linguagem versátil) no primeiro ano.

Segundo Fazzio, uma medida tomada foi a criação de uma estrutura para administrar a carga de expectativa e o ambiente competitivo que cercam os alunos. A Ilum colocou um serviço de apoio psicológico à disposição dos estudantes, e acompanha a saúde mental deles.

"Nós temos aqui alunos que ficam muito tempo longe da família, alguns nunca tinham saído do interior e começam a sofrer com a saudade" conta o físico. "Outro caso comum é o do estudante que se acostumou a ser sempre o primeiro da turma no ensino médio. Aí ele chega aqui e vê que tem vários "primeiros da turma". Ele tem que conseguir lidar com isso, até porque na ciência ele tem de aprender a trabalhar em equipe".

Fazzio conta que o currículo da escola foi desenhado para atuação em pesquisa no setor acadêmico, mas que o preparo dos alunos já está atraindo a indústria. Ele conta, com uma certa frustração, que a primeira turma sofreu a evasão de um aluno para o mercado.

Matemática da inovação
No Rio de Janeiro, outra abordagem inovadora de currículo em ciências exatas é o curso do IMPATech, novo núcleo do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), que inaugura sua graduação após décadas atuando só na pós.

Neste ano, o instituto recebe os primeiros alunos do curso de bacharelado em matemática da tecnologia e inovação. O programa é ancorado em ciência de dados, computação e física.

O Impa Tech está selecionando candidatos pelo desempenho nas olimpíadas brasileiras de matemática e de outras disciplinas, que hoje mobilizam mais de 20 milhões de estudantes de ensino básico do país. Outra via de acesso é a nota do Enem. Também público e gratuito, o IMPATech oferece 100 vagas por ano em sua graduação.

O campus, que está em fase final de construção, deve ter um ambiente diferenciado por ficar dentro do Porto Maravalley, um núcleo urbanístico criado na região portuária da cidade para abrigar startups e grandes empresas de tecnologia. A ideia é que academia e indústria ali, em veze de competir, contribuam um com o outro.

Segundo Marcelo Viana, diretor do Impa, o Impa Tech busca procurar candidatos que mostrem bom potencial, mais do que um repertório de conhecimento adquirido.

"A maioria dos processos seletivos avalia conhecimento, e o próprio Enem é assim. Mas no Brasil o conhecimento tem um viés socioeconômico muito acentuado, e depende da escola que você frequentou ou da família em que você cresceu" diz o matemático. "A olimpíada (de matemática), pelo contrário, é uma avaliação de capacidade de raciocínio, que é muito mais democrática. É um milagre da natureza que esse talento seja uniformemente distribuído por todas as classes sociais".

A lista dos primeiros aprovados no Impa Tech sai no fim de fevereiro, e as aulas deste ano começam com algum atraso, no início de abril. Segundo Viana, a partir do ano que vem o calendário do curso já deve se alinhar e começar mais cedo.

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