CCJ analisa afastamento de Lucinha; deputados articulam abertura de processo no Conselho de Ética
Parlamentares consideram que afastamento por tempo indeterminado como está na decisão do Tribunal de Justiça pode ser uma "cassação de mandato"
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) analisa um parecer nesta quarta-feira se manterá ou não a decisão judicial do desembargador Benedicto Abicair, do Órgão Especial do Tribunal de Justiça, que determinou o afastamento de forma indeterminada da deputada Lucia Helena Pinto de Barros, a Lucinha (PSD). Ela é investigada pelo Ministério Público e pela Polícia Federal por ligações com milicianos da quadrilha de Luis Antônio da Silva Braga, o Zinho, e usar o cargo politicamente para favorecer o grupo. A sessão será fechada e, o resultado será comunicado aos 70 deputados. Seja qual for a decisão na CCJ, não há um efeito imediato. O futuro de Lucinha será decidido pelo plenário na sessão de quinta-feira.
Nos corredores da Alerj, os deputados acreditam que a decisão será derrubada no plenário, mas que também deve tornar a deputada ré no Conselho de Ética por quebra de decoro parlamentar.
A deputada entregou, por escrito, sua defesa à Comissão de Constituição de Justiça (CCJ), na noite de segunda-feira. Nesta quarta-feira, Rodrigo Amorim, relator do processo na Alerj e presidente da Comissão, vai colocar em votação um parecer sobre o caso e deve incluir na pauta a possibilidade de denuncia-la ao Conselho de Ética.
Na sessão solene que abriu o ano legislativo, o presidente da Alerj Rodrigo Bacellar foi o único a citar nominalmente Lucinha no discurso. Ele destacou a independência e harmonia dos poderes:
"Iniciando os trabalhos desse ano tem uma pauta que para muitos é espinhosa. A nós do poder Legislativo, cabe decidir sobre a questão que nos foi passada pelo poder judiciário. Estamos enfrentando a questão de maneira muito equilibrada, com respeito às instituições" disse Bacellar.
Em seguida, o procurador-geral do Rio Luciano Mattos discursou sem citar Lucinha, mas destacou a necessidade de respeitar ritos e procedimentos:
"No âmbito da atribuição originária, procuramos fazer um trabalho técnico, discreto, respeitando os ritos e procedimentos. Sempre agir com independência, técnica e respeitar os diretos das pessoas envolvidas" afirmou
Deputados que são a favor de derrubar a decisão defendem que ela tem dois problemas. O primeiro que não há uma definição do tempo de afastamento, o que seria muitos consideram uma "cassação de mandato" e pode ferir a prerrogativa do mandato. Alguns chegaram a sugerir que fosse alterada a decisão na Casa para incluir um tempo máximo de afastamento, mas a alternativa foi considerada inviável juridicamente.
Outro ponto é não haver uma denúncia formal do Ministério Público contra a deputada e que a investigação continua na fase inicial de inquérito. O afastamento nesse caso, poderia abrir um precedente para outros casos semelhantes.
Deputados vão utilizar como referência o que aconteceu com o então senador Aécio Neves em 2017. Na ocasião, o senado derrubou uma decisão do Supremo Tribunal Federal que suspendia as funções de senador de Aécio.
Como o caso é tratado como inédito na Alerj, há um entendimento de se referenciar o processo interno com os casos previstos em lei que tratam situações em que os parlamentares sejam presos. Um deles é o artigo 102 da Constituição do Estado, que prevê ainda que o processo, após oferecimento da denúncia pelo Ministério Público, poderá ter o andamento sustado pela maioria dos votos. No entanto, essa possibilidade não é considerada.
Comissão de Ética
A saída pela denúncia de Lucinha ao Conselho de Ética, é vista com bons olhos, sobretudo para os deputados não soarem corporativistas com Lucinha. Ela seria denunciada por quebra de decoro parlamentar por "descumprir os deveres inerentes a seu mandato, ou praticar ato que afete a sua dignidade". Ela pode ser suspensa temporariamente do mandato ou até perder o cargo.
Antes da primeira sessão de 2024 nesta terça-feira, uma reunião foi feita com quase todos os deputados para explicar os ritos que estão sendo seguidos pela Alerj. Ficou acordado que na manhã de quinta-feira o caso deve ser levado ao plenário.
Áudios e mensagens
O Ministério Público do Rio teve acesso a mensagens em áudio enviadas pela deputada Lucinha (PSD) e o miliciano Domício Barbosa de Souza, o Dom, que é apontado pela polícia como o responsável financeiro da quadrilha comandada por Luis Antônio da Silva Braga, o Zinho. A parlamentar é investigada por suspeita de ser o braço político da maior milícia que atua na Zona Oeste. No áudio, Lucinha é flagrada perguntando sobre como uma medida da Prefeitura do Rio poderia impactar nos negócios do grupo criminosos.
Aliada e articuladora de Eduardo Paes na Zona Oeste do Rio, nas mensagens gravadas em 2021, Lucinha tenta saber o que era melhor para a milícia em dos pontos mais lucrativos do grupo criminoso: o transporte alternativo. A deputada tenta saber se a milícia é a favor ou contra a liberação de vans da Zona Norte rodarem na Zona Oeste.
As investigações da Polícia Federal, em conjunto com o Ministério Público, apontam que a milícia considerava bom que a prefeitura mantivesse a permissão para que vans da Zona Norte circulassem na Zona Oeste. Dessa forma, a quadrilha lucrava mais com as extorsões.
Desde dezembro, quando as investigações foram reveladas, a deputada Lucinha vem negando qualquer irregularidade. Contudo, diante de novas informações, o RJ2 pediu um novo posicionamento para a deputada, mas até a última atualização desta reportagem não teve retorno. O GLOBO também entrou em contato com a parlamentar e aguarda uma resposta.
A Prefeitura do Rio informou que não há qualquer interferência política no sistema de vans legalizadas da cidade. O município disse ainda que eventuais pedidos de políticos são analisados e decididos com base na técnica e no interesse da população. A prefeitura informou ainda que o sistema todo vem sendo fiscalizado.