Codinome ''professora'' e vigilância até no Natal: veja como Moraes foi monitorado
Vigilância ilegal teria incluído a ''utilização de equipamentos tecnológicos fora do alcance legal das autoridades de controle'', aponta decisão que embasou operação da PF
Na decisão que embasou a operação da Polícia Federal contra aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), detalha como funcionou o monitoramento do qual, segundo as investigações, o próprio magistrado foi alvo.
Preso nesta quinta-feira (8), o coronel da reserva do Exército Marcelo Câmara, ex-assessor especial da Presidência, é apontado como o responsável por coordenar o "núcleo de inteligência paralela" que acompanhou os passos de Moraes. Ao solicitar a prisão preventiva do oficial, decretada pelo ministro, a Procuradoria-Geral da República (PGR) argumentou não haver provas de que a vigilância ilegal tivesse "realmente cessado", existindo ainda a hipótese de que "outras autoridades do Poder Judiciário" fossem alvo do grupo.
Segundo os investigadores, o núcleo encabeçado pelo coronel da reserva contava ainda com o general Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), e o tenente-coronel Mauro Barbosa Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. Em uma conversa no dia 15 de dezembro, Cid e Câmara trataram, ainda de acordo com a PF, do monitoramento de Moraes.
"Viajou para São Paulo hoje, retorna na manhã de segunda-feira e viaja novamente pra SP no mesmo dia. Por enquanto só retorna a Brasília pra posse do ladrão. Qualquer mudança que saiba lhe informo", relatou Câmara. Nos dias seguintes, os contatos permanecem e, na véspera do Natal, Cid chega a usar um codinome para se referir ao magistrado: "Por onde anda a professora?" O coronel responde: "Volta no dia 31 a noite para a posse".
"O acompanhamento e monitoramento da autoridade — inclusive durante o Natal — demonstra que o grupo criminoso tinha intenções reais de consumar a subversão do regime democrático", aponta a PF na representação que embasou a operação desta quinta. "A investigação constatou que os deslocamentos entre Brasília e São Paulo do ministro Alexandre de Moraes são coincidentes com os da pessoa que estava sendo monitorada e acompanhada pelo grupo", frisa outro trecho do documento.
"Outro fator relevante", prossegue o texto, é que Câmara já possuía "pelo menos desde o dia 15 de dezembro" o "itinerário exato de deslocamento pelos próximos 15 dias" de Moraes. "As circunstâncias identificadas evidenciam ações de vigilância e monitoramento em níveis avançados, o que pode significar a utilização de equipamentos tecnológicos fora do alcance legal das autoridades de controle", afirma ainda a PF na representação.
Para a PF, a vigilância ilegal de Moraes tinha um objetivo claro: prender o magistrado. Havia, inclusive, data e local para que isso acontecesse: 18 de dezembro de 2022, em sua casa, em São Paulo. Esta parte do plano incluiria também Laércio Virgílio, general-de-brigada reformado.
"Nesse sentido, a autoridade policial narra que, no planejamento operacional descrito pelo general Virgílio, a prisão deste relator seria executada no dia 18/ 12/ 2022, em sua residência em São Paulo”, diz trecho da decisão de Moraes.
Como já mostrou em outubro a colunista Malu Gapar, do GLOBO, etapas anteriores da investigação já mostravam que o grupo possuía uma data limite para a tomada do poder caso Bolsonaro perdesse as eleições. Era exatamente 18 de dezembro de 2022, véspera da data inicialmente prevista para a diplomação de Luiz Inácio Lula da Silva. A cerimônia acabou sendo antecipada para o dia 12 de dezembro.
Em entrevista ao Globo sobre os ataques do 8 de Janeiro, Moraes revelou ter sido informado sobre a existência de três planos contra ele, que envolviam até homicídio. Um dos planos era enforcar o ministro na Praça dos Três Poderes.
— Houve uma tentativa de planejamento. Inclusive, e há outro inquérito que investiga isso, com participação da Abin, que monitorava os meus passos para quando houvesse necessidade de realizar essa prisão. Tirando um exagero ou outro, era algo que eu já esperava. Não poderia esperar de golpistas criminosos que não tivessem pretendendo algo nesse sentido. Mantive a tranquilidade. Tenho muito processo para perder tempo com isso. E nada disso ocorreu, então está tudo bem — narrou Moraes ao GLOBO.