Entenda as referências no discurso golpista preparado para Bolsonaro
Documento foi encontrado nessa quinta-feira (8) pela Polícia Federal na sala do ex-presidente na sede do PL, em Brasília
Na sede do PL em Brasília, a Polícia Federal encontrou, numa sala usada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, um documento que prevê uma "declaração" de estado de sítio e um "decreto" de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). O texto de cunho golpista, obtido pelos agentes durante a operação que cumpriu mandados de busca e apreensão em endereços ligados ao político e seu entorno nesta quinta-feira, tem menções a filosofia, ao movimento modernista e a regras do Direito Administrativo.
Advogado de Bolsonaro, Fabio Wajngarten disse, em postagem nas redes sociais, que o "tal documento apócrifo" tem um padrão que "não condiz com as tradicionais e reconhecidas falas e frases do presidente". E completou: "Tal conteúdo escrito depende mandatoriamente de ação conjunta de outros poderes".
Entenda algumas das referências que constam no documento golpista.
Aristóteles
A minuta encontrada na sala de Bolsonaro cita Aristóteles para fundamentar a base do argumento que justificaria a instauração de um estado de sítio no Brasil diante de posições do Supremo Tribunal Federal (STF) interpretadas como inconstitucionais. No texto, há referência às definições de Justiça e princípio de Direito desenvolvidas pelo filósofo.
Nascido na Grécia antes de Cristo, Aristóteles é um dos principais filósofos gregos e autor de uma extensa obra sobre política, ética e moral, além de outros campos do conhecimento. Ele iniciou os seus estudos como discípulo de Platão e foi professor de Alexandre, o Grande, um dos mais famosos reis do antigo reino da Macedônia. Aristóteles tem vasta produção até hoje aplicada em áreas como política, ciência, psicologia e teologia.
Iluminismo
O documento faz menção ao período histórico para se referir a um suposto entendimento cunhado à época, de necessidade de "resistência às leis injustas". O texto ainda resgata pensamentos elaborados pelos teóricos daquele período para falar da previsão constitucional de "princípio da moralidade", que teria surgido na jurisprudência do Conselho de Estado Francês há mais de cem anos.
O Iluminismo foi o movimento filosófico que nasceu na Europa no final do século XVII em busca da razão e da moralidade como pilares de toda a experiência humana, no contexto de ascensão do antropocentrismo — conceito que coloca o homem no centro das percepções, discussões e pensamentos. Pensadores da época, como Adam Smith e John Locke, desenvolveram os conceitos enquanto crítica ao Absolutismo, regime em que todos os poderes eram concentrados nas mãos do rei ou rainha.
Princípio da moralidade
Citado no documento como basilar na Constituição Federal de 1988, o "princípio da moralidade" foi utilizado no texto rascunhado para justificar o "controle para o desvio de finalidade na aplicação da lei", fazendo referência à atuação de ministros do STF.
O princípio da moralidade administrativa representa um conjunto de regras de conduta para uma boa administração dentro do setor público desde que não deixe de espelhar os valores morais publicados e amparados pelo ordenamento jurídico. Ou seja, prevê que é inconstitucional o uso da máquina pública de forma que afronte o previsto em lei.
Otto Bachof
A minuta também referencia Otto Bachof para fundamentar a base dos argumento golpistas do texto. No documento, os autores se referem à defesa, pelo jurista alemão, de uma "possibilidade de controle das normas constitucionais" na Alemanha após a Segunda Guerra Mundial.
Nascido em 1914, Otto Bachof foi um dos principais juristas alemães no ramo do Direito Administrativo, ao lado de Otto Mayer e Hartmut Maurer. Além de ter sido professor de Direito Público, exerceu a função de juiz federal do Tribunal estadual de Baden-Württemberg, no sudoeste da Alemanha.