Governo Lula tenta manter diálogo com Maduro, evitando críticas em meio à repressão à oposição
Enquanto regime venezuelano mantém ativistas presos, Brasil intensifica atuação diplomática para que eleições presidenciais ocorram sem condenação internacional
Enquanto o regime de Nicolás Maduro mantém ativistas presos e dificulta o acesso da oposição às eleições presidenciais neste ano, o governo brasileiro intensificou a atuação diplomática para que o pleito na Venezuela ocorra sem uma condenação da comunidade internacional. O governo Luiz Inácio Lula da Silva tenta manter um canal de diálogo com Caracas, mas por enquanto as tratativas tiveram pouco efeito, na avaliação de especialistas.
Desde o ano passado, a política externa do Brasil tenta dialogar com o governo dos Estados Unidos e outros países da região para que a escolha do presidente venezuelano transcorra sem a pressão de outras nações. Esse objetivo sofreu um revés quando as sanções à Venezuela foram retomadas pelo governo de Joe Biden. Os americanos queriam reverter a inabilitação de María Corina Machado —principal líder antichavista e vencedora por larga margem das primárias da oposição— mas o regime de Nicolás Maduro foi inflexível.
Nas últimas semanas, os chavistas dobraram a aposta na estratégia de sufocar grupos que contestam o aparato estatal, o que pode pôr em xeque o papel desempenhado pelo Brasil. No fim de semana, organizações de direitos humanos e políticos da oposição denunciaram a prisão da ativista e especialista em questões militares na Venezuela Rocío San Miguel, além de cinco familiares.
Desde o ano passado, o Palácio do Planalto já previa que o cenário em que María Corina seria candidata não era “realista”. Mas o governo brasileiro ainda acredita que é capaz fazer uma gestão de mediação.
Mesmo com as reiteradas sinalizações de Maduro de que não irá recuar, o governo brasileiro considera fundamental manter um canal de diálogo com Caracas. Diplomatas reconhecem que a situação se agravou e que o Brasil não concorda com as medidas recentes tomadas por Maduro, mas a ideia é estar próximo para tentar influenciar uma abertura no longo prazo. O diagnóstico é que, ao longo dos anos, o isolamento só favoreceu o constante ataque a liberdades e a repressão a oposicionistas.
Lula falará com maduro
Ontem, o assessor para Assuntos Internacionais da Presidência da República, Celso Amorim, afirmou que “qualquer prisão de natureza política preocupa”.
— Não conheço todas as circunstâncias [da prisão de Rocío San Miguel], mas o recrudescimento da repressão, se confirmado, é um fato que nos preocupa porque apostamos no diálogo — declarou Amorim ao Globo.
O assessor de Lula afirmou, ainda, que em função das conversas que teve com governo e oposição na Venezuela, a última delas há cerca de dez dias, que “o que mais preocupa grande parte da oposição é a possibilidade de repressão”:
— Isso [o eventual recrudescimento da repressão] pode afetar o processo [eleitoral].
Neste mês, ele conversou com o presidente da Assembleia Nacional da Venezuela, Jorge Rodríguez. Na ocasião, o auxiliar de Lula reiterou apoio ao pleito presidencial — marcado para este ano, mas ainda sem data — mesmo com inabilitação da principal candidata de oposição e a situação de perseguição contra opositores.
No início de março, Lula deve encontrar-se com Maduro em São Vicente e Granadinas, na cúpula da Comunidade de Estados Latino-americanos e do Caribe (Celac), onde terá oportunidade de tratar do assunto. As pautas da reunião já são discutidas há semanas.
Na visão do Brasil, a recuperação da institucionalidade da Venezuela precisa ser acompanhada em “dois tempos”, ou seja, nos processos eleitorais de 2024 e 2025. A eleição deste ano, porém, é considerada mais importante, pois se trata do pleito que irá escolher o próximo presidente. No segundo ano, serão escolhidos os governos dos estados e a próxima Assembleia Nacional. Neste sentido, é um acompanhamento que será feito aos poucos.
Para o analista de Venezuela e América Latina da ONG International Crisis Group, Phil Gunson, o governo Maduro não tem nem nunca teve a intenção de participar de uma eleição na qual poderia perder. Inicialmente, o governo tinha o único intuito de dividir e enfraquecer a oposição para obter a vitória nas urnas. Mas, como o campo político continua unido, a questão que se coloca neste momento é se só sobrará ao governo a única opção da repressão ou se algumas concessões serão feitas:
— O Brasil é um ator importante, e Lula, bem como Amorim, são ouvidos por Maduro. Não há dúvida de que o Brasil pode fazer mais. No entanto, Maduro quase certamente acredita, corretamente ou não, que Lula fará pouco, apenas criará ruídos com uma desaprovação, mesmo se ele [Maduro] roubar a eleição. Portanto, a influência do Brasil é limitada, a menos que a região, como um todo, se una. Se não houver essa união para deixar claro a Maduro que haverá graves consequências com a fraude, ele persistirá com sua estratégia atual.
"Ganhar tempo"
O professor de Relações Internacionais da FGV e do IEA-USP Eduardo Viola afirma que a posição do governo Lula diante do desenrolar dos acontecimentos é de cumplicidade com o governo da Venezuela. Segundo ele, os únicos países na região que ainda tentam dar algum suporte ao regime chavista, além do Brasil, são Bolívia e Colômbia. Ele acrescenta que o Acordo de Barbados — assinado em outubro do ano passado com o apoio dos EUA e que previa a abertura do processo eleitoral à oposição, com monitoramento internacional — já está praticamente enterrado.
— A chance de termos eleições minimamente limpas é próxima de zero. O Acordo de Barbados foi apenas para Maduro ganhar tempo, e do lado dos Estados Unidos, ganhar tempo para tentar frear a imigração venezuelana. Houve esse interesse dos dois lados. O governo da Venezuela vai continuar a reprimir, deixando talvez alguma força de oposição, com candidato mais moderado, para tentar um realizar um simulacro de eleição — diz Viola.
O Itamaraty também entende que a pressão externa pode ser contraproducente, forçando uma ofensiva ainda mais dura dos chavistas. Vários governos da América Latina vêm se posicionando de forma contrária à condução do processo eleitoral sem garantias plenas de que será limpo e justo, como Uruguai, Equador, Argentina e até mesmo o governo de esquerda do Chile.